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Nim

Os castelhanos têm dos galegos e dos portugueses a imagem de povos indecisos e de meias palavras. É vulgar ouvir queixas dos de Madrid sobre a falta de assertividade lusitana – reunião após reunião, repasto após repasto, não obtêm mais do que sucessivos e cordatos "nins".

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Em boa verdade, a acusação encaixa-se-nos que nem uma luva. Nos momentos informais, como nos mais solenes, gostamos de nos ficar em águas translúcidas. Muitas vezes, as proclamações mais arrebatadas escondem uma total ausência de ideias, de intenções genuínas, de meios de acção, ou de tudo junto. Os tempos de crise que atravessamos bem podiam servir de desfibrilhador de iniciativas concretas e compromissos firmes. Mas não – a tibieza domina, como sempre. 


"Governo quer aproximar-se do PS, mas os partidos não sabem como", titulava ontem o Jornal de Negócios. Cortes no Estado nem pensar, clama o PS; aumento do salário mínimo fora de questão, diz o PSD; simplificar procedimentos e delegar competências efectivas, na esfera da Administração Pública, só apanhando as Finanças distraídas; redução do IVA na restauração, talvez num dia de nevoeiro; redução do IRC e simplificação do regime fiscal para as PME, "nim" do Governo e do PS; privatizações no sector dos transportes, nem por sombras, afirma o PS; forçar as instâncias internacionais a uma renegociação do acordo com a troika, só por cima de Vítor Gaspar. Ah, sim, parece que existe uma frente de "consenso" em torno do "crescimento económico"! Vamos esperar sentados.

Ao contrário do que pensa a "sociedade civil", a incapacidade construtiva não é um exclusivo dos políticos – atinge todos por igual, a começar pelas elites empresariais. São frequentes as tiradas algo bombásticas de alguns dos seus principais ícones, regra geral insurgindo-se contra o Estado e todos os que dele dependem. Mas são raras, muito raras, as propostas exequíveis que ousam avançar, mesmo quando conseguem despir-se dos seus (legítimos) interesses próprios. Seria estimulante, por exemplo, ouvir dos líderes das empresas do PSI-20, 19 das quais têm sede no estrangeiro, uma proposta-compromisso de fazerem regressar as suas sociedades holding a território nacional, pagando cá os seus impostos, caso o Estado português garanta as mesmas condições fiscais dos países europeus para onde convenientemente se deslocalizaram. Aí está um desafio corajoso e patriótico que, pelos vistos, nenhum se atreve a fazer.

E que tal os mesmos líderes empresariais proporem um quadro eficaz de incentivos ao investimento, nacional e estrangeiro, incluindo benefícios fiscais, donde o tecido económico português – designadamente as PME integradas em fileiras industriais – sairia favorecido e o emprego estimulado? Ou a única proposta de que são capazes é a de uma nova "flexibilização das leis laborais", algo que a grande maioria dos empresários diz não aquecer nem arrefecer, a par de vagos apelos à desburocratização?

Pois, o famoso repto de Kennedy adaptado à mentalidade Forbes lusitana (quem dera que os constantes da lista dourada fossem às dezenas e pagassem todos impostos em Portugal!) parece aplicar-se somente aos que nada decidem e aos muitos que desgraçadamente dependem das subvenções estatais para poderem sobreviver no limiar da dignidade. Restam alguns heróis, de que o Jornal de Negócios deu recentemente magníficos exemplos, que empreendem, perseveram e ousam afrontar o destino. Esses, batalham contra um sistema administrativo e fiscal que lhes é hostil, contra o poder negocial das grandes corporações, contra a retracção do consumo, contra o fado suicidário da troika e a incerteza que vai asfixiando a economia nacional. Esses, quando batem à porta das instituições de crédito, regra geral não ouvem um "nim". Ouvem um rotundo não. E resistem, resistem.

Economista; Professor do ISEG


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