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Era uma vez um comboio

Não há como negá-lo. O estado a que o sector ferroviário chegou em Portugal é confrangedor. Bem se podem agora acelerar obras que há muito deveriam estar concluídas ou iniciar processos concursais que só produzirão efeitos dentro de cinco ou mais anos - o mal está feito.

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A menos que ocorra um improvável impulso regenerador, levando por diante o que em décadas ficou por fazer, a nossa ferrovia tem o futuro em risco.

 

Basicamente, a actual rede ferroviária é a mesma do início do século passado. Não faltaram, ao longo de variados regimes, planos de modernização e projectos de expansão bem-intencionados, mas todos se revelaram inconsequentes. A grande oportunidade para o desenvolvimento do sector, dotando-o de redes e serviços de nível europeu, surgiu com a entrada de Portugal na CEE e o acesso aos seus generosos fundos. Esperar-se-ia uma afectação de recursos inteligente, contemplando de forma integrada a rodovia e a ferrovia. Mas deu-se a febre do asfalto e o comboio foi esquecido.

 

Quando acordámos para o atraso, nos anos 90, e para as redes de alta velocidade que se estendiam já pela Europa fora (com Espanha em posição de destaque), avançámos finalmente com o nosso plano de expansão, centrado na alta velocidade e na bitola europeia, para o transporte de passageiros e mercadorias. Nesse tempo, ainda havia dinheiro para lançar a obra, tivesse ela a configuração Y, pi deitado ou outra qualquer. O que não houve, como sempre em Portugal, foi a necessária concertação de vontades em torno de um desígnio de interesse geral. Com a crise e a chegada da troika, o projecto morreu. E com ele se foram igualmente os propósitos de modernização da rede tradicional. À penúria de investimento viria a juntar-se a má gestão dos recursos disponíveis.

 

Esqueçamo-nos então, porque a isso somos obrigados, do plano de alta velocidade, das redes transeuropeias, das vias para transporte de mercadorias, da ligação ferroviária entre o Sul e o Norte, além dos fundos europeus desbaratados. Esqueçamos o estruturante e centremo-nos na gestão corrente do que ainda existe. A avaliação é devastadora.

 

Estações destruídas, composições vandalizadas, material obsoleto, cancelamento de ligações, horários deslocados, atrasos terceiro-mundistas, degradação e incúria. Como foi possível chegar-se aqui? É que os constrangimentos financeiros não explicam tudo. Houve má gestão na planificação de recursos, na programação de actividades operacionais e na condução de empreitadas. Sendo o Estado o detentor da quase-totalidade dos meios de rede e operação, é a ele que devem ser assacadas responsabilidades.

 

Os principais agentes do sistema de valor ferroviário são a Infraestruturas de Portugal (IP), a CP e a EMEF (a que se juntaria a Sorefame, barbaramente assassinada em 2003), mas o primeiro responsável, o que superintende as diferentes administrações e, sobretudo, gere os recursos disponíveis é o Governo. Quando se afirma que o sector deve manter-se nas mãos do Estado e se refutam modelos de concessionamento a privados, tem de se demonstrar no terreno que o serviço público é capaz.

 

A figura do mês: José Afonso

 

Nunca é demais relembrar José Afonso por toda a obra que nos deixou e pelas emoções que nos transmitiu, mas nada faria supor que o seu nome seria este mês objecto de controvérsia por causa de uma proposta de trasladação para o Panteão Nacional.

 

Certamente bem-intencionada, a Sociedade Portuguesa de Autores avançou com a ideia, dispensando-se de saber a opinião da família e próximos de Zeca. Sem surpresa, a resposta foi não. Como seria, estou seguro, a da esmagadora maioria dos que recordam a vida e o legado de José Afonso, se fossem inquiridos.

 

É estranho uma associação de autores propor nomes de entre os seus para que o Estado os imortalize num mausoléu colectivo. Como não deixa de ser curiosa a súbita apetência dos políticos pelo tema das candidaturas a Santa Engrácia.

 

Se algo mais o 25 de Abril, na sua ânsia de igualdade e cidadania, nos deveria ter trazido era o encerramento do Panteão (ou a sua reconversão). Para que precisa um povo de panteões?

 

Número do mês: 5

 

Vão surgindo, com crescente regularidade, estudos prospectivos sobre o impacto das novas tecnologias no emprego. Desta feita, é o Institut Sapiens, um think tank francês, que prevê para os próximos anos uma forte diminuição da população activa gaulesa. São cinco as profissões mais penalizadas, nas quais se registará uma quebra conjunta de 2,1 milhões de empregados.

 

O estudo da equipa de Erwann Tison incidiu sobre as profissões vulneráveis aos processos de automação, tomando em conta o custo médio da mão-de-obra, já que, segundo os autores, "o interesse de substituir uma pessoa por uma máquina é tanto menor quanto mais baixo for o custo salarial".

 

As conclusões não se afastam das já avançadas em trabalhos realizados no Reino Unido e nos Estados Unidos. O mesmo acontece em relação às profissões em risco. Os funcionários da banca e seguros, os empregados de contabilidade, as secretárias de direcção, os caixeiros e os operadores de logística dificilmente transmitirão os seus conhecimentos a novas gerações.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa

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