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31 de Maio de 2016 às 21:10

Um pelourinho em África  

A mulher violada, as vidas torturadas, os mortos insepultos e anos de horror pairaram num instante interminável no tribunal de Dacar ao escutar-se a sentença de prisão perpétua para Hissène Habré.

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Centenas de mulheres e homens tinham-se batido pelo julgamento do antigo ditador do Chade - refugiado no Senegal desde 1990 após um golpe de Estado liderado por um dos seus homens de confiança, Idriss Déby - e segunda-feira viram feita justiça à razão dos perseguidos.

 

Habré chegou ao poder pela força da armas em 1982 e durante cinco anos, com apoio de França e dos Estados Unidos, fez guerra à Líbia pelo controlo do Norte do Chade.

 

Levou a melhor no confronto com Gaddafi e a violência no Chade nunca amainou, provocando cerca de 40 mil mortos, até que, malquisto com Paris, foi abandonado pelos aliados que agora fecham olhos aos abusos de Déby feito baluarte da luta antijihadista.  

 

Habré contou viver as prebendas do exílio em Dacar, mas muitas das vítimas persistiram e com o apoio da Human Rights Watch conseguiram reunir testemunhos.

 

Cúmplices no Chade e a conivência de Abdoulaye Wade (Presidente do Senegal entre 2000 e 2012) livraram Habré de dramas de maior depois de a Bélgica ter emitido em 2005 um mandado internacional de detenção, ao abrigo da lei de jurisdição universal aprovada por Bruxelas em 1993 e que seria revista em 2003. 

 

A justiça senegalesa declarou-se incompetente para julgar o caso, rejeitou pedidos de extradição para a Bélgica, viu-se mandatada pela União Africana (UA) em 2006 para julgar Habré por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e tortura, enquanto em 2008 um tribunal de Ndjamena decretava pena de morte à revelia para o ex-Presidente.

 

Em 2012, o Tribunal Internacional de Justiça ordenou o julgamento de Habré em Dacar ou a sua extradição para Bruxelas e o sucessor de Wade, Macky Sall, negociou com a UA a criação de um tribunal extraordinário para crimes internacionais graves cometidos no Chade entre 1982 e 1990.

 

O Tribunal Penal Internacional (TPI) com jurisdição limitada a crimes cometidos após Julho de 2002 não tinha competência e só a instituição das Câmaras Africanas Extraordinárias - financiadas pela UA, UE, Chade, Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Estados Unidos - permitiu a detenção de Habré em Junho de 2013.

 

Presidido por Gberdao Kam, do Burkina Fasso, coadjuvado por dois magistrados senegaleses, o tribunal, em função de leis internacionais e da legislação em vigor no Senegal, deu por provados, no julgamento iniciado em Julho de 2015, crimes de escravidão sexual, homicídio voluntário, execuções sumárias, raptos e torturas.

 

A sentença, a cumprir no Senegal, é passível de recurso e representa a aplicação, pela primeira vez, do princípio de jurisdição universal por um tribunal nacional africano (julgando crimes cometidos noutro estado na base de acordo com a UA), contemplando, ainda, indemnizações às vítimas.

 

As controvérsias sobre processos no TPI por crimes contra a humanidade envolvendo o ex-Presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, a oposição ao mandado de detenção do Presidente do Sudão, Omar al Bashir, a anulação do processo do vice-presidente do Quénia, William Ruto, por insuficiência de provas, em boa parte por intimidação de testemunhas, ficam, entretanto, para reforçar a ideia de que em África e no mundo afora a justiça pesa, sobretudo, sobre os vencidos.

 

Jornalista

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