Opinião
Um desamor europeu
Os conservadores aderiram às campanhas que atribuem à entrada de trabalhadores estrangeiros a quebra relativa e absoluta dos rendimentos do trabalho no Reino Unido.
A saída do Reino Unido da UE é cada vez mais provável à medida que se acumulam crises capazes de decidirem o resultado do referendo que David Cameron convocará até ao final de 2017.
O crescente desafecto e o amontoar de divergências entre Londres e os demais parceiros europeus estão patentes na crise de migração clandestina no Pas de Calais.
Ínfima à escala europeia a pressão migratória a partir de Calais, onde se concentram no máximo cinco mil pessoas que já não podem requerer asilo político dado terem sido registadas previamente em França ou noutros países, repete em maior escala as tentativas de passagem clandestina para a Grã-Bretanha e os confrontos que se centraram entre 1999 e 2002 no campo de Sangatte.
Nem imigrantes, nem refugiados
A acrimónia é presentemente bem maior depois de o Reino Unido, bem como a Áustria e a Hungria, ter recusado participar no programa para recolocação de 40 mil imigrantes acolhidos pela Itália e Grécia.
As medidas repressivas da imigração clandestina aparentam ser bem recebidas pelo eleitorado numa altura em que Londres levanta também cada vez mais dificuldades à aceitação de candidatos a asilo político.
Em 2014, os pedidos de asilo no Reino Unido ascenderam a 26 mil, tendo sido aceites 10 mil - sobretudo da Eritreia, Paquistão e Síria -, números bem inferiores aos registados na Alemanha que recebeu 216 mil refugiados no ano passado e estima processar o dobro de casos até o final de 2015.
A crise migratória agravou-se no primeiro trimestre deste ano: os pedidos de asilo cifraram-se em 185 mil, 80% na Alemanha, na Suécia, em Itália, na Hungria e em França, e apenas 4% no Reino Unido.
Crise de longa duração
Em 2006, a crise centrava-se nas "pateras" que rumavam às Canárias, posteriormente os maiores fluxos de imigração clandestina no Mediterrâneo ocidental, visando Espanha, reorientaram-se para Itália, Malta e, a leste, para Grécia e Bulgária.
Às guerras do Iraque e Afeganistão, somaram-se os conflitos na Síria e na Líbia, que a par da miséria e confrontos na África a sul do Saara, geram fluxos constantes de imigrantes económicos e refugiados políticos.
Às agruras humanas do Outono e do Inverno sucedem-se os picos de entradas da Primavera e do Verão, e em Londres a estes dilemas indesejados juntam-se propostas para limitar a imigração de cidadãos da UE para o Reino Unido.
Os conservadores aderiram às campanhas que atribuem à entrada de trabalhadores estrangeiros (sem distinção de qualificações e sectores ou países de origem) a quebra relativa e absoluta dos rendimentos do trabalho no Reino Unido.
A radicalização populista e nacionalista
Jeremy Corbyn é favorito na luta pela liderança trabalhista e o eventual triunfo da esquerda radical na votação de Setembro acentuará o populismo anti-imigração e a contestação à participação na UE.
O Partido Trabalhista sairá fatalmente dividido na escolha do sucessor de Ed Miliband e a possibilidade de uma cisão da ala mais conservadora e liberal não obstará a um reforço das tendências isolacionistas e soberanistas que chocam com as promessas feitas pelos unionistas no referendo escocês de 2014.
Edimburgo exige o controlo de políticas fiscais e económicas, aprofundando a autonomia consagrada com o restabelecimento do parlamento de Holyrood em 1999 e das suas competências nas áreas da justiça, saúde, educação, política ambiental e de habitação.
Para Nicola Sturgeon a preservação da União firmada em 1707 é possível, mas limitada à partilha da monarquia, da libra, e à condução pelo parlamento de Westminster das políticas externa e de defesa.
Os nacionalistas exigem, contudo, uma palavra na definição de toda e qualquer decisão que afecte a Escócia e pretendem a retirada de armamento nuclear da base naval Clyde em Gare Loch.
Cada cedência que Cameron fizer no sentido da federalização será voto contado para os soberanistas ingleses contrários à permanência na UE.
Libras por euros e dracmas
Londres já viu se obrigada a participar em Julho no empréstimo de emergência de 7,2 mil milhões de euros a Atenas, através do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira, e, por mais garantias que os Estados do euro pretendam ter oferecido ao Reino Unido, a bancarrota grega acabará por afectar todos os países da UE.
Renegociar em crise aguda da UE tratados que já concedem um estatuto especial de excepções (harmonização fiscal e legislação social, Schengen, imigração, direito de asilo, etc.) e autonomia plena de facto de políticas externa e de defesa, é impraticável.
Demasiadas crises começam a conjugar-se e para Cameron o espectro do "não" agiganta-se.
Jornalista