Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
18 de Julho de 2017 às 19:55

O ursinho e o pote de mel comunista

Uma imensa purga política de consequências incertas está em curso na China e os últimos episódios levaram à imposição da cremação expedita sob tutela policial de Liu Xiaobo, à censura do Ursinho Pooh e à detenção de um dos políticos mais destacados do país.

  • ...

As circunstâncias da morte do Prémio Nobel da Paz de 2010 e a sorte de seus familiares próximos, sujeitos a prisão domiciliária, comprovam a irredutível hostilidade do Partido Comunista ante críticos do regime.

 

O sacrifício de Liu, professor de Literatura, pacificista proponente de princípios democráticos, condenado em 2009 a 11 anos de prisão, passou em silêncio graças à rigorosa censura da internet que este mês se abateu até sobre o guloso Ursinho.

 

O recurso à rotunda personagem para alusões crípticas e críticas a Xi Jinping selou o destino do Ursinho Pooh numa altura em que se acentua uma campanha de  engrandecimento do secretário-geral sem paralelo desde a era de Mao Zedong.

 

A contundência das purgas políticas revelou-se na detenção, na semana passada, de  Sun Zhengcai, membro da comissão política do PC e responsável por Chongqing, um dos mais importantes municípios.

 

Sun, 53 anos, encontra-se sob investigação por não ter erradicado a "influência perniciosa" de Bo Xilai, seu antecessor em Chongqing e na comissão política, rival de Xi, condenado em 2012 a prisão perpétua.

 

A queda em desgraça do mais jovem dos 25 membros da comissão política, tal como a nomeação para a chefia da organização do partido em Pequim de Cai Qi, um fiel do Presidente, é sinal de que a recomposição das instâncias dirigentes vai ser profunda no XIX congresso no próximo Outono.

 

Xi será reeleito para um mandato de cinco anos, tendo atingido já um estatuto que relega para um nível claramente subordinado os demais seis membros do Comité Permanente da Comissão Política, o núcleo supremo do poder.

 

Nas turbulências do pós-maoismo e depois de o líder supremo Deng Xiaoping ter  escolhido em 1989 Jiang Zemin para secretário-geral na ressaca do Massacre de Tiananmen a chefia do partido/Estado assumiu características essencialmente colegiais.

 

Xi, no entanto, desde a sua eleição em 2012, foi rompendo com o princípio de liderança colectiva que o PC tentara consolidar com Jiang e no decénio de Hu Jintao.

 

Ao proclamar a era de concretização do "Sonho Chinês", Xi assume-se como líder do "ressurgimento da nação" ou da "raça" já que a ambiguidade semântica de "zhonghua minzu" abarca qualquer pessoa de ascendência chinesa independentemente da sua cidadania.

 

O crescimento de 6,9 % da economia no primeiro semestre oferece margem conjuntural para consolidar o poder pessoal de Xi e, abrindo caminho para medidas drásticas de contenção de riscos financeiros, o secretário-geral advertiu este mês que todos os dirigentes serão responsabilizados, mesmo depois de abandonarem os cargos, por actos de gestão que resultem em dívidas insustentáveis.

 

O tempo, contudo, escasseia para a China marcar posição dado o envelhecimento inexorável (em 2025 os chineses com 65 anos ou mais excederão os 14% da população) e a insustentabilidade ambiental do actual modelo de desenvolvimento económico.

 

A violência e intransigência que Pequim mostra ante minorias étnicas (sobretudo tibetanos e uigures) ou devaneios autonomistas em Hong Kong, a inflexibilidade nos litígios fronteiriços no mar do Sul da China e mar Amarelo, o confronto com a Índia nos Himalaias, explicam-se, em boa parte, pelo sentimento de urgência para agarrar a oportunidade que anima Xi.

 

Resta saber até que ponto a sociedade chinesa tolerará a personalização do poder, indivisível e inquestionável, que o Partido Comunista sempre tomou como seu pote de mel exclusivo.  

  

Jornalista

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio