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29 de Novembro de 2016 às 19:30

Cuba à espera de Trump 

Fidel foi-se temeroso do retorno em força dos norte-americanos, Raúl aguarda temendo entraves de Washington às relações comerciais e o que fizer Trump marcará a fase derradeira do castrismo.

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O "evento biológico" deixou um símbolo gasto, ainda que passível de alimentar alentos nacionalistas e anti-norte-americanos, na altura em que Trump agrava a incerteza provocada pela perda dos subsídios venezuelanos.

 

O colapso soviético devastou o socialismo cubano no início da década de 90, com uma quebra do PIB superior a 30% nos primeiros anos e a defenestração ideológica do comunismo.

 

A chegada de Hugo Chávez ao poder em Caracas, em 1999, deu novo fôlego ao castrismo.

 

Perdida a capacidade de projecção de força, com pontos altos nas intervenções militares em Angola e na Etiópia, Havana reconverteu-se, entretanto, em exportadora de mão-de-obra médica para alimentar a imagem de solidariedade internacionalista como contrapartida a subsídios e contratos vantajosos para o Estado.

 

Cuba passou a viver por conta do petróleo venezuelano e as Forças Armadas firmaram-se como corporação dominante com interesses nos sectores do turismo, agricultura, exploração de níquel, transportes e comunicações, controlando cerca de 90% das receitas de exportação e 60% do turismo.

 

A abertura parcial a pequenos negócios privados e a parcerias para investimentos estrangeiros aproveitada inicialmente, sobretudo, por empresas espanholas, canadianas, francesas e brasileiras ajudou a criar emprego à margem do sector estatal para cerca de 20% da mão-de-obra.

 

Desde 2014 o capital estrangeiro pode deter 100% do investimento (privilégio reservado anteriormente a empresas estatais da Venezuela), mas a contratação de pessoal tem de processar-se através de uma agência governamental.

 

Uma Zona Especial de Desenvolvimento em Mariel, nas imediações de Havana, procura atrair investimento além do sector turístico, e as autoridades cubanas afirmam ter conseguido captar nos últimos dois anos 1,3 mil milhões de dólares. 

 

Obama ao normalizar relações diplomáticas em 2015 e usando prerrogativas presidenciais para ultrapassar objecções do Congresso abriu horizontes para o incremento das relações bilaterais e o retorno do predomínio económico norte-americano.

 

Esta semana começaram rotas áreas regulares e directas de companhias norte-americanos dos Estados Unidos para Havana.

 

É, assim, alargada a oferta que se limitava desde o início de 2016 no caso da American Airlines a Camagüey, Cienfuegos, Holguín, Santa Clara e Varadero, e baixam os preços para 200 e 100 usd comparados com os cerca de 500 usd habitualmente praticados pelos voos "charter" permitidos desde 1979.

 

As empresas estado-unidenses do sector agro-pecuário, por sua vez, ao abrigo de uma cláusula humanitária introduzida em 2001 tornaram-se rapidamente no maior fornecedor de géneros agrícolas e produtos alimentares a Cuba e contestam o embargo comercial velho de 55 anos.

 

Trump terá de optar entre pressão política sobre Havana prejudicial para interesses económicos norte-americanos ou alinhar com os radicais anticastristas entre os 1,2 milhões de cubanos concentrados em Miami do senador republicano Ted Cruz.

 

Sem alívio de nota na repressão que, após uma vaga de prisões em 2003, levou à morte em greves de fome de protesto de Orlando Zapata Tamayo (2010) e Wilman Villar (2012), abre-se uma porta para novo confronto contestando as concessões de Obama.

 

Havana continua, por seu turno, a justificar o baixo nível de vida pelo bloqueio norte-americano e justifica-se por comparação com outras misérias das Caraíbas e da América Central, omitindo avanços de estados latino-americanos que tenham superado os índices de desenvolvimento e bem-estar de Cuba desde 1959.

 

A indiferença ideológica da população é notória tanto nas formas de protesto musicais como no recrudescimento dos cultos tradicionais da "santería" e politicamente o regime está enquistado na dominação da clique militar onde pontificam veteranos como os generais Álvaro Miera e Leopoldo Frías ou Luís López-Calleja, genro de Raúl e supervisor dos interesses económicos das forças armadas.

 

Sem Fidel, os comunistas de Havana aguardam o embate de Trump e têm muito a perder se secarem as remessas de exilados e expatriados e Washington apertar a tarraxa a empresas norte-americanas e obstaculizar investimentos estrangeiros em Cuba.     

 

Jornalista

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