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29 de Abril de 2014 às 18:50

A incubadora terrorista

Desde o golpe de Julho de 2013, que depôs Mohamed Morsi, mais de 16 mil pessoas foram detidas e cerca de 2500 pereceram em incidentes violentos, apesar de em certos casos ser difícil destrinçar actos de banditismo de protestos políticos.

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A repressão sem quartel dos "Irmãos Muçulmanos" está em vias de gerar uma nova vaga de militância terrorista que irá flagelar o Médio Oriente e a Europa acentuando ainda mais os impasses políticos no Egipto.

 

A segunda leva de condenações à morte em massa de apoiantes da Irmandade nas vésperas da eleição presidencial que no final de Maio levará o general Abdul al Sisi à presidência é o sinal mais estridente do esmagamento da oposição à tutela militar.

 

Além da militância islamita têm sido igualmente visados líderes laicos do "Movimento 6 de Abril", uma das forças impulsionadoras dos protestos que levaram à queda de Hosni Mubarak em 2011, como Ahmed Maher, Ahmed Duma e Mohamed Adel condenados em Dezembro a três anos de prisão.      

 

Desde o golpe de Julho de 2013, que depôs Mohamed Morsi, mais de 16 mil pessoas foram detidas e cerca de 2500 pereceram em incidentes violentos, apesar de em certos casos ser difícil destrinçar actos de banditismo de protestos políticos, envolvendo manifestantes, terroristas, polícias, militares.     

   

Os militares negocistas

 

A deposição do primeiro presidente eleito democraticamente no Egipto que em apenas um ano alienou potenciais aliados laicos e os salafistas de "al Nour" (próximos dos wahabitas da Arábia Saudita) contou com forte apoio popular, mas, no referendo de Janeiro, 62% dos recenseados abstiveram-se de votar uma constituição aprovada por 98% dos sufrágios expressos. 

 

Além de proibir partidos religiosos, a constituição consagrou os privilégios que os militares foram acumulando desde os anos 50, permitindo-lhes eximirem-se a escrutínio civil e, em especial, controlar empresas que representam cerca de 40% do PIB.

 

As recentes concessão a uma companhia dos Emirados Árabes Unidos de 160 milhões de metros quadrados detidos pelas forças armadas para projectos imobiliários e a atribuição pelo governo a firmas controladas por militares de projectos de infra-estruturas num montante equivalente a cerca de 724 milhões de euros provam que a vertente negocista e rentista castrense se mantém bem viva.    

 

O chefe das forças armadas, que publicamente afirma seguir o exemplo de Gamal Abdel Nasser e Anwar Sadat,  recompõe, assim, a aliança entre meios de negócios e militares que atingiu o auge durante as três décadas da presidência de Mubarak.

 

Na ausência de qualquer estratégia económica desenvolvimentista para prover a 40%  da população que subsiste abaixo da linha de pobreza, os militares contam com as subvenções e empréstimos das monarquias do Golfo que obviam apenas a carências financeiras urgentes.

 

Al Sisi joga, ainda, com a ausência de alternativas não-islamitas ao regime militar e espera que Washington, que levantou este mês parcialmente o congelamento da ajuda militar anual de 1,3 mil milhões de euros decretado após o golpe de 2013, venha a reconhecer os resultados da eleição presidencial que o opõe ao candidato laico de esquerda Hamdeen Sabahi, um veterano da contestação a Sadat e Mubarak, e acabe por ignorar os abusos judiciais.

 

O manto de Qutb

 

Morsi aguarda julgamento por incitamento à violência, ao assassínio e espionagem, mas é já de facto o líder dos "Irmãos Muçulmanos" Mohamed Badie, condenado à morte com mais 682 militantes, quem herda o manto de Sayyid Qutb, ideólogo da guerra santa contra os poderes apóstatas.

 

Badie venha ou não a conhecer o destino de Qutb, enforcado por Nasser em 1966, proclamou oposição total e pretensamente pacífica ao poder militar, mas a prazo uma organização acossada e condenada por terrorista verá muitos militantes optarem pela luta armada.

 

O movimento fundado em 1928 em Ismailia alargou a sua influência ideológica do Egipto a todo o universo sunita não-wahabita no Médio Oriente e, passando por sucessivas metamorfoses, chegou a constituir uma alternativa não-violenta ao nacionalismo e panarabismo socialistas fazendo prevalecer valores muçulmanos conservadores.

 

O fracasso de Morsi, ao promover pretensões totalitárias e actos de violência islamitas, e a subsequente repressão militar contra a Irmandade, que chegou a cativar 30% do eleitorado, excluem da participação no sistema político uma faixa significativa da população.

 

Grupos de militantes e apoiantes dos "Irmãos Muçulmanos" irão com toda a probabilidade recuperar tácticas terroristas se os militares recusarem expressão legal a grupos de interesses e associações islamitas.

 

Nas tradições islamitas egípcias a via da "jihad," a instauração do califado através do combate sem tréguas aos apóstatas, aos novos faraós, tem, além de Qutb, um exemplo maior de radicalização na luta armada em Abdel Fareg.

 

O assassino de Sadat - executado em 1982, um ano depois de abater o "novo faraó" - teorizou o "dever negligenciado" de exterminar os muçulmanos que recusem o advento da "xaria", a lei atribuída a Maomé, e, apesar de a via terrorista ter sido incapaz de derrubar o regime, Fareg teve continuadores.    

 

Os generais negocistas do Nilo aparentemente não esqueceram nada, nem aprenderam nada e se continuarem a reincidir em políticas assentes em velhas práticas repressivas, sem alternativas de inclusão política, crescimento económico e partilha mais igualitária de rendimentos, nada mais farão do que avivar desesperos e raivas que irão medrar no solo fértil do islamismo radical.                 

 

Jornalista

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