Opinião
A hora do bruto
As tiradas de Donald Trump contra o "terrorismo radical islamita" ameaçam calar fundo no eleitorado norte-americano desorientado ante a ameaça de chacinas perpetradas em nome do Islão.
Um país que acabara de celebrar o exemplo ecuménico e pacifista de Muhammad Ali (um convertido às heresias da negritude da Nação do Islão antes da serenidade de o sufismo o seduzir nos anos 70) viu-se de imediato confrontado com um morticínio em nome do Profeta, depois dos ataques em San Bernardino (Dezembro 2015) e Boston (Abril 2013).
No atentado homofóbico de Orlando é notória a confusão religiosa expressa na admiração do matador pela Al-Qaeda sunita e pelo Hizballah xiita, seguida da alegada submissão ao Estado Islâmico, o Califado Negro de Al-Baghdadi, aríete do extremismo sunita na Síria e Iraque.
Omar Mateen, nascido nos Estados Unidos, filho de um nacionalista pashtun afegão, frequentava meios homossexuais, consumia álcool e surge como um indivíduo perturbado que acaba invocando uma dúbia ideologia islamita de extermínio como escape para paranóias pessoais.
O assassino de Orlando junta-se a Rizwan Farook - natural de Chicago, filho de emigrantes do Paquistão - e à sua mulher e parceira no atentado da Califórnia, Tahsfeen Malik - paquistanesa criada na Arábia Saudita antes de emigrar -, para, à semelhança dos irmãos Tsarnaev - emigrantes de origem tchetchena e avar -, se confundir numa mescla de atentados que, desde o 11 de Setembro, apelam ao Islão como justificação.
Para Trump é, assim, fácil condenar genericamente o Islão e avançar com a proibição de entrada de emigrantes de nações com um "historial de terrorismo contra os Estados Unidos ou seus aliados".
A candidatura de Hillary Clinton, secretária de Estado entre 2009 e 2013, pouco pode aproveitar dos arrastados e ambíguos esforços de Obama no Médio Oriente e Afeganistão, sem falar do fracasso da intervenção na Líbia, dados os mitigados resultados em que só sobressai o acordo de congelamento do programa militar nuclear do Irão.
Uma mão-cheia de demagogia colhe aqui a favor de Trump que, ademais, exclui com êxito da discussão o controlo de vendas de armas, tema susceptível de prejudicar qualquer candidato presidencial.
O próprio Obama evitou o debate nas campanhas presidenciais e só após arrebatar o segundo mandato e a braços com o massacre de 20 crianças e seis adultos na escola primária de Sandy Hook, no Connecticut, em Dezembro de 2012, passou a propor em vão a revisão do regime permissivo assente na interpretação literal da Segunda Emenda da Constituição de 1791.
Terroristas sem vínculos organizacionais e logísticos a grupos terroristas, actuando por putativa inspiração ou justificação ideológico-religiosa islamista, aumentam a enxurrada de demagogia autoritária e xenófoba no ano da eleição para a Casa Branca e, por este lado, só Trump tem a ganhar.
O assassínio com transmissão via Facebook Live de um casal de polícias nos arredores de Paris, na segunda-feira, por um devoto do Califado Negro ameaça, entretanto, fazer escola ainda que as centenas de mortes provocadas nas últimas semanas por atentados dos homens de Al-Baghdadi em Bagdade e Damasco passem em claro nos Estados Unidos e na Europa.
Trump, brutal e demagógico, capitaliza.
Hillary, ponderada e limitada, racionaliza morosos e incertos combates.
Um ganha, outra perde.
Jornalista