Opinião
A desilusão de Erdogan
Sem acordo quanto à Síria, Putin e Erdogan deram por finda a sua cimeira de reconciliação, em São Petersburgo, com declarações de intenções de retoma de projectos energéticos e guardaram silêncio sobre as questões de segurança no mar Negro, a Crimeia, a Ucrânia e o conflito entre Arménia e Azerbaijão.
Putin deixou claro que a normalização de relações após a crise aberta pelo abate, em Novembro, de um caça russo na fronteira entre a Turquia e a Síria levará o seu tempo e escusou-se ao levantamento imediato de sanções económicas e comerciais.
O ministro russo do Desenvolvimento Económico, Aleksei Uliukaev, por sua vez, referiu como viável a regularização das relações num prazo de aproximadamente dois anos.
Facilidades na concessão de vistos de trabalho na Rússia e contratos na área fulcral da construção civil terão de esperar até ao final deste ano, mas a reactivação dos circuitos turísticos com destino à Turquia poderá concretizar-se mais cedo de forma a aproveitar as festividades do Ano Novo russo.
Dependente da Rússia para o fornecimento de 55% do gás natural, 40% do carvão e 15% do petróleo que consume, Ancara aceitou, omitindo referência a preços do combustível, retomar o projecto do gasoduto "Torrente Turca" através do mar Negro (anunciado em Dezembro de 2014 sem garantias de alargamento aos mercados da UE), e a construção da sua primeira central nuclear na província de Mersin, na costa sul, financiada inicialmente por Moscovo na expectativa de conclusão em 2022.
O comércio bilateral, afectado pela crise económica russa queda-se pelos 35 mil milhões de dólares, aquém do objectivo aventado em 2010 (100 mil milhões de dólares), e tendo sido a Turquia a principal prejudicada pelas sanções adoptadas pelo Kremlin, após o último encontro com Putin, na Cimeira do G20 em Antalya, uma semana antes do incidente com o Sukhoi 24-M.
A anexação da Crimeia e os direitos da minoria tártara, a presença de milícias pró-Moscovo no Leste e Sul da Ucrânia, repudiadas por Ancara, o litígio entre azeris (apoiados pelos turcos) e arménios (aliados a Moscovo) ou a revisão das regras de trânsito militar entre o Bósforo e o mar de Mármara, estabelecidas pela Convenção de Montreux de 1936, não foram evocadas por Erdogan e Putin.
Tudo ficou em aberto quanto às divergência na frente síria, mas, precisamente no dia da cimeira, Putin fez chegar para ratificação à Duma (câmara baixa do Parlamento) o texto do acordo com Bashar al-Assad de permanência por período indeterminado de forças russas na base aérea de Khmeimim, província de Lakatia, assinado em Agosto de 2015.
As milícias curdas no Norte da Síria, apoiadas por Washington e consideradas por Ancara como um braço dos separatistas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão no Sul e Leste da Turquia, apesar de ameaçarem a integridade do Estado sírio, não representam do ponto de vista de Moscovo um risco existencial para o regime de Bashar al-Assad.
Os curdos servem a Moscovo de meio de pressão sobre Ancara e Bagdade e em caso algum a Rússia apoiará investidas sunitas contra a minoria alauíta sem garantias de preservação dos seus interesses estratégicos na Síria, incluindo a base naval de Tartus, sendo irremediável a divergência estratégica com Ancara.
Desde 2013, quando consumou a ruptura com os antigos aliados islamitas de Fethullah Gülen, Erdogan tenta reforçar o poder e no confronto com a UE e os Estados Unidos a Rússia surgiu-lhe, por vezes, como um aliado potencial.
Se algumas ilusões Erdogan alimentava em relação a Putin, a ida a São Petersburgo mostrou que o Presidente turco só poderá arrancar muito limitadas concessões à Rússia.
Jornalista