Opinião
A sucata e o pântano de Renzi
Frenético, abrupto, ríspido, Matteo Renzi vai estatelar-se no referendo constitucional e lançar Itália numa crise política que por arrasto ameaça a integridade da Zona Euro.
A intenção de voto, sobretudo no Mezzogiorno, pende cada vez mais pesadamente para o "Não", deixando em aberto a convocação de eleições antecipadas ou a negociação de um executivo de compromisso até ao final da sessão parlamentar em Fevereiro de 2018.
Chegado à presidência do conselho em Fevereiro de 2014, dois meses após assumir a liderança do Partido Democrático, Renzi substituiu o correligionário Enrico Letta prometendo reformas de fundo.
Renzi conseguiu aprovar em 2015 um sistema eleitoral proporcional, em duas voltas, para 617 dos 630 mandatos da Câmara de Deputados com bónus para o partido que obtenha 40% dos sufrágios assegurando-lhe uma maioria de 340 lugares.
Muito contestada, a reforma eleitoral, negociada com Silvio Berlusconi que acabou por retirar o apoio a Renzi, abriu caminho para a proposta de revisão constitucional.
Os 351 senadores eleitos seriam, assim, reduzidos a 100 representantes de regiões e cidades, sendo consignada a Câmara Alta à apreciação consultiva da legislação.
Os poderes efectivos do Senado ficariam reduzidos a matérias de revisão constitucional, tratados da UE e eleição do Presidente da República.
Criar um Senado das Regiões, terminando com a paridade de poderes das duas Câmaras do Parlamento, estatuída pela Constituição em vigor desde 1948, é apenas uma das vertentes da reforma que visa, ainda, centralizar em Roma poderes presentemente atribuídos às 20 regiões de Itália.
Falhada a maioria de 2/3 nas duas Câmaras do Parlamento, o imperativo referendo sobre a reforma constitucional tornou-se num plebiscito sobre o Governo debilitado pela derrota nas eleições municipais de Junho, em que perdeu nomeadamente Roma para Virginia Raggi, do Movimento 5 Estrelas.
Além dos populistas de Beppe Grillo, Forza Italia e a Liga Norte de Matteo Salvini competem pela liderança da contestação a Renzi que está longe de ver as suas reformas laborais dinamizarem o mercado de trabalho, com uma taxa de desemprego na ordem dos 12%, subindo para os 37% entre os jovens.
As decepções prosperam: o crescimento no terceiro trimestre foi de 0,3% e a estagnação marcou Março, Abril e Junho, após uma alta de 0,4% no primeiro trimestre.
Itália está longe de superar a contracção de 5,5% ocorrida em 2009. À recuperação de 2010 e 2011 seguiram-se três anos negativos até chegar aos 0,6% em 2015, sendo que a terceira economia da UE na década anterior à última grande crise financeira se quedou na média de 1,3%.
Nova ronda de incerteza política em nada contribuirá para reduzir o défice orçamental que deverá cifrar-se em 2,4% este ano, enquanto a dívida pública ronda os 133% e o crédito malparado da banca ultrapassa os 200 mil milhões de euros.
No caso de França, é claro que se prepara uma forte guinada à direita com François Fillon ou Marine Le Pen, mas em Itália nova ronda de instabilidade política augura crise financeira aguda para Roma e estados depauperados como a Grécia ou Portugal.
Renzi fez-se ao poder prometendo mandar para a sucata a velha guarda imobilista e corrupta do poder que atolava Itália num pântano.
Pelo caminho que leva o político florentino o mais certo é acabar atolado no pântano arrastando tudo e todos.
Jornalista