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26 de Dezembro de 2017 às 20:14

A primeira pedra contra a Polónia

Ainda antes de chegar a Primavera a Comissão Europeia terá de lidar com um ignominioso fiasco político no processo aberto contra o governo de Varsóvia por violação dos valores do estado de direito.

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A governamentalização do sistema judiciário pelo "Partido Lei e Justiça", tal como as investidas contra liberdade de imprensa e expressão, representa um atentado efectivo contra os princípios que regem a UE, mas escolher Varsóvia para moralizar em questões políticas é opção canhestra.

 

A metade do mandato, após vitória por maioria absoluta em 2015 e em ano de eleições municipais, os conservadores liderados por Jaroslaw Kaczynski têm vindo a rentabilizar uma conjuntura económica favorável e elevadas quotas de popularidade, rondando os 40% de aprovação contra 17% da "Plataforma Cívica", principal partido liberal na oposição.

 

A adopção de subsídios de apoio à natalidade e a reversão da idade de reforma -- 60 anos para mulheres e 65 anos para homens, anulando o patamar de 67 anos para ambos os sexos introduzido pelo executivo de centro-direita de Donald Tusk em 2012 – são exemplo de medidas populares, propiciadas por um crescimento económico rondando os 4% em 2017, apesar das pechas de fraca produtividade, baixo investimento e envelhecimento populacional  

 

Kaczynski reina sem rival na frente interna e no confronto por imposição de valores fundamentalistas católicos, no repúdio por um sistema de justiça ineficaz, lento, por demais corrupto, a maioria sociológica alinha, presentemente, a seu favor.

 

As decisões de Kaczynski, como a substituição este mês de Beata Szydlo por Mateusz Morawiecki na chefia do executivo, são aceites pelo presidente Andrzej Duda que, à semelhança dos demais representantes do PLJ, subscreve o projecto de ruptura com o "Uklad", o arranjismo, compromisso para a transição democrática pactuado entre comunistas, liberais, socialistas e conservadores no final dos anos 80.   

 

Nacionalista, mas sem cultivar o arreigado anti-judaísmo polaco, contando com aliados de peso em Washington, familiar na visão e prática anti-liberal com o governo de Budapeste, convergente na recusa de migrantes e refugiados não-europeus com Bucareste, Viena ou Praga, anti-russo e reivindicando indemnizações de guerra a Berlim, Kaczynski pode arriscar um braço-de-ferro com Bruxelas.

 

Varsóvia recebeu cerca de 60 mil milhões de euros em financiamentos da UE entre 2007-2013, contou com 76 mil milhões orçamentados para 2014-2020, e, na ressaca do "Brexit" tem margem de manobra para fazer frente a pressões políticas que tentem jogar com inevitáveis cortes de fundos resultantes da ruptura com Londres. 

 

É duvidoso que até final de Março 22 estados (maioria de 4/5) votem uma advertência formal à Polónia e é segura a ausência de unanimidade para posterior imposição de sanções com a anulação do direito de voto de Varsóvia, procedimento que será vetado, desde logo, pela Hungria.

 

É insensato pensar que o processo de averiguação, negociação e sanção abra caminho na Polónia à contestação por sectores políticos e da sociedade civil do iliberalismo conservador católico tendo em conta a patente exaustão e fraqueza das oposições ao PLJ, tradição nacionalista e as divergentes memórias históricas em confronto na Europa.

 

O artigo 7 do Tratado de Lisboa, em defesa de valores fundamentais de democracia e liberdade, radica na legislação adoptada no final dos anos 90 para salvaguardar recaídas autoritárias nos estados bálticos, do centro e leste da Europa em rutpura com regimes comunistas e em processo de adesão.

 

Reinava a lógica de que Marcello Caetano pouco tinha a ver com Erich Honecker, Francisco Franco com Nicolae Ceauscescu, que a IV República francesa, pós-Vichy e em guerra na Argélia no momento em subscreveu o Tratado de Roma de 1957, ou a República Federal Alemã de Konrad Adenauer saída dos escombros do Terceiro Reich, estavam isentas de risco de maleitas ditatoriais, autoritárias ou totalitárias.    

 

Na Polónia, contudo, tudo isso pode parecer absurdo para apoiantes ou até críticos de Kaczysnki e está bem vivo o fracasso das sanções contra a Áustria, em 2000, quando o "Partido da Liberdade" de Jörg Haider formou uma coligação governamental com os conservadores do "Partido Popular", momento em que a extrema-direita chegou, pela primeira vez, ao poder na Europa democrática do pós-guerra.

 

Por demasiadas vezes a Comissão Europeia tergiversou na imposição de sanções por violação de direitos fundamentais, designadamente de minorias e em questões de igualdade.

 

Opor-se a abusos graves é de louvar, mas importa que a acção se revele eficaz quando se pretende valorizar a virtude do princípio moral democrático e tudo isso vai falhar ainda antes que se vislumbre a Primavera. 

 

Jornalista

 

 

 

 

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