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19 de Dezembro de 2017 às 19:46

A Catalunha e o regime

Depois da eleição na Catalunha a Espanha terá, fatalmente, de confrontar-se com uma crise de regime que põe em causa a Constituição pós-franquista de 1978 e deslegitima a monarquia.

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A radicalização secessionista de nacionalistas conservadores na última década reforçou o republicanismo na Catalunha e abriu caminho para a esquerda, extrema-esquerda e movimentos anarquistas assumirem a liderança ideológica da reivindicação de ruptura com Madrid.

 

O momento de viragem ocorreu em Junho de 2010 quando o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o Estatuto de Autonomia aprovado pelo "Parlament" de Barcelona no final de Setembro de 2005 com o voto contra dos deputados do Partido Popular.

 

O texto rejeitado pelo Tribunal Constitucional era, contudo, um compromisso negociado entre Artur Mas, líder da conservadora  "Convergència I Unió", pela "Generalitat", e o chefe do governo socialista de Madrid José Luis Zapatero.

 

Nessa versão, votada nas Cortes na Primavera de 2006, o "Preâmbulo" fora expurgado da referência a Espanha como "estado plurinacional" e da afirmação peremptória da Catalunha como "uma nação".

 

O texto mitigado e inconclusivo afirmava que o parlamento de Barcelona definira "de forma amplamente maioritária a Catalunha como nação. A Constituição espanhola, no seu artigo segundo, reconhece a realidade nacional da Catalunha como nacionalidade".

 

A constitucionalidade da maioria das disposições do Estatuto foi contestada pelo PP e pelo Provedor de Justiça, enquanto a Comunidade Autónoma de Murcia, La Rioja, "Generalidad Valenciana", Governos de Aragão e das Ilhas Baleares requereram a anulação pontual de artigos diversos.

 

Por 6 votos contra 4 os juízes declararam a nulidade jurídica do Preâmbulo, consideraram inconstitucionais 14 artigos e a resposta em Barcelona saldou-se por uma grande manifestação a 10 de Julho com a palavra de ordem "Somos uma nação. Nós decidimos".

 

A maioria dos nacionalistas catalães deixou a partir de então de se reconhecer no pacto constitucional de 1978, a eclosão da crise económica de 2008 agudizou o confronto com Madrid, polémicas sobre a repartição de receitas fiscais e investimentos públicos degeneraram em reptos de secessão.

 

No estado unitário de autonomias de poderes assimétricos catalães e bascos conseguiram negociar um estatuto privilegiado ao abandonarem doutrinas de soberania nacional assentes em bases racistas (caso do basco Sabino Arana no final do século XIX) ou na fantasiosa homegeneidade cultural catalã do seu extremo sul em Guardamar (Comunidade Valenciana) a Salses/Salses-le-Château (Perpiñan, França) e Ilhas Baleares, pecha do ideólogo Pratt de la Riba

 

A ideologia identitária culturalista reciclada desde a década de 60 pela "Omnium Cultural" e pelo frentismo separatista que desembocou na fundação em 2011 da "Assemblea Nacional Catalana" enleia, agora, no entanto, os conservadores do "Partit Demòcrata Europeu Català" e racha ao meio a sociedade catalã.

 

O independentismo radical prevalece, sobretudo, nos estratos de rendimentos mais elevados, maiores qualificações académicas e profissionais, de ascendência catalã por pais e avós, segundo inquéritos do "Centre d' Estudis d' Opinió da Generalitat", e condiciona a margem negocial das coligações de governo em Barcelona.

 

É difícil negociar a partir de Barcelona aceitando a actual arquitectura constitucional de "entidades territoriais administrativas" usufrutuárias de competências conferidas pelo Estado unitário por via de "leis orgânicas".

 

Rever a Constituição implica definir a entidade tutelar da soberania - "o povo espanhol (Artigo 1) - e "direitos próprios" de 16 "comunidades autónomas", da "comunidade foral" de Navarra e "cidades autónomas" de Ceuta e Melilla.

 

Retomar a negociação de estatutos definidos a partir dos anos 80 das "nacionalidades históricas" e "comunidades históricas" - Catalunha, País Basco, Galiza, Andaluzia, Aragão, Ilhas Baleares, Canárias, Comunidade Valenciana, Castela e Leão, Astúrias e Cantábrias - é, por si só, tarefa de monta a par de uma revisão da Constituição que obriga a maioria de 3/5 no Senado e no Congresso ou maioria absoluta entre os senadores e de 2/3 dos deputados.

 

A complicar o cenário Felipe VI aos olhos de muitos catalães que se identificam com valores republicanos confundidos com "la nació" espezinhada pelos Bourbón e o franquismo não tem condições para exercer moderação e mediação negocial.

 

Ora, em virtude do princípio de soberania popular, uma monarquia constitucional parlamentar e hereditária goza de legitimidade se contribuir directa ou indirectamente, por razões de tradição e/ou eficácia política, para a estabilidade funcional de um regime democrático.

 

Quando, desqualificado e escandaloso, esvanecidos seus méritos na transição-ruptura-pactada, Juan Carlos abdicou tardiamente em Junho de 2014, já a crise se avolumava insidiosa.

 

Felipe VI tem pela frente a dupla crise do estado unitário e da monarquia.

 

Jornalista

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