Opinião
A incompetência do FMI
O FMI publicou recentemente mais um relatório sobre os desenvolvimentos da economia portuguesa já com referência ao período pós-programa de ajustamento.
O que mais surpreende Portugal e os portugueses é o tom cauteloso quanto ao futuro, e mesmo de alguma exigência para não abrandar o esforço de reforma estrutural da economia, do Estado, das empresas e da Segurança Social, aproveitando as condições benignas de que a economia portuguesa beneficia conjunturalmente.
O consenso político e mediático contra o diagnóstico e recomendações incluídas neste relatório mostra quão próximas são aliás as posições dos vários líderes políticos e de opinião. Há certas matérias em que os consensos políticos são fáceis. A redução de impostos é uma, os investimentos públicos são outra e os relatórios do FMI são a aparente terceira. Já quanto à partilha das responsabilidades de governação os consensos são mais difíceis.
Lendo o relatório é difícil de perceber o consenso desta coligação negativa. O relatório diz que o país está a lidar com os desequilíbrios orçamentais e externos, e que, embora o desemprego esteja a descer, se encontra num patamar elevado. Mais diz o documento que o peso do setor dos bens não transacionáveis face aos sujeitos a concorrência externa continua a ser demasiado elevado.
A recuperação da economia é real, mas modesta, e as vulnerabilidades do endividamento público e privado criam fortes restrições a que esta recuperação seja duradoura a atinja a pujança de recuperações anteriores.
O que o FMI escreve parece-me tão pacífico e consensual que tenho dificuldade em perceber a lógica dos que criticam o documento.
Nalguns itens, o FMI vai a ponto de classificar se determinados objetivos macroeconómicos estão agora resolvidos. As conclusões são igualmente claras e justas. Os equilíbrios internos, medidos pela folga no mercado de trabalho existiam antes da crise, mas não agora. Já os desequilíbrios externos, medidos pelo défice da balança corrente, eram elevados no período antes da crise, mas estão equilibrados agora. Em termos de competitividade da oferta, endividamento privado e público tínhamos problemas antes da crise e continuamos a ter agora. Em particular o potencial de crescimento da economia portuguesa está muito baixo (1,5% na estimativa do FMI e inferior ao da Zona Euro) e serão necessárias reformas estruturais para o colocar no patamar adequado tendo em conta o nosso atual nível de desenvolvimento económico.
Será este apelo às reformas estruturais que torna o FMI tão obviamente incompetente aos olhos de tantos portugueses?
Este parece ser o principal problema. A fadiga com as reformas não atingiu apenas os portugueses comuns, mas também os líderes políticos, sociais e de opinião. É por isso que me parece útil quebrar esse consenso e deixar escrito nas páginas do Jornal de Negócios uns meses antes da formação do próximo governo que o relatório do FMI foi elaborado de forma competente, que o seu diagnóstico toca nos pontos-chave e que as recomendações, sendo de implementação difícil e exigente, são eminentemente sensatas.
Mais reconhece o relatório que a economia portuguesa beneficia de um ambiente muito favorável propiciado pela desvalorização do euro, a descida dos preços do petróleo e taxas de juro muito baixas na sequência da política acomodatícia do BCE.
Uma secção particularmente curiosa do relatório surge nas páginas 21 a 22 do mesmo em que se apresentam argumentos e contra-argumentos sobre quatro teses supostamente defendidas por aqueles que discordam do teor do relatório: i) não é necessário mais ajustamento orçamental; ii) as reformas estruturais foram substancialmente feitas e concluídas; iii) a preocupação com a dívida das empresas é inadequada; e iv) a partilha dos custos de ajustamento nos últimos anos foi distribuída de forma injusta.
Que o FMI escreva preto no branco as teses dos seus oponentes tem algum mérito. E que tente explicar a lógica interna que suporta essas críticas também não é de desvalorizar. Mostra aliás que as conclusões dos técnicos do FMI responsáveis pela elaboração do documento não resultam de ignorância sobre as perspetivas dos seus opositores.
O relatório apresenta-se assim invulgarmente balanceado. Assim, quem defende alguma das quatros teses acima enunciadas (e que surgem no espaço público português com frequência diária) pode ler os argumentos pró e contra na perspetiva do FMI e reformular ou não o seu juízo inicial.
Nos cerca de 40 anos da nossa democracia, o FMI tem sido um fator de racionalidade macroeconómica e também de financiamento de último recurso quando o crédito ou as divisas externas podiam falhar à nossa economia. A abordagem sistemática, numérica, e maçadora reduz certamente a paixão na análise. Mas aumenta a credibilidade e a confiança que podemos ter no diagnóstico e recomendações.
Os técnicos do FMI podem ter muitas limitações e até desconhecimento de muitos pormenores concretos da nossa realidade. As suas análises e conselhos podem e devem ser contestados e avaliados. Mas, em média, as suas recomendações têm sido mais próximas das principais prioridades concretas da economia portuguesa. Parece-me por isso útil valorizar as quatro teses que defendem no seu relatório.
P.S.: Caro leitor, o título desta crónica não está errado. Mas reconheço que é apenas um pequeno truque comunicacional para ver se consigo falar com as pessoas que se revêm no título.
Professor
Católica Lisbon School of Business & Economics
Universidade Católica Portuguesa
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico