Opinião
SIC condenada a 25 minutos no "banquinho da pausa" (na companhia do patrocinador)
Fingem que não sabem que os filhos são sujeitos de direitos próprios, de que pais não são autorizados a prescindir. Que sejam humilhados com sua licença só torna tudo mais grave.
Se a Supernanny aplicasse os seus métodos à SIC, a estação seria condenada a 25 minutos no "banquinho da pausa" - um minuto por cada ano de idade, como insistentemente repetiu a senhora, que assegura que só é psicóloga quando ali não está -, repetidos tantas vezes quantas no domingo passado violou os direitos das crianças. Onde lhe faria companhia a marca de produtos infantis que patrocinou o programa e que, inexplicavelmente, se colou a um "reality show" destinado a quem não gosta, nem respeita, crianças.
Sem discussão, como aprendemos no domingo, seguí-los-iam quem argumenta que, como os pais consentiram, está tudo bem. Fingem que não sabem que os filhos são sujeitos de direitos próprios, de que pais não são autorizados a prescindir. Que sejam humilhados com sua licença só torna tudo mais grave. E, por muito que chorassem, ficavam igualmente de castigo os que não percebem que o "Supernanny" não é mais um programa mau, que vê quem quer, mas um maltrato em direto de que os espetadores são cúmplices.
Felizmente, quem têm por missão defender as crianças já reagiu. Enquanto isso, multiplicam-se os que advogam que o programa se limita a dar conta da epidemia de crianças tiranas que por aí andam. Incorrem no erro de imaginar que abominar a humilhação de crianças sob os holofotes é o equivalente a defender a má-educação.
Num artigo brilhante sobre o "Supernanny" e outros similares, o famoso pedagogo Alfie Kohn coloca o dedo na ferida: "Estes programas elevam a manipulação do espetador a uma forma de arte. Logo para começar, a escolha de crianças invulgarmente insuportáveis convida-nos à autocongratulação. Pelo menos os meus filhos - e as minhas qualificações parentais - não são assim tão más! Perante estas famílias anárquicas levam-nos a desejar soluções totalitárias." Para chegar aqui, explica, "somos encorajados a acreditar que ter uma equipa de filmagem não influencia a forma como pais e filhos interagem, e a esquecer aquilo que nos diz sobre os adultos que permitiram que a sua humilhação fosse televisionada. Pedem-nos que acreditemos que as famílias podem ser totalmente modificadas no prazo de uns dias, e que as magníficas imagens finais revelam as qualificações excecionais da ama - e não os artifícios da equipa de edição do programa".
Alfie Kohn considera fundamental "desmascarar este falso remédio", um repertório sempre idêntico de regras, punições e recompensas simplistas, que não têm em conta a realidade nem daquela criança, nem daquela família. Isto porque para a ideologia populista a "obediência e a ordem", por oposição à "aprendizagem e à reflexão", são as únicas capazes de eliminar a única causa do problema: a falta de pais suficientemente vigorosos que "perderam o controlo dos filhos".
Seja em Nova Iorque ou em Loures, também se repete a cena do banquinho, seguido do arrepiante beijinho forçado e de um pedido de desculpas imposto, que pelos vistos para muitos adultos vale o mesmo do que estes gestos espontâneos, como se a razão e a moral não fossem para aqui chamadas. Cereja em cima do bolo, é publicidade enganosa porque a investigação demonstra que não é assim que os sapinhos se vão transformar em príncipes. Mas é claro que se a SIC, depois do "banquinho da pausa" cair em si, impedindo que o "Supernanny" continue a manchar a qualidade a que nos habituou, podemos todos reconsiderar a eficácia do método.
Jornalista
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