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Quem tem tempo para trabalhar fora de casa?

Gastamos 85 dias por ano em deslocações para o emprego. Decididamente é preciso ser-se rico, para nos podermos dar ao luxo de trabalhar fora de casa. É uma provocação? Evidentemente que sim, mas continue a ler...

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Não sei como é que alguém tem tempo e dinheiro para trabalhar fora de casa. Não estou a brincar. Pelo menos não muito. Uma semana a peregrinar de Sintra para Lisboa, e vice-versa, recordou-mo. No sofrimento passado nos engarrafamentos do IC19 aproveitei para observar os ocupantes dos veículos do lado com outros olhos: só podem ter dias com mais de 24 horas, e bolsos sem fundo. Apeteceu-me esfregar a lamparina dos Aladinos deste Governo, tão pródigo em benesses, e pedir teletrabalho para todos. Para estes, e para todos aqueles que enfrentam a longa e difícil jornada dos transportes públicos.

 

Segundo os dados do Observatório Europeu de Mobilidade, os portugueses passam, em média, 8 horas e 11 minutos em deslocações durante os dias úteis, ou seja, ao fim de um ano, feitas as contas, são 2 mil e 46 horas, o que equivale a 85 dias, 23% de um ano, e a quase três meses de férias, socorro! E o número cresce para quem mora na periferia de Lisboa ou do Porto e certamente duplica próximo de eleições autárquicas, em que em cada esquina há uma obra.

 

Falta ainda falar no tempo gasto no estacionamento, e no que se paga por ele, fora as multas, até porque os portugueses ocupam o primeiro lugar no pódio dos que levam o carro para o trabalho (77% por comparação aos 61% da média europeia, exceto em Lisboa, onde desce para 60%).

 

Mas há mais. É preciso contabilizar o desperdício de tempo e energia em reuniões que começam sempre tarde e onde ninguém tem pressa (assim como assim, há que adiar o pesadelo do regresso), a desconcentração provocada pela conversa do colega, mil vezes mais divertida do que o que temos para acabar, as interrupções constantes de um chefe carente de atenção, para não falar nos intervalos para café. E depois, quando finalmente conseguimos picar o ponto e meter-nos a caminho, há sempre dois carros que bateram e se recusam a sair da via, e a  culpa omnipresente que nos consome naquele limbo: do ponto de vista do patrão saímos (sempre) demasiado cedo, mas para os nossos filhos chegaremos (sempre) demasiado tarde.

 

Se não acredita em nada disto, proponho-lhe que leve a cabo um estudo em que desempenha simultaneamente o papel de investigador e cobaia. No primeiro cenário é um ratinho que trabalha em casa, e a missão é tomar nota de como usou o tempo, ao minuto, desde que abriu a "loja" até que a fechou - a quantos mails respondeu, quanto tempo passou ao telemóvel, a estudar um projeto, a fazer uma proposta e por ai adiante. Registe, também, todas as outras coisas que vai fazendo, incluindo visitas ao frigorífico ou regar as sardinheiras da varanda.

 

No segundo cenário é um ratinho da cidade, que sai de casa à hora de ponta num concelho limítrofe de Lisboa ou do Porto, e se dirige a um escritório algures no centro. O procedimento básico é o mesmo da primeira experiência: tome nota de tudo, e é mesmo tudo.

 

Agora calce os sapatos do investigador e introduza todos os dados numa qualquer folha Excel. Espantado? Então é altura de apresentar as conclusões à administração lá da empresa. Por mail, claro!

 

Jornalista

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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