Opinião
O mundo das borboletas extintas
Não vivemos sem profetas. Eles andam aí, apenas mudaram de pele. Saem os barbudos com ares lunáticos como Nostradamus e entram as séries de ficção distópica. A intenção é a mesma: estabelecer uma narrativa consequente sobre o que vai nos acontecer no futuro.
A melhor série do ano é mais um exemplo disso. "Years and Years", uma fenomenal produção da BBC disponível na plataforma HBO, chama a si a responsabilidade de dizer para onde vamos se continuarmos a fazer o que fazemos.
A resposta é, claro, amarga: vamos para o inferno que andamos a construir. Sejamos por uma vez sinceros, um mundo liderado por Trump, Bolsonaro, Salvini, Boris Johnson, Erdogan e tantos outros não pode esperar grande coisa do porvir.
E esta é uma das belezas de "Years and Years", mostrar que no nosso atual ciclo de vida (que será mais longo, devido aos remédios e à tecnologia) não veremos nada assim de tão diferente, tão disruptivo.
A série de seis episódios arranca numa noite em 2019 e acelera o calendário capítulo a capítulo. Acompanhamos por quinze anos o dia-a-dia de uma família inglesa, os Lyons, tendo como pano de fundo o noticiário dessa década e meia.
Rimos com os Lyons, choramos com os Lyons, ficamos tão atarantados quanto eles a cada novidade, a cada nova moda, a cada disparate cometido pelos eleitores. O mais chocante é que tudo soa credível, por mais bisonho que seja.
Há de tudo um pouco no panorama traçado. Há um Reino Unido pós-Brexit. Há uma deputada desbocada e, aparentemente, inconsequente, que diz querer destruir o sistema por dentro. Há jovens que se consideram trans não mais por questões de identidade de género, mas por não se reverem em corpos humanos e sonharem por transformarem-se em dados dentro da rede. Há profissões que deixam de existir, como os chefes de cozinha, sendo substituídas por avanços tecnológicos. Há países governados por extremistas. Há um populismo avassalador. Há a extinção das borboletas.
Enquanto profecia, "Years and Years" apresenta-se mais credível do que "Black Mirror", óbvia inspiração. Os guionistas da série, convertidos em oráculos, arriscam muito pouco, apenas descrevem as paisagens dos lugares por onde o rio da história parece nos levar.
Como já disse, trata-se da série do ano, um objeto de visionamento obrigatório para quem se julga inteligente. É cínica, admito. Mas é um cinismo com coração, se é que isso existe. Ao fim, até somos servidos com uma dose razoável de otimismo. A mensagem é a de que, por mais erros que cometamos, haverá sempre uma réstia de esperança. Nem que seja ilusória, nem que seja uma mentira, senão não seriámos humanos.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Quem vive de utopias cai da cama ao despertar".
Publicitário e Storyteller