Opinião
Guia para um final feliz
Soube ser um ator secundário no teatro de Obama, um fiel escudeiro que se tornou motivo de uma inveja planetária: afinal, Biden parece ser o melhor amigo daquele tipo fantástico e carismático com quem todos gostaríamos de tomar umas cervejas.
É sempre possível ver um fundo prateado mesmo na nuvem mais negra. Foi com uma frase parecida a esta que o poeta do século XVII John Milton imprimiu para sempre na língua inglesa a expressão “silver lining”.
“Every cloud has a silver lining”, que podemos traduzir por “há males que vêm para bem”. Será?
Prateados de tão brancos são os ralos fios de cabelo que resistem ao cimo da cabeça de Joe Biden. Tão resistentes quanto o dono deles.
Biden é gago.
Esta simples afirmação deveria ter tido a força necessária para que ele desistisse de qualquer intenção de se tornar político. Não teve.
E quis o destino, esse irónico menino, que o rei dos boquirrotos, Donald Trump, tenha tido como algoz justo (fui buscar ao dicionário sinónimos para deficiência de fala de Biden) um balbo (ou tartamudo, tardíloquo, tartamelo, tatibitate ou ainda, o mais curioso, um quiquiqui).
Que Trump seja um bully ninguém duvida. E um bully grande, espaçoso, que tem 1,90 m de altura e um ego que se vê do espaço. Ter sido colocado ao canto por um idoso gago e uma mestiça mais parece um final de filme de Hollywood, daqueles que quando vemos dizemos “ah, ok, até parece...”
Pois não parece, é.
Biden ressoa aos americanos como um Tom Hanks que trabalha em Washington. Um homem comum, que passou por provações pessoais terrenas (as mortes da esposa e filho num acidente de automóvel; a morte de um filho jovem por cancro) e mesmo assim sempre se recompôs e voltou ao trabalho.
Soube ser um ator secundário no teatro de Obama, um fiel escudeiro que se tornou motivo de uma inveja planetária: afinal, Biden parece ser o melhor amigo daquele tipo fantástico e carismático com quem todos gostaríamos de tomar umas cervejas. Se Obama confia nele, porque não iríamos nós confiar.
Um comentário recorrente que li e ouvi por aí foi que a principal qualidade do discurso de Biden, ao reivindicar a sua vitória, era o de que não passava de um conjunto de platitudes. Num mundo que passou quatro anos governado por um incontinente verbal, demagogo e mentiroso, ver um ser humano a dizer lugares-comuns era tudo o que queríamos e precisávamos.
Bem, a nossa vida não ficou automaticamente melhor, nem os créditos começaram a subir. A nossa vida até depende de quem preside os EUA, mas não passa disso mesmo: é a nossa vida.
Temos nós de continuar a procurar os fundos prateados nas nuvens que insistem em tapar o Sol que deveria nos proteger.
Ou como diria o meu Tio Olavo: “É importante acreditarmos em finais felizes. Ao menos, tanto quanto acreditar em coisas que sejam de verdade.”