Opinião
Quotas de trabalho para pessoas com deficiência: uma boa solução?
A inclusão é certamente melhor protegida e promovida pela abertura de oportunidades de acesso a espaços de realização profissional que pelo recurso a modelos alternativos, que mais não são, por vezes, que formas não assumidas de compensar a exclusão - mantendo-a.
Entrou recentemente em vigor (no início de fevereiro) a Lei n.º 4/2019 de 10 de janeiro, que veio estabelecer um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%.
Concretamente, as empresas com 75 ou mais trabalhadores ficam sujeitas a uma quota de 1% do pessoal ao seu serviço; e as empresas que contem com 250 ou mais trabalhadores, a uma quota mínima de 2%.
A primeira nota a deixar é a de que esta legislação abrange o setor privado e o setor público, pelo que recai sobre este último a obrigação de ter, nesta matéria (como deve suceder em qualquer aspeto da lei do trabalho), uma conduta absolutamente exemplar. Só mostrando capacidade de autorregulação se pode exigir que terceiros cumpram.
A segunda nota vai no sentido de reconhecer que se trata de (mais) um importante esforço que é imposto às empresas com 75 ou mais trabalhadores, aspeto especialmente relevante quanto às empresas privadas - nas quais assenta, importa não esquecer - a nossa fundamental fonte de criação de riqueza e emprego (realidades que, claro está, andam "de mão dada"). Um esforço atenuado pela previsão de um período de transição. Mas, ainda assim, claramente um esforço adicional.
Num momento em que se aguarda, a todo instante, uma reforma da legislação laboral muito exigente para as empresas (mais constrangimentos à contratação a termo, anúncio do fim do banco de horas individual, etc.), interessa ir dedicando alguma atenção ao "contexto" global ou somado que daqui pode nascer, designadamente pelo potencial impacto em domínios como os da flexibilidade, rentabilidade e produtividade.
Em terceiro lugar, o sistema de quotas como método de discriminação positiva é, naturalmente, sempre passível de discussão, por representar uma inevitável entorse à liberdade de iniciativa, de seleção e contratação de trabalhadores.
Deixadas estas notas, importa reconhecer que, em si mesma considerada, se trata de uma alteração legislativa que transporta, também, sinais positivos.
Desde logo, porque as preocupações com a inclusão (no caso, de natureza laboral) abrangeram, neste particular, uma causa pouco mediática e pouco "popular", mas que nem por isso deixa de ser muito importante.
Além disso, numa sociedade em rápido e profundo processo de envelhecimento (tendo em conta a abrangência cada vez maior da noção de deficiência, na qual a jurisprudência começou já a admitir a inclusão de doenças crónicas ou prolongadas), importa enfrentar a realidade do inverno demográfico em todas as suas dimensões, em vez de simplesmente "assobiar para o lado".
Por fim, numa época de endeusamento da juventude e de defesa de um determinado modelo de perfeição, que ameaçam afunilar ainda mais a noção de população de ativa e de fazer crescer a de vida "conveniente", um olhar dedicado à dignidade de toda a pessoa humana, abstraindo-se das dificuldades das suas concretas circunstâncias é um passo civilizacionalmente interessante.
É que a inclusão é certamente melhor protegida e promovida pela abertura de oportunidades de acesso a espaços de realização profissional que pelo recurso a modelos alternativos (por exemplo, passando pela mera atribuição de subsídios), que mais não são, por vezes, que formas não assumidas de compensar a exclusão - mantendo-a.
Advogado - Sócio da Garrigues