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Rui Barros, 46 anos, licenciado em engenharia mecânica pelo Instituto Superior Técnico, é managing director na Accenture Portugal, responsável pela área de Technology. Refere que um dos aspetos detetados no Accenture – Technology Vision 2020, que será apresentado amanhã num evento digital, foi o tech-lash, "um desequilíbrio entre os modelos de negócio e a tecnologia que se tornava inconsistente com as necessidades e valores das pessoas", foi "exacerbado com a covid-19".
A crise sanitária provocada pela pandemia da covid-19 que se traduziu no confinamento de milhões de pessoas levou à utilização do teletrabalho num dimensão sem precedentes, do comércio eletrónico, etc. O que é que este fenómeno deixou intocável, reforçou e o que alterou na visão do estudo "Technology Vision 2020"?
A covid-19 é o maior desafio que o mundo enfrentou nas últimas décadas. Transformou a vida das pessoas a uma escala sem precedentes e impactou todos os setores, aumentando as ambições, em termos de inovação das empresas. O lockdown a que todos assistimos criou um desafio de reinvenção e inovação histórico a um ritmo urgente.
Ainda antes da pandemia, o relatório anual da Accenture, "Technology Vision 2020" apontava a existência de uma "tech-lash", por outras palavras, um desequilíbrio entre os modelos de negócio e a tecnologia que se tornava inconsistente com as necessidades e valores das pessoas. Esta foi uma realidade preocupante que foi exacerbada com a covid-19.
Esta pandemia reforçou algumas das ideias-chave apresentadas pelo Technology Vision 2020, nomeadamente, a aposta em soluções tecnológicas e a importância da satisfação individual nas experiências digitais cada vez mais personalizadas. A título de exemplo, em abril, a Visa registou um aumento de 18% nos gastos em compras online nos Estados Unidos e 13 milhões de pessoas com cartão Visa, na América Latina, fizeram transações de comércio eletrónico pela primeira vez no primeiro trimestre do ano.
O Estado de Emergência forçou as organizações a acelerar ao máximo o processo de transição digital. Quais foram os principais impactos na digitalização da economia e das empresas?
Neste momento, toda a extensão do impacto da covid-19 na vida das pessoas, na economia global e nas empresas ainda não é conhecida. Contudo, sabemos que a pandemia se tornou num catalisador para a mudança. Tal como denotamos pelos clientes da Accenture, esta necessidade de responder às mutações da economia, fez com que os processos de transição digital, que, de forma intensiva e global, normalmente se poderiam projetar entre cinco a dez anos, ocorressem no prazo de semanas.
A necessidade de resiliência dos sistemas continua a ser um dos pontos-chave para enfrentar esta crise, sobretudo se pensarmos na necessidade de rápida criação e adequação de soluções, para corresponder às novas realidades das pessoas. É necessário ultrapassar obstáculos e monitorizar, de perto, a evolução deste novo contexto, assegurando a continuidade do negócio e a cibersegurança das operações, tendo a inovação como a principal arma contra a covid-19, potenciando soluções na cloud escaláveis e flexíveis.
Inicialmente, a maioria das plataformas e experiências digitais foi concebida como um complemento de uma experiência física, não tendo como intenção a sua substituição. Porém, no mundo atual em que vivemos, as experiências digitais estão a tornar-se na principal fonte de interação de muitas pessoas, pelo que se verifica um acréscimo não só da sua procura, como da sua utilização frequente, consequentemente criando comunidades digitais cada vez maiores com necessidades distintas das do passado.
Quais poderão ser os impactos de tecnologias como a inteligência artificial, blockchain, robotização, telemetria e realidade aumentada no contexto da covid-19?
Segundo a análise da Accenture, uma das maiores revoluções desta pandemia passa pela ascensão dos robôs e a sua valorização em áreas diversas da economia e da sociedade, fora do setor industrial, 100 anos depois da sua criação. A título de exemplo, uma empresa chinesa de agricultura redirecionou drones XPlanet e robots R80 para pulverizar desinfetante em áreas afetadas pelo vírus. Na Tailândia, estudantes de engenharia da Universidade Chulalongkorn reconfiguraram robots, originalmente concebidos para monitorizar pacientes com AVC, para medir a febre dos pacientes e ajudar os médicos a comunicar de forma remota.
A Organização Mundial de Saúde, Oracle, Microsoft e IBM estão a recorrer a soluções de blockchain para operacionalizar o MiPasa da HACERA, um hub de dados que visa identificar os focos e canais de transmissão do vírus.
Por outro lado, os dispositivos inteligentes de telemetria também estão a ter um papel relevante na monitorização da saúde dos pacientes, recolhendo dados importantes à análise de sintomas e desenvolvimento da infeção.
A aposta em soluções de Inteligência Artificial (IA) tem também demonstrado uma extrema importância para as empresas e para a sociedade neste contexto. Antes da pandemia, a IA já era prioridade em muitas indústrias, mas ganhou outra relevância deixando de ser vista apenas como solução de automação, mas também como resposta a novas necessidades.
Desde a criação de chatbots que ajudam os profissionais de saúde a rastrear e triar pacientes, ou a ajuda que se manifesta na rápida reconfiguração de cadeias de abastecimento, impactadas pela Covid-19, são vários os cenários que espelham a mais-valia de IA. A título de exemplo, uma empresa de biotecnologia em Hong Kong reformulou os sistemas de IA para o desenvolvimento de um medicamento para a covid-19, usando técnicas de machine learning para acelerar esta descoberta.
"Empresas não devem ultrapassar o razoável nos dados pessoais"
Esta é uma das cinco tendências detetadas pelo Technology Vision 2020 da Accenture que acentua a necessidade de as empresas se tornarem mais flexíveis, inovadoras e com novas capacidades tecnológicas baseadas na cloud.
Para Rui Barros, "a confiança que se cria entre as empresas e as pessoas é um elemento-chave para o seu sucesso e consequente desenvolvimento da economia". Mas acrescenta que "todas as empresas devem ter em consideração os limites de utilização de dados para não ultrapassarem o razoável aquando da exposição dos utilizadores a novas funcionalidades dos dispositivos".
Há 20 anos havia uma separação entre vida digital e real. Hoje a tecnologia tornou-se uma parte inextricável da experiência humana, mas isto também tem levado a uma maior desconfiança e escrutínio do modelo tecnológico tanto dos clientes como das instituições. Quais vão ser as formas de uma nova aliança entre a tecnologia e as pessoas?
Antes de a covid-19 entrar na realidade das empresas, a tecnologia já era um elemento indissociável do dia-a-dia de todos. Contudo, acresciam-se desconfianças e aumentava-se a proteção dos dados partilhados, diminuindo o receio da sua utilização futura.
Após o início da pandemia, a tecnologia veio reforçar a resposta à sociedade, manifestando-se pela criação de novas plataformas e mecanismos de despistagem, informação, entretenimento e bem-estar que renovaram a aliança entre a tecnologia e as pessoas. Sabemos que, no curto prazo, estes dispositivos inteligentes são considerados ferramentas úteis na luta contra esta pandemia, e embora o sentimento de desconfiança sobre os dados pessoais não se tenha dissipado, a necessidade de utilização e informação sobrepõe-se temporariamente.
No entanto, à medida que o tempo passa, a Accenture alerta que a disposição das pessoas para partilhar dados pessoais diminui, o que faz com que as empresas tenham de introduzir os seus recursos e dispositivos sem ultrapassar o limite do razoável. Um caso concreto é o exemplo da Google e da Apple, empresas que incorporaram alterações nas suas políticas de privacidade para que fosse permitido, a entidades governamentais, rastrearem os contactos com os pacientes infetados, salvaguardando a privacidade dos mesmos.
Numa conferência Paul Daugherty, chief technology and innovation officer da Accenture, dizia que "precisamos de mudar a nossa mentalidade de "just because" para "trust because" - reexaminar nossos modelos fundamentais de negócios e tecnologia e criar uma nova base para concorrência e crescimento". Quais são os principais vetores deste reexame?
Acreditamos que a confiança que se cria entre as empresas e as pessoas é um elemento-chave para o seu sucesso e consequente desenvolvimento da economia.
O grande desafio passa claramente pela correspondência às novas e rápidas necessidades da sociedade, aumentando os níveis de confiança de clientes e colaboradores perante as empresas.
Se os resultados relatados pelo Technology Vision 2020 já evidenciavam algumas tendências relevantes para a adaptação das empresas a uma realidade digital, acreditamos que a covid-19 veio trazer um ponto de viragem notório e há seguramente alguns vetores ou tendências essenciais para o reexame dos modelos de negócios.
"The I in Experience": as empresas devem estar atentas à nova realidade dos seus consumidores e perceber quais as lacunas existentes e de que forma as suas experiências digitais podem tornar-se ainda mais relevantes num "novo mundo". Pensar na hiperpersonalização destas experiências é um fator essencial para melhorar a relação e simbiose entre tecnologia e pessoas.
Aposta na Inteligência Artificial (IA): esta deve ser um elemento contributivo e adicional à maneira como as pessoas executam o seu trabalho, ao invés de um ponto de apoio para a automação. Neste novo normal, a IA é um elemento essencial para colmatar alguns dos impactos gerados pela pandemia, mantendo um ritmo de operações viável para a sustentabilidade das empresas.
O dilema dos dispositivos inteligentes: a frustração dos clientes face à propriedade e controlo de dispositivos e funcionalidades, por parte das empresas, é agora atenuada, tendo em vista a obtenção de informações relativas à pandemia. Contudo, no longo prazo, esta disposição de partilha irá ser cada vez menor. Independentemente da intenção, todas as empresas devem ter em consideração os limites de utilização de dados para não ultrapassarem o razoável aquando da exposição dos utilizadores a novas funcionalidades dos dispositivos.
A relevância da robótica: já não se cinge somente ao armazém ou à fábrica, sendo cada vez mais pertinente em contextos como a pandemia, estando presente em soluções que privilegiem a distância e a segurança.
Innovation DNA: a covid-19 acelerou a emergência de tecnologias DARQ (distributed ledgers; inteligência artificial, experiências de realidade aumentada e computação quântica) no seio das empresas, como forma de adaptação dos seus produtos e serviços às novas necessidades dos seus consumidores e colaboradores.
A disrupção e a resiliência
O evento digital "Systems Resilience: Desafios e Oportunidades Numa Época de Disrupção Sem Precedentes" tem início as 10 horas de amanhã, 30 de junho, e será transmitido por streaming na homepage do Jornal de Negócios. Conta com o keynote speaker Michael Biltz, managing director da Accenture Technology Vision, que faz a apresentação do relatório "Technology Vision 2020". Segue-se um debate com a presença de João Nascimento, CTO da Vodafone, José Ferrari Careto, Digital & IT Officer da EDP, Marco Costa, General Manager da Talkdesk, Rui Barros, managing director da Accenture Portugal e Anabela Figueiredo, Chief Strategy Officer do Novo Banco (a confirmar).