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Ousar fazer diferente e não ter medo de errar potencia a inovação

Entre as soluções para um melhor futuro da inovação em Portugal estão a aposta na educação, a despenalização do erro, a ousadia em fazer diferente e a capacidade individual de inovar.

23 de Fevereiro de 2023 às 16:00
O painel de debate sobre os desafios da Inovação em Portugal, contou com a moderação da jornalista Susana Marvão e a participação de Afonso Eça, Ana Casaca, Joana Mendonça e Sérgio Silvestre. Tony Dias/Movephoto
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Portugal tem vindo a crescer no investimento em investigação e desenvolvimento, hoje centrado em 1,6% do Produto Interno Bruto. Um valor muito positivo se pensarmos que, em 1982, esse mesmo investimento era de 0,3%. Ainda assim, não é suficiente. Não chega para concorrer numa Europa cuja média de investimento em I&D está nos 2,3% do PIB.




A transformação do conhecimento em valor económico depende muito da capacidade de absorção e compreensão do próprio mundo empresarial. Por vezes, este é um desafio acrescido no contexto nacional. Joana Mendonça
Presidente da Agência Nacional de Inovação
Quais os grandes desafios que o país enfrenta? Quais os grandes entraves? Joana Mendonça, presidente da Agência Nacional de Inovação (ANI) enumera vários, desde logo, a transformação do conhecimento em valor económico. "Esta transformação é muito complexa em todos os contextos e países, é algo que se discute no mundo inteiro, com os Estados Unidos a serem a exceção que sempre confirma a regra". Até porque "a transformação do conhecimento em valor económico depende muito da capacidade de absorção e compreensão do próprio mundo empresarial. Por vezes, este é um desafio acrescido no contexto nacional", referiu a presidente da ANI no debate sobre "Os desafios da Inovação em Portugal" que integrou a conferência de apresentação do Prémio Nacional de Inovação.

Neste debate, Joana Mendonça salientou que apesar da evolução dos últimos anos, o país pode fazer melhor. Reforçou a criticidade dos recursos humanos e a questão regulatória, seja na área da banca, na mobilidade ou na transformação digital. E depois abordou o tema da educação. "Os nossos modelos educativos estão datados", disse a professora associada de Gestão e Inovação do Instituto Superior Técnico que critica, desde logo, a penalização do erro e a parca capacidade de ousar fazer diferente, limitando a aprendizagem dos mais novos.

A inovação começa em nós

"Portugal está bloqueado", adjetiva Sérgio Silvestre, diretor-geral da Claranet Labs. "Não gosto do termo estagnado", disse o gestor a uma plateia de mais de uma centena de pessoas. Está bloqueado no discurso público, no sentido que muitas das conversas iniciam sempre com o mesmo guião, com o que o Estado deve e precisa fazer. "Esquecemo-nos do que cada um de nós precisa fazer, a nível individual, da família, na empresa e, também, obviamente no Estado".

Temos muito orgulho no nosso sentido de desenrascanço, mas a inovação não se faz a desenrascar, não se faz em departamentos, tem de ser sistémica e disseminada nas organizações. Sérgio Silvestre
Diretor-geral da ClaranetLabs
"Temos muito orgulho no nosso sentido de desenrascanço, mas a inovação não se faz a desenrascar, não se faz em departamentos, tem de ser sistémica e disseminada nas organizações". Sérgio Silvestre abordou questões culturais, como a conformidade, o estilo negocial (para eu ganhar, alguém tem de perder) e a falta de capacidade em chegar um consenso. "Se repararmos, são questões que nada têm a ver com o Estado ou até com empresas, tem a ver com cada um de nós. E tem tudo a ver com inovação, porque se não desbloqueamos isto a nível individual...".

O desafio do setor energético

O setor energético enfrenta um gigante desafio: a transição do atual sistema baseado em combustíveis fósseis num modelo construído a partir de energias renováveis e outras formas de redução de emissões. Em termos de inovação, esta transição energética não só implica um investimento, até 2050, de 125 triliões de dólares, segundo a Agência Internacional de Energia, como o desenvolvimento acelerado de novas soluções. Isto porque, segundo a mesma agência, 50% das soluções que vão permitir a descarbonização dos produtos e serviços simplesmente não existem ou estão numa fase embrionária.

O ‘modus operandi’ da empresa centrou-se na abertura à comunidade - startups, academia e empresas tecnológicas - trabalhando de uma forma colaborativa que culmina no teste de novas soluções e na sua mais rápida introdução no mercado. Ana Casaca
Diretora de Inovação da Galp
Ana Casaca, diretora de Inovação da Galp, explica que "o ‘modus operandi’ da empresa centrou-se na abertura à comunidade - startups, academia e empresas tecnológicas - trabalhando de uma forma colaborativa que culmina no teste de novas soluções e na sua mais rápida introdução no mercado". O caso da Sensei Tech (ver página 5) foi disso exemplo, um projeto edificado em apenas quatro meses.

Outro exemplo dado pela diretora de Inovação da Galp foi a colaboração com a alemã Swobi, com a qual testaram um novo modelo de negócio na área da micromobilidade. Ao invés de um operador logístico ter de recolher as bicicletas para proceder à troca de baterias, com esta parceria as baterias ‘deslocam-se’ até pontos estratégicos das cidades, permitindo a sua fácil substituição. "Nesse caso, é uma parceria entre a Galp, a Swobi e o operador logístico. Estamos precisamente a testar o modelo de negócio e o que podemos criar em termos de valor acrescentado para o cliente, de resto o objetivo da Galp".

A empresa está a trabalhar na fileira dos novos combustíveis sustentáveis, nomeadamente com a produção de hidrogénio verde, cuja primeira aplicação será industrial. "Somos o maior utilizador de hidrogénio cinzento, o que vamos fazer é trocá-lo por hidrogénio verde, permitindo assim descarbonizar a nossa própria refinaria, tornando-a mais competitiva e preparada para os novos combustíveis do futuro". A ambição, diz Ana Casaca, é tornarem-se num polo de referência na produção de hidrogénio verde.

A inovação não é um fim, é um meio para chegarmos a algo pelo que a monetização terá de acontecer em alguma parte do caminho. Afonso Eça
Diretor executivo do CEINN do BPI
A fileira do lítio é outra das apostas, materializada na joint venture com a Northvolt, que culminará numa unidade de reconversão de lítio em Portugal, em Setúbal, que, no final da cadeia de valor, irá permitir apoiar 700 baterias em futuros carros elétricos, produzidas a partir de lítio aqui refinado. O objetivo é trazer para a Europa a reconversão do lítio, que neste momento ocorre fundamentalmente na Ásia. "Ambicionamos fazer parte deste longo caminho que é a transformação energética".

A banca e o paradigma da concorrência

Nos últimos anos, a tão afamada transição digital tem preconizado uma mudança de paradigma no segmento da banca, sobretudo na Europa, com as profundas alterações legislativas a abrirem a inúmeros stakeholders o espaço que antes estava reservado apenas a instituições bancárias. "O maior desafio da banca é a concorrência ser muito maior", disse Afonso Eça, diretor executivo do Centro de Excelência para a Inovação e Novos Negócios (CEINN) do BPI. No entanto, o gestor prefere ver este novo repto como uma oportunidade já que, à medida que a banca se torna mais aberta, vai-se reinventando para motivar os clientes e assim oferecer um melhor serviço. "Há espaço para inovar na forma como contactamos com os nossos clientes, assim como nos produtos e serviços que oferecemos". Monetizar a inovação não é propriamente fácil, admite Afonso Eça, apesar de defender que sempre que algo novo é criado há que ter em mente se vai trazer valor para os clientes e utilizadores. "A inovação não é um fim, é um meio para chegarmos a algo pelo que a monetização terá de acontecer em alguma parte do caminho".

O futuro da inovação

Inovar custa dinheiro, para além de demorar tempo. Por isso, paciência é o grande desafio que o futuro da inovação enfrenta, assegura Afonso Eça. "Mesmo colocando o tema na agenda, mesmo havendo vontade de inovar, as coisas não vão mudar imediatamente, é uma construção". Do lado das empresas, este fator é ainda mais importante, no sentido de colocarem a inovação no centro das suas atividades, criando divisões e equipas para pensarem estes temas. "Muitas vezes, mudam os contextos económicos, as circunstâncias e a paciência, por muito que queiramos, pode não ser suficiente". O executivo focou ainda a questão do talento necessário para fazer a mudança, até porque vivemos num mundo mais competitivo, reforçado pela possibilidade do trabalho remoto e híbrido.

Numa visão mais otimista, Ana Casaca, mostra-se satisfeita pelo facto de a inovação ser chamada para a "mesa dos crescidos", estando agora no cerne da estratégia das empresas. A investigadora atribui uma dupla responsabilidade à inovação. Primeiro, desafiar a estratégia para alcançar novas oportunidades. Depois, ter a agilidade de pegar em grandes desafios e transformá-los em projetos reais, que aportem valor.

A principal mensagem que passou no evento e que foi um tema consensual a todos os oradores da conferência foi a necessidade de investir mais e melhor em inovação, disseminando os seus efeitos na educação, na sociedade, nos negócios e no Estado. Uma missão que só é possível alcançar se o país se mobilizar para este desafio.