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O regresso do médico-cientista

A investigação clínica é uma aposta estratégica do sistema de saúde porque é a que pode produzir resultados e conhecimentos, aumentar a eficiência e a boa gestão dos recursos, garantir a sustentabilidade e o acesso a terapêuticas inovadoras.

16 de Junho de 2015 às 11:00
Paulo Alexandrino
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"Portugal apresenta ainda uma produção aquém do desejável na área da investigação médica orientada para a clínica, a qual não tem acompanhado o ritmo de crescimento de áreas científicas afins, nomeadamente no que respeita à utilização e aplicação dos conhecimentos por estas produzidos" escrevia-se recentemente num resolução conjunto dos ministérios da Saúde e da Ciência.

"A investigação clínica é não só reconhecida pelo Governo como pelas unidades de saúde como uma mais valia para um melhor tratamento dos doentes, maior eficiência e atracção de terapias inovadoras" refere Emília Monteiro, professora Nova Medical School, que acrescenta que "a investigação clínica tornou-se primordial porque como estamos na Europa". Acrescenta que "há benchmarking e há a necessidade de fazer a acreditação de unidades de saúde, o que em muitos casos só é possível se tiverem centros de investigação. Por outro lado temos a percepção de que recursos são finitos e as unidades perceberam que quando mais espirito crítico os médicos têm melhor gerem os recursos. Há mais eficiência e não aceitam tudo".


A investigação clínica, ou do médico-cientista como se dizia no início do século XX, é uma necessidade. Um relatório recente sobre a Saúde promovido pela Fundação Gulbenkian referia que "deve destacar-se que a investigação biomédica teve progressos notáveis em Portugal na última década, devido a uma intervenção intensiva na educação científica, nomeadamente através de doutoramentos internacionais e da criação dos chamados "Laboratórios Associados" do Ministério da Ciência. No entanto, a articulação entre a investigação básica e a investigação aplicada e a promoção de uma "medicina de translação" mais eficaz ainda não se concretizaram de forma satisfatória".

Por sua vez Victor Virgínia (na foto), director-geral da MSD Portugal, é mais optimista e sente que "este é um bom momento para a investigação em Portugal que ainda tem um enorme potencial para crescer. É uma oportunidade que não podemos perder se quisermos ser mais visíveis para a Europa e para o resto do mundo. O nosso país tem já excelentes centros de investigação e investigadores notáveis nas ciências básicas, no desenvolvimento clínico e na investigação translacional".

 

Mais médicos

De facto o contexto parece favorável para o desenvolvimento da investigação clínica porque como refere Emília Monteiro. As principais razões para este impulso radicam no facto de haver uma produção maior de médicos e portanto as carreiras médicas serão mais com uns a dedicarem-se mais à investigação, outras mais à componente tecnológica e outros à prática clínica. Por outro lado, para ter mais financiamentos os investigadores da ciência fundamental têm de fazer projectos de ciência mais aplicada, mais transaccional, por isso têm de ligar-se aos médicos para tentar responder a perguntas concretas e a necessidades concretas de investigação. Depois, a investigação clínica é rentável e atrai dinheiro através dos ensaios clínicos de iniciativa das farmacêuticas.


Mas Emília Monteiro alerta para o facto esta investigação necessitar de se mover num ambiente e contexto internacional "porque precisa de amostras de grande dimensão e cada vez mais estratificadas. Os ensaios clínicos são quase todos internacionais e multicêntricos". Depois a complexidade da investigação é grande e a inovação nasce no cruzamento de saberes por isso as ligações internacionais são fundamentais. Acrescenta ainda que "não há investigação clínica sem médicos bem formados, sem equipas de investigação com pessoas a full-time e sem terem estruturas administrativas que tratem dos procedimentos todos (Comissões de Ética, Infarmed, CNPC, etc.), das harmonizações legais com países europeus e os Estados Unidos, que preparam todo o trabalho para o médico".


A investigação clínica, ao contrário da fundamental, tem uma grande complexidade burocrática com uma grande carga de ‘paper work’. Acontece por razões éticas pois tem de assegurar os direitos e a protecção das pessoas. Além disso, como é um tipo de investigação que pode gerar patentes e produtos comerciais, como medicamentos ou dispositivos médicos, está sujeita a grande regulação para protecção dos interesses científicos e dos comerciais, o que tem implicações burocráticas e administrativas. Finalmente tem de garantir a qualidade dos dados que na investigação clínica são amostras na ordem dos milhares, recolhidas em vários países e continentes. Isto implica que haja software e sistemas de qualidade dos dados, que, como diz Emília Monteiro, "é mais pesado do que na investigação básica".


A importância da investigação clínica mede-se pelo facto de os hospitais privados estarem a fazer um esforço neste sentido porque, segundos estudos de consultoras como a Deloitte, os hospitais privados se não tiverem investigação e ensino ao fim de dez anos perdem a sua sustentabilidade e distanciam-se na inovação e das terapêuticas inovadoras.