- Partilhar artigo
- ...
A produção e revisão das políticas setoriais europeias em matéria de energia e a digitalização têm vindo a acelerar nos últimos anos, assinala, em entrevista ao Negócios, Luís Vale Cunha, diretor com a área dos Projetos e Políticas Europeias da E-Redes.
Destaca o pacote legislativo de "Energia Limpa para todos os Europeus", complementado, recentemente, pelo "Pacto Ecológico Europeu" e o REPowerEU. É um plano para economizar energia, produzir energia limpa e diversificar o aprovisionamento energético. É também uma estratégia que reconhece o papel das redes de distribuição no modelo de descentralização e de foco crescente nos consumidores.
As políticas, europeias e nacionais, consagram um novo conceito, o "consumidor ativo", e colocam-no no centro do sistema. Qual é o papel dos operadores neste novo paradigma?
Os desafios e oportunidades do setor giram em torno de três eixos fundamentais: integração de renováveis, participação ativa dos consumidores e desenvolvimento das redes inteligentes de energia. O que poderíamos designar por "triângulo virtuoso" da transição energética. Algumas das projeções europeias para 2030 ajudam a compreender melhor a ordem de magnitude destes desafios e oportunidades.
Do lado da geração, espera-se um incremento da penetração de energias renováveis no sistema energético europeu que deverá ir além de um limiar mínimo de 45%, incluindo o quádruplo de capacidade solar instalada, e mais de 40 milhões de habitações residenciais equipadas com sistemas fotovoltaicos, maioritariamente ligadas às redes de distribuição. Em algumas estimativas, estes valores poderão ficar abaixo das necessidades reais de resposta do sistema em situações mais extremas de consumo.
A eletrificação crescente da sociedade vai determinar o aparecimento de mais de 50 milhões de veículos elétricos e pontos de carregamento públicos ou privados, assim como de 10 milhões de bombas de calor para aquecimento de águas sanitárias e climatização, resultando num aumento do consumo e em padrões mais dinâmicos e menos previsíveis de utilização dos recursos energéticos.
Vamos assistir, com maior frequência, a potenciais desencontros temporais entre as possibilidades de produção e as necessidades de consumo, assim como a restrições técnicas e de capacidade nas redes de eletricidade, que, por sua vez, se espera atuem como elemento facilitador e de suporte a todas estas alterações. A solução deverá passar por uma atuação coordenada do desenvolvimento das redes, com um foco relevante, mas não exclusivo, em soluções digitais e inteligentes, e da flexibilização da produção e, principalmente, do consumo.
Como é que o consumidor pode participar nestes processos e ser um parceiro ativo?
Os benefícios potenciais para os consumidores deverão resultar de, pelo menos, três tipos de oportunidades distintas, mas complementares, nomeadamente a eficiência energética, o autoconsumo individual ou coletivo, incluindo as comunidades de energia e, finalmente, a participação em serviços de flexibilidade para suporte à operação das redes.
Com a publicação recente, pela Comissão Europeia, da proposta de reforma do desenho do mercado europeu de eletricidade, abre-se a possibilidade de partilha de energia produzida ou armazenada localmente, recorrendo, por sua vez, às redes de distribuição, que atuam, uma vez mais, como elemento integrador e facilitador.
Entre os mecanismos propostos, consta a possibilidade de os reguladores nacionais identificarem as necessidades de flexibilidade com base nas informações fornecidas pelos operadores de rede, assim como a indicação de zonas da rede onde existe capacidade disponível para ligação de produção adicional.
Estes mecanismos deverão contribuir para a diminuição dos encargos com a energia, a redução da exposição à volatilidade dos preços e uma maior proteção de situações de vulnerabilidade, em simultâneo com a adoção de comportamentos mais sustentáveis.
Qual a importância da partilha de informação no processo de empoderar o consumidor?
A partilha de informação é fundamental para dinamizar o envolvimento dos consumidores e o desenho de novos serviços, ao mesmo tempo que permite que os operadores de redes percebam e antecipem, com maior rigor, os impactos de longo, médio e curto prazo.
Estudos recentes a nível europeu também dão conta de uma literacia digital ainda abaixo das necessidades, que se situa, atualmente, pouco acima dos 50% dos requisitos básicos em matéria de competências digitais. Uma das boas notícias é que 2023 é o ano europeu das competências.
Quais são os principais desafios de Portugal até ao fim da década e como se compara com os outros países europeus?
Em matéria de energia e clima, e, em particular, do papel da eletricidade, os principais desafios são à escala global e uma parte importante das soluções tem dimensão local ou regional. Partindo de soluções descentralizadas, será possível organizar o sistema numa lógica participativa, onde os consumidores são o elemento central e as redes a componente facilitadora. Com desafios comuns, as sinergias são potenciadas, e Portugal tem condições singulares para se destacar na inovação, no relançamento da economia europeia e na transição sustentável.