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O drama dos recursos nas tecnologias: escassez e falta de competências

A crescente digitalização da sociedade e a dependência da tecnologia originam a escassez de recursos estrutural e a solução passa pela partilha.

31 de Março de 2020 às 16:30
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"Neste momento não temos as competências informáticas necessárias, e há muitos informáticos que não têm competências nem formação para estar a fazer o trabalho que estão a fazer. Não podemos ter sistemas altamente críticos a serem desenvolvidos por pessoas que não têm competências para o fazer. O estado atual da informática é mau, porque temos a qualidade em muitos dos profissionais é má", alertou Luís Vaz Henriques.

António Miguel Ferreira concordou que há uma grande falta de qualidade nos profissionais de informática. Explicou que o setor é muito fragmentado e constituído por empresas de muito pequena dimensão. Fazem bem numa determinada área, em que poderão estar mais especializadas, mas não compreendem todo o leque de necessidades, desde a segurança, às comunicações, passando pela cloud de que as empresas de facto necessitam. "Mas também existem muitas empresas bem dotadas de profissionais com experiência necessária para prestar serviços de qualidade", sublinhou.

Comprar barato

Na opinião de António Miguel Ferreira, a experiência comparativa com outros mercados, diz-lhe que em Portugal se tende a tomar decisões na contratação de tecnologia, incluindo os serviços, com base no preço. "A tecnologia pode ser cara mas também é verdade que usam apenas o critério preço. O setor público padece desse mal para tomar decisões, e o preço no campo dos serviços normalmente é mau conselheiro. Em outros mercados mais desenvolvidos o preço não é o único fator. O princípio não é comprar o mais barato, mas o que é melhor para a minha empresa nos próximos anos".

Um outro problema relacionado com os recursos humanos nas tecnologias é a escassez de profissionais, técnicos e engenheiros, que "existia e vai continuar a existir e é bom que nos habituemos nos próximos anos", sublinhou António Miguel Ferreira. "As universidades não produzem número suficiente de técnicos e engenheiros para suprir as necessidades das empresas em Portugal e se produzisse esses técnicos estariam no mercado global e estariam em projetos não só em Portugal como em vários outros pontos do globo", referiu.

O gestor da Claranet, que foi um dos pioneiros da internet em Portugal, refere que a crescente digitalização da sociedade e a dependência da tecnologia tornam a escassez de recursos estrutural. Na sua opinião, "as empresas e os hospitais não têm de ter salas de informática que ocupam espaço, têm de ter salas para receber doentes e consultórios e para as suas atividades e, portanto, têm de externalizar aquilo que é a sua função core. O que ajuda a resolver parcialmente a questão dos técnicos. A solução para a escassez é uma maior partilha de recursos, o que implica utilização de empresas especializadas neste tipo de fornecimento".


Uma transformação digital à força

Quando se montar o Serviço Nacional de Saúde digital, as soluções de emergência não podem ser as soluções do futuro.

"Ninguém estava preparado para esta transformação digital à força", referiu Henrique Martins. Para este médico, gestor e especialista em tecnologias da saúde. O antigo presidente da SPMS, entre 2013 e 2020, considera que não são apenas médicos e enfermeiros que fazem falta ao Serviço Nacional de Saúde, "fazem falta informáticos para parametrizar as VPN, os postos de trabalho, para pegar nos computadores disponíveis para os preparar".

Neste momento os diretores de hospitais devem defrontar-se com a sobrecarga das equipas de informática. É um problema que poderia ser resolvido se a nota de autorização para a contratação temporária, que foi emitida por causa da epidemia de coronavírus, abranger os profissionais da saúde e não apenas os de saúde. "Se não houver equipas de apoio informáticas, os profissionais de saúde vão ter muitas dificuldades em ajudar os cidadãos seja de uma forma remota seja presencialmente", afirmou Henrique Martins.

Edifício de normas

Fez-se um grande caminho em Portugal, que tinha experiências pioneiras na telemedicina, como Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra com a telecardiologia pediátrica e alguma tradição no Alentejo, mas não havia uma abordagem sistemática e nacional. Hoje conta com as normas da Direção-Geral da Saúde, que especificam o que é uma teleconsulta, as atividades à distância como a teleimagiologia e teledermatologia, por exemplo.

"Há um edifício que foi construído de normas, que também podem ser úteis ao setor privado, e até de incentivos financeiros para setor público. Faltam peças mas o plano explica o gap entre aquilo que existe e o que é preciso fazer nos próximos três anos. Foi lançado com pouca visibilidade mas agora vai tê-la, sobretudo depois desta crise", considera Henrique Martins.

Alerta, contudo, para o facto de "a pior coisa que se pode fazer é tentar fazer da mesma maneira mas agora à distância. Há um trabalho de desconstrução do ato médico, porque quando é feito presencialmente acontece nesse momento, pouco há antes e depois".

Processos de urgência

Esta mudança tem de ser planeada porque é preciso revisitar processos para que "as soluções de emergência não venham a ser as soluções do futuro, quando montarmos o novo SNS verdadeiramente digital, que já poderia estar montado há algum tempo. Não devemos montar uma coisa long-runner com base nos processos e as tecnologias da urgência. O aprendizado das experiências, da energia e da motivação são sempre fundamentais".

Henrique Martins sublinhou que mesmo ignorando os impactos económicos da covid-19, o que sabe é que "vamos continuar a precisar de investir na saúde, até porque podemos querer ter uma medicina de primeiro mundo baseada em tecnologia do Terceiro Mundo, não vai funcionar bem e não tem nada a ver com o setor público ou privado, tem de ser um investimento transversal".