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O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, 57 anos, nasceu em Pombal mas vive em Coimbra por cuja faculdade de Medicina se licenciou e doutorou. Em entrevista, reflecte sobre alguns dos principais temas, como as pandemias, as desigualdades na saúde, o Big data, da Be Well Global Health Conference que se vai realizar no Meo Arena a 1 de Outubro, numa organização da MSD e do Negócios com o apoio da Fundação Gulbenkian e da Câmara Municipal de Lisboa.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que uma pandemia entre moderada e grave a nível global custaria 570 mil milhões de dólares. O mundo e as organizações internacionais estão preparados para prevenir e combater as pandemias?
Tenho a percepção que não estão preparadas nem têm meios. Estão conscientes do problema, alertam, tentam preparar-se mas como em tudo na vida sem ovos não se fazem omeletas. Não vemos ao nível da OMS ou da ONU, que poderia ser outra instituição a intervir e a participar nessas áreas, consciência colectiva em termos planetários das consequências que vamos enfrentar no futuro próximo. As pessoas não têm sequer consciência que a principal ameaça à saúde humana está nas alterações climáticas e na perda de biodiversidade. Por isso vão-se empurrando os problemas para a frente até surgir uma pandemia que leve a uma situação quase catastrófica.
Há um conjunto de fundações norte-americanas e inglesas que procuram mobilizar contributos das grandes multinacionais para a prevenção e controlo das pandemias. Acha que pode funcionar?
Poderia ser e começa a haver essa consciência por parte das seguradoras mundiais pois uma catástrofe mais ou menos extensiva ao planeta pode representar a sua própria falência. Há também um indício desta preocupação e que é facto de que os Estados Unidos e a China se terem disposto a assinar conjuntamente os acordos de Paris relativos ao meio ambiente e as causas ecológicas. Mas era um mau sinal a forma como estava a ser negociado o TTIP, o Tratado Transatlântico, em que as multinacionais poderiam adquirir a capacidade de sobrepor-se aos governos e aos interesses nacionais, à autodeterminação das populações sobretudo em questões do meio ambiente e da saúde.
E com está Portugal no que se refere a estas questões?
Estamos muito impreparados como demonstraram situações recentes. Lembro o surto de leggionella que foi combatido com alguma eficácia porque era muito localizado mas pouco se falou do facto de que o surto não deveria ter acontecido. Morreram pessoas desnecessariamente porque se deveria ter prevenido o surto. Por outro lado quando foi da questão do ébola houve muita comunicação por parte do governo mas quem estava no terreno conhecia as fragilidades. Ainda bem que não tivemos nenhum caso de ébola porque nós, pessoal de saúde, tínhamos conhecimento das fragilidades da resposta nacional a casos de ébola.
Um estudo financiado pela Wellcome Trust de 2016 mostra que se não se tomarem medidas contra a resistência antimicrobiana em 2050 haverá perdas de 10 milhões de vidas ao ano e cerca de 100 mil milhões de dólares em produtividade. Está-se a fazer alguma coisa ou é preciso fazer muito mais?
É preciso fazer muito mais na prevenção e a Ordem dos Médicos tem-no dito sucessivas vezes. Entre 75 a 80% da utilização dos antibióticos não é na saúde humana, é agro-alimentar e agro-pecuária. Portanto para a saúde humana usam-se 15 a 20% dos antibióticos, por isso enquanto não se lidar e focar com o uso intensivo dos antibióticos noutras áreas não se vão resolver os problemas das resistências microbianas. Em Portugal tem havido algum progresso na utilização dos antibióticos. Mas é preciso muito mais em termos de literacia das populações, aspecto pelo qual se tem feito muito pouco. A prevenção das infecções hospitalares está aquém do que deveria ser feito. Deveria envolver todas as instituições e todas as profissões e haver uma equipa a trabalhar a tempo inteiro em cada hospital. É um campo em que um pequeno investimento pode ter um grande retorno, mas infelizmente até para fazer este pequeno investimento os hospitais têm dificuldade. Há muito por fazer, há muito que devia ser feito e há, mais uma vez, por parte das autoridades muito marketing para a ideia de que está ser feito o que tem de ser feito.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que uma pandemia entre moderada e grave a nível global custaria 570 mil milhões de dólares. O mundo e as organizações internacionais estão preparados para prevenir e combater as pandemias?
Tenho a percepção que não estão preparadas nem têm meios. Estão conscientes do problema, alertam, tentam preparar-se mas como em tudo na vida sem ovos não se fazem omeletas. Não vemos ao nível da OMS ou da ONU, que poderia ser outra instituição a intervir e a participar nessas áreas, consciência colectiva em termos planetários das consequências que vamos enfrentar no futuro próximo. As pessoas não têm sequer consciência que a principal ameaça à saúde humana está nas alterações climáticas e na perda de biodiversidade. Por isso vão-se empurrando os problemas para a frente até surgir uma pandemia que leve a uma situação quase catastrófica.
Há um conjunto de fundações norte-americanas e inglesas que procuram mobilizar contributos das grandes multinacionais para a prevenção e controlo das pandemias. Acha que pode funcionar?
Poderia ser e começa a haver essa consciência por parte das seguradoras mundiais pois uma catástrofe mais ou menos extensiva ao planeta pode representar a sua própria falência. Há também um indício desta preocupação e que é facto de que os Estados Unidos e a China se terem disposto a assinar conjuntamente os acordos de Paris relativos ao meio ambiente e as causas ecológicas. Mas era um mau sinal a forma como estava a ser negociado o TTIP, o Tratado Transatlântico, em que as multinacionais poderiam adquirir a capacidade de sobrepor-se aos governos e aos interesses nacionais, à autodeterminação das populações sobretudo em questões do meio ambiente e da saúde.
E com está Portugal no que se refere a estas questões?
Estamos muito impreparados como demonstraram situações recentes. Lembro o surto de leggionella que foi combatido com alguma eficácia porque era muito localizado mas pouco se falou do facto de que o surto não deveria ter acontecido. Morreram pessoas desnecessariamente porque se deveria ter prevenido o surto. Por outro lado quando foi da questão do ébola houve muita comunicação por parte do governo mas quem estava no terreno conhecia as fragilidades. Ainda bem que não tivemos nenhum caso de ébola porque nós, pessoal de saúde, tínhamos conhecimento das fragilidades da resposta nacional a casos de ébola.
Um estudo financiado pela Wellcome Trust de 2016 mostra que se não se tomarem medidas contra a resistência antimicrobiana em 2050 haverá perdas de 10 milhões de vidas ao ano e cerca de 100 mil milhões de dólares em produtividade. Está-se a fazer alguma coisa ou é preciso fazer muito mais?
É preciso fazer muito mais na prevenção e a Ordem dos Médicos tem-no dito sucessivas vezes. Entre 75 a 80% da utilização dos antibióticos não é na saúde humana, é agro-alimentar e agro-pecuária. Portanto para a saúde humana usam-se 15 a 20% dos antibióticos, por isso enquanto não se lidar e focar com o uso intensivo dos antibióticos noutras áreas não se vão resolver os problemas das resistências microbianas. Em Portugal tem havido algum progresso na utilização dos antibióticos. Mas é preciso muito mais em termos de literacia das populações, aspecto pelo qual se tem feito muito pouco. A prevenção das infecções hospitalares está aquém do que deveria ser feito. Deveria envolver todas as instituições e todas as profissões e haver uma equipa a trabalhar a tempo inteiro em cada hospital. É um campo em que um pequeno investimento pode ter um grande retorno, mas infelizmente até para fazer este pequeno investimento os hospitais têm dificuldade. Há muito por fazer, há muito que devia ser feito e há, mais uma vez, por parte das autoridades muito marketing para a ideia de que está ser feito o que tem de ser feito.
As apps de saúde deviam ser reguladas como os medicamentos José Manuel Silva defende a regulação positiva das apps de saúde e defende que se devem combater as desigualdades porque reduzem as doenças.
Existem mais 160 000 apps de saúde com mais de 500 milhões de utilizadores. Que impacto do Big Data no domínio da saúde?
Pode-se ver o Big data de duas formas. Um que é tratar os dados informáticos da saúde e portanto conseguir chegar a mais conhecimento e dessa forma determinar melhor a qualidade da prestação dos cuidados de saúde. Depois há o Big data do acesso na internet a toda a informação em saúde com muita informação pouco rigorosa, o que deve ser uma preocupação para as autoridades. Abriu-se um mundo novo com a internet, com as apps em saúde, que é um negócio brutal de dezenas de milhares de milhões de euros a nível mundial que deve ser regulado pelas autoridades de saúde da mesma forma como são regulados os medicamentos, os devices com utilização na medicina. Porque dar acesso às pessoas a informação errada tem efeitos potencialmente negativos grandes. Esses apps em saúde deviam ser todas reguladas, analisadas e depois autorizadas pelas entidades que regulam a saúde como o Infarmed, a Agência Europeia do Medicamento, a FDA americana, para que haja rigor informativo.
O Doctor Google tem efeitos desafiantes para os profissionais de saúde, de acesso mais fácil da população a informação para a saúde mas as pessoas têm acesso à informação mas não ao conhecimento porque quem tem conhecimento são os profissionais de saúde. Se tiver uma queixa qualquer e for ao Doctor Google vai terminar quase invariavelmente em que nos diagnósticos diferenciados potenciais está o cancro. Isto pode ser devastador porque as pessoas não sabem lidar com tanta informação. Por isso é necessária uma regulação positiva das apps e serem submetidas a um rigoroso controlo como são os medicamentos. Recentemente verificou-se que uma app que pretendia medir a tensão arterial através de um smartphone afinal não era tão rigorosa como pretendia só que entretanto já se tinham vendido milhares de apps.
A redução das desigualdades de resultados tem impacto também na igualdade de oportunidades porque fazem com diminuam os problemas sociais e pessoais que lhe estão associados. Se houve menos gravidez adolescente ou redução na toxicodependência o rendimento escolar poderá ser superior. Uma sociedade menos desigual tem uma melhor saúde? As desigualdades sentem-se no sistema de saúde?
Sentem-se sim. Nos temos neste momento um sistema de saúde a duas velocidades. As pessoas com menos recursos têm menos acesso aos cuidados de saúde. Hoje cada se fala mais e bem dos determinantes sociais da saúde. As desigualdades sociais agravam a doença nos mais pobres e os estigmatizam e limitam para toda a vida. Já está provado que a pobreza afecta o desenvolvimento cerebral das crianças pobres. Mais uma vez a forma eficaz de poupar em saúde, de reduzir, até em termos de instabilidade social e criminalidade, é lutar contra a pobreza, que reduz também as doenças dos chamados determinantes sociais da saúde. A pobreza é geradora de muitas patologias até de doenças cardiovasculares porque o facto de terem acesso menos informação faz com que as pessoas tenham estilos de vida mais errados com consequências negativas para a sua saúde.
Existem mais 160 000 apps de saúde com mais de 500 milhões de utilizadores. Que impacto do Big Data no domínio da saúde?
Pode-se ver o Big data de duas formas. Um que é tratar os dados informáticos da saúde e portanto conseguir chegar a mais conhecimento e dessa forma determinar melhor a qualidade da prestação dos cuidados de saúde. Depois há o Big data do acesso na internet a toda a informação em saúde com muita informação pouco rigorosa, o que deve ser uma preocupação para as autoridades. Abriu-se um mundo novo com a internet, com as apps em saúde, que é um negócio brutal de dezenas de milhares de milhões de euros a nível mundial que deve ser regulado pelas autoridades de saúde da mesma forma como são regulados os medicamentos, os devices com utilização na medicina. Porque dar acesso às pessoas a informação errada tem efeitos potencialmente negativos grandes. Esses apps em saúde deviam ser todas reguladas, analisadas e depois autorizadas pelas entidades que regulam a saúde como o Infarmed, a Agência Europeia do Medicamento, a FDA americana, para que haja rigor informativo.
O Doctor Google tem efeitos desafiantes para os profissionais de saúde, de acesso mais fácil da população a informação para a saúde mas as pessoas têm acesso à informação mas não ao conhecimento porque quem tem conhecimento são os profissionais de saúde. Se tiver uma queixa qualquer e for ao Doctor Google vai terminar quase invariavelmente em que nos diagnósticos diferenciados potenciais está o cancro. Isto pode ser devastador porque as pessoas não sabem lidar com tanta informação. Por isso é necessária uma regulação positiva das apps e serem submetidas a um rigoroso controlo como são os medicamentos. Recentemente verificou-se que uma app que pretendia medir a tensão arterial através de um smartphone afinal não era tão rigorosa como pretendia só que entretanto já se tinham vendido milhares de apps.
A redução das desigualdades de resultados tem impacto também na igualdade de oportunidades porque fazem com diminuam os problemas sociais e pessoais que lhe estão associados. Se houve menos gravidez adolescente ou redução na toxicodependência o rendimento escolar poderá ser superior. Uma sociedade menos desigual tem uma melhor saúde? As desigualdades sentem-se no sistema de saúde?
Sentem-se sim. Nos temos neste momento um sistema de saúde a duas velocidades. As pessoas com menos recursos têm menos acesso aos cuidados de saúde. Hoje cada se fala mais e bem dos determinantes sociais da saúde. As desigualdades sociais agravam a doença nos mais pobres e os estigmatizam e limitam para toda a vida. Já está provado que a pobreza afecta o desenvolvimento cerebral das crianças pobres. Mais uma vez a forma eficaz de poupar em saúde, de reduzir, até em termos de instabilidade social e criminalidade, é lutar contra a pobreza, que reduz também as doenças dos chamados determinantes sociais da saúde. A pobreza é geradora de muitas patologias até de doenças cardiovasculares porque o facto de terem acesso menos informação faz com que as pessoas tenham estilos de vida mais errados com consequências negativas para a sua saúde.