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A estratégia da União Europeia para a reindustrialização passa por uma série de medidas, uma das quais a definição de 14 ecossistemas empresariais que foram declinados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) nos pactos de inovação e nas agendas mobilizadoras. Os pactos de inovação são consórcios empresariais de dez empresas que podem investir até 50 milhões de euros em conjunto.
“A Bosch é um bom exemplo que temos em Portugal, que está a constituir um pacto de inovação, porque não basta ter tecnologia, é preciso ter capital e talento, é preciso agregar o conhecimento. A Bosch agrega um conjunto de empresas, que são seus fornecedores, mas também centros de conhecimento, de inovação tecnológica, que estão nas universidades”, sublinha João Nuno Palma, vice-presidente da comissão executiva do Millennium bcp.
O responsável da Bosch em Portugal, Carlos Ribas, diz que a empresa tem um parceiro fundamental que é a Universidade do Minho, “que nos ajudaram a crescer na faturação de 400 milhões de euros, em 2014, para uma faturação, em 2019, de 1,3 mil milhões. Em cinco anos, triplicámos a faturação graças em parte à inovação que foi criada com a Universidade do Minho”. Carlos Ribas acrescenta que há ecossistemas como este em várias áreas e que deveria ser replicado em Portugal. “Esta parceria e a integração da universidade dentro das empresas de uma forma sustentada são fundamentais para o crescimento e enriquecimento do país.”
Oportunidade para Portugal
Nuno Gonçalves, administrador do IAPMEI, considera que a Europa tem de ter cadeias produtivas de proximidade e Portugal está numa posição estratégica uma vez que temos uma capacidade instalada em termos empresariais, temos uma academia com grande capacidade para produzir quadros altamente qualificados.
“O que temos de fazer é juntar estas duas peças e, através das agendas mobilizadoras para a inovação, que é uma iniciativa pública bastante disruptiva, aproveitar esta estratégia europeia”, assume Nuno Gonçalves, salientando que as agendas mobilizadoras, com 930 milhões de euros previstos pelo PRR, têm o objetivo de propiciar a transformação da economia portuguesa no que respeita à sua especialização produtiva.
“Esta transformação deve ser feita em consórcio, juntando grandes empresas, PME, academia e outras entidades da sociedade civil e autarquias. Ter um projeto mobilizador conjunto, com um efeito disruptivo, em termos económicos, pela criação, por exemplo, de um novo produto, ou de um novo modelo produtivo”, declarou Nuno Gonçalves.
Mas, como alertou João Nuno Palma, a reindustrialização não pode ser feita apenas com fundos do PRR. As empresas têm de entrar com capital, sejam capitais próprios ou alheios, através de endividamento junto da banca e de outros financiadores.
Entende que hoje é importante olhar para a capacidade de inovação de uma empresa enquanto, no passado, se olhava sobretudo para a conta de resultados. Hoje, para o banco financiar, é necessário conhecer o negócio detalhadamente. “Quando se vai ao negócio em detalhe, interessa se calhar mais uma patente, um processo produtivo inovador ou uma marca do que um edifício”, acentuou João Nuno Palma.
Reindustrializar a Europa é necessário
“A Europa tem de assumir o custo da reindustrialização, não é só dar dinheiro agora para fazer empresas, é assumir no futuro a diferença de salários entre o que se paga na Europa e no resto do mundo. A Europa não pode descurar o que é estratégico porque não podemos estar dependentes do que se passa noutras partes do mundo”, disse Carlos Ribas.
“A reindustrialização é uma questão central e de fundo, e implica falar de cadeias de valor”, considera o vice-presidente da comissão executiva do Millennium bcp. No recente processo de globalização, deu-se um alongamento das cadeias de valor e uma procura de espaços económicos que fossem mais competitivos, nomeadamente do custo do fator trabalho, porque muitas delas são indústrias altamente capitalizadas e, embora o trabalho entre com uma componente menor, pesa no valor final do produto.
João Nuno Palma recorda que a Indústria 4.0, com a digitalização dos processos industriais, já era um sinal de reindustrialização, mas a disrupção causada pela pandemia global evidenciou a extensão das cadeias de valor e a dependência de terceiras partes. “O coração da Europa é a indústria automóvel, que tinha cadeias de valor extensas e fragmentadas, estava dependente, pois 20% dos componentes da indústria automóvel europeia são produzidos em Taiwan”, referiu João Nuno Palma.
Valor dos intangíveis
Nuno Gonçalves referiu que em termos de apoio à capitalização das empresas foi criado pelo IAPMEI um fundo de capitalização no valor de 1.300 milhões de euros e que será implementado através do Banco Português de Fomento. Sublinhou ainda que “o sistema fiscal português é dos melhores na Europa no que respeita ao incentivo fiscal à capitalização das empresas. Um empresário que decida aumentar os seus capitais próprios através da injeção de novos meios líquidos, ou pela conversão de créditos em capital, pode abater à matéria coletável, no espaço de seis anos, 42% desse valor de aumento de capital.”
O vice-presidente do Millennium bcp sugeriu ainda a revisão da classificação dos ativos intangíveis para se começar a dar valor à inovação, às patentes, às marcas. “Para que uma empresa que desenvolve uma patente, que tem um processo produtivo inovador, consiga apresentar esse valor para depois se poder financiar junto da banca.”
Para João Nuno Palma, seria importante certificar a qualidade da inovação. “Temos o estatuto de empresa inovadora da Cotec. Temos 42% de quota de mercado neste grupo de empresas. É nestas organizações inovadoras que se consegue ver um futuro mais longínquo, o que permite conceder crédito com mais consciência e com mais segurança.”
Estas webtalks são transmitidas em streaming na página web do Jornal de Negócios e o tema da última talk foi a “Reindustrialização”. Contou com a presença de Pedro Siza Vieira, ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, e no debate teve a participação de Nuno Gonçalves, administrador do IAPMEI, Carlos Ribas, responsável da Bosch em Portugal, e João Nuno Palma, vice-presidente da Comissão Executiva do Millennium bcp. A moderação foi realizada por Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios.