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Hugo Gerald Freitas: “Um aumento de dívida é uma promessa futura de impostos”

Os problemas com a gestão da crise de 2008 foram evitados na gestão da pandemia de covid-19, mas existem questões em relação à acumulação de dívida, ao crescimento do PIB, ao emprego e ao controlo da inflação.

02 de Junho de 2021 às 13:00
Hugo Gerald Freitas fala de uma recuperação rápida dos mercados. DR
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"Nestas duas décadas do novo milénio tivemos duas grandes crises em 2008 e 2020, com características diferentes e que foram superadas de forma diferente, porque houve resiliência e aprendizagem", disse Hugo Gerald Freitas, responsável de produtos de Investimento do Abanca, que, na terceira sessão de Talking Money - O valor do dinheiro, deu uma visão dos mercados nos últimos meses e as perspectivas do que pode ser o futuro. Nestas duas crises verificou-se dois comportamentos distintos do mercado na situação de correção. A de 2008 demorou mais tempo a recuperar, foi forte mas mais prolongada no tempo. A que vivemos agora passou a ser a maior crise, depois da crise de 1929, sobretudo justificada pelo lockdown, sublinhou o responsável. "Foi uma correção forte e rápida com uma recuperação forte e rápida, o que teve um efeito positivo nos mercados financeiros", referiu Hugo Gerald Freitas.

Em 2008, o MSCI World desvalorizou 55% em nove meses, tendo regressado a patamares superiores aos de maio de 2008 em setembro de 2013, ou seja, demorou cinco anos e quatro meses a recuperar. Teve uma queda lenta e uma recuperação ainda mais morosa.

A forte recuperação

Em 2020, o MSCI World caiu 32,11% em apenas dois meses, no entanto, em agosto já tinha recuperado para níveis pré-pandémicos, ou seja, em apenas seis meses. No Stoxx Europe 600 o tempo de recuperação foi de um ano e dois meses, de fevereiro de 2020 a abril de 2021. "Isto porque em junho e julho houve os anúncios por parte dos governos e dos bancos centrais, apoios sem precedentes, o que resulta da aprendizagem com as experiências das crises anteriores", assinalou Hugo Gerald Freitas.

Como foi possível haver esta recuperação tão forte ao nível dos mercados financeiros? Houve uma intervenção coordenada dos bancos centrais e dos governos e que provocou um aumento generalizado do endividamento público, dos Estados. Foi uma intervenção sem precedentes, com o anúncio de estímulos como o Next Generation EU de 750 mil milhões de euros e o plano de Joe Biden de 1,9 biliões de dólares, e com os bancos centrais a manter o controlo das taxas de juro os custos dos financiamentos. "Quando entrar numa fase de recuperação talvez possa haver a retirada dos estímulos e eventualmente o aumento de impostos porque, como os economistas dizem, um aumento de dívida é uma promessa futura de impostos", alertou Hugo Gerald Freitas.

Com as intervenções orçamentais e monetárias globais, a vacinação e o processo de desconfinamento, "os mercados recuperaram de forma rápida e acentuada", revelou Hugo Gerald Freitas.

A emergência da inflação

Como salientou Hugo Gerald Freitas, "há questões importantes a monitorizar, nomeadamente duas das prioridades dos bancos centrais, que são o crescimento do PIB e o do emprego, e nas duas situações estamos na Europa e no Estados Unidos aquém do que estávamos antes de entrar nesta crise. Os mercados financeiros recuperaram rapidamente, mas a economia ainda está num processo de recuperação".

Este percurso com tantos estímulos despertou uma hidra que estava adormecida e que é a inflação. Segundo Hugo Gerald Freitas, "este aumento foi mais contido na Europa mas passou de menos 0,3% para 1,6% em abril de 2021 e nos Estados Unidos as intervenções foram mais musculadas e mais cedo e teve um impacto mais imediato e passou de 0,3% em abril de 2020 para 4,2% em abril de 2021, acima dos valores de referência que é de 2%".

Referiu ainda que a Fed indicou que o seu objetivo não é olhar para a inflação de curto prazo, mas de médio prazo. "Esteve muito baixa nos últimos cinco anos e estar acima neste momento não é preocupante porque há outras prioridades. Se entrar em descontrolo é preciso ter esse facto em conta nas próximas decisões", assinalou Hugo Gerald Freitas.

Um roteiro de investimento  "Do ponto de vista das obrigações, a dívida soberana europeia com yields negativas não é um investimento rentável e por isso não está no nosso radar como uma boa alternativa de investimento. Depois temos a dívida de qualidade (investment grade europeia e norte-americana) que tem ‘spreads’ a rondar os 52 a 53 pontos base. Quando compara com os níveis atuais de inflação na Europa e nos EUA, contas feitas, o ganho real é negativo", sublinhou Hugo Gerald Freitas, responsável de produtos de investimento do Abanca.

Por sua vez, os múltiplos das ações estão a níveis elevados com um PER de 34, "o que significa que o índice vale 34 vezes os resultados das empresas e, portanto, ao fim de 34 anos dobro o capital, o que daria uma taxa de rentabilidade de 3%", referiu Hugo Gerald Freitas. "

As matérias-primas têm um comportamento positivo em cenários inflacionistas e tem-se confirmado essa tendência, o ouro funciona como um ativo de refúgio perante uma subida de inflação. "O ouro este ano não tem estado muito positivo, mas em abril a inflação disparou nos EUA, e imediatamente o ouro teve uma performance superior a 3%", revelou Hugo Gerald Freitas. "É preciso ter aqui algum cuidado, porque existem muitas matérias-primas em diferentes ciclos, não é linear que se possa estabelecer um raciocínio único para todas elas."