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Gonzalo Bernardos: "Portugal devia colocar uma passadeira vermelha aos investidores"

Portugal está a posicionar-se no investimento estrangeiro em imobiliário. Contudo, esse destaque pode ir ainda mais além. É preciso mais qualidade e organização nas cidades, diz o especialista.

03 de Novembro de 2016 às 11:47
Gonzalo Bernardos é professor de Economia na Universidade de Barcelona. Inês Lourenço
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Gonzalo Bernardos Domínguez tem uma ideia fixa: os centros das cidades vão converter-se numa "grande atracção" para turistas. As zonas ribeirinhas ou de mar, por exemplo, não se podem esquecer desta dinâmica. A partir do centro turístico toda a restante vida se organiza. Por muito que isso custe. Não fazê-lo seria "rejeitar o progresso".

A ideia de que existirá um centro das cidades destinado apenas a turistas aplica-se a todas as cidades?
É uma situação praticamente irreversível em todas as cidades com um encanto especial, seja natural ou artificial. Neste último caso, o charme seria construído pelas autoridades e empresas da cidade, como resultado de um plano detalhado. Nas próximas duas décadas, é certo que o fluxo de turistas aumentará consideravelmente.

Porquê?
Por duas razões: a redução dos custos de transportes e a busca de novos experiências nas cidades visitadas. Não vai ser só ver monumentos mas desfrutar do ambiente, das festas, das compras, dos espectáculos e cultura que disponibiliza a cidade. A taxa de repetição de viagens para as cidades vai aumentar muito mais. Neste contexto, os centros históricos das cidades continuam a ser a área mais desejada para visitar. Por isso mesmo, neles e nos seus arredores, haverá cada vez mais hotéis, restaurantes, bares ou salas de espectáculos dedicados aos turistas. O turismo irá desempenhar um papel cada vez mais importante no PIB da cidade. Aquelas que o limitem vão desistir de uma importante fonte de emprego e riqueza.

Que potencial vê em Lisboa e no Porto para investimento imobiliário?
Nas últimas duas décadas, quase todos os centros históricos das cidades europeias foram completamente reabilitados. Mesmo nos países da Europa de Leste como a Letónia, Lituânia e Estónia. Portugal não tem sido excepção. Para aqueles que querem comprar no centro histórico de uma cidade, as duas primeiras cidades de Portugal são uma magnífica oportunidade. Pelo preço, bastante mais o Porto que Lisboa.

Como se dará o investimento?
O investimento imobiliário vai bem quando se reúne alguma ou todas as seguintes circunstâncias: há um elevado crescimento do PIB, uma grande criação de emprego, a taxa de juros é muito baixo e a banca financia aos compradores uma parte elevada do preço do imóvel. Portugal viola três das quatro condições. Por isso, não se espera um grande aumento nos preços das casas nos próximos anos. Pelo contrário, em Espanha reúnem-se quatro. A minha expectativa a curto prazo para o meu país é de que os preços e as transacções aumentem de forma acentuada.

cotacao "As duas primeiras cidades de Portugal são uma magnífica oportunidade para investir. "

"O problema não é o investimento estrangeiro mas algumas autoridades locais que estão a fazer um mau trabalho."

"As cidades que limitem o turismo vão desistir de uma importante fonte de emprego e riqueza."
A compra de edifícios por investidores estrangeiros pode levar à perda de identidade de uma cidade?
Os decisores políticos deviam colocar uma passadeira vermelha aos investidores estrangeiros que vêm comprar edifícios em Portugal. Eles ajudam muito a melhorar a condição de muitos edifícios bem colocados, em ruínas, e a dotá-los de mais "glamour", aspecto que turisticamente também resulta de forma interessante. Contudo, os estrangeiros não devem fazer o que querem, mas cumprir as normas definidas pelas autoridades locais. Se estas são adequadas para preservar a identidade da cidade, esta apenas tem a ganhar. O problema não é o investimento estrangeiro mas algumas autoridades locais que estão a fazer um mau trabalho, permitindo que os estrangeiros obtenham mais valias sem dar quase nada para a cidade.

Que sugestões deixa para um maior equilíbrio entre o turismo e os habitantes?
Primeiro, apostar num turismo de qualidade. Para isso, é essencial ter uma oferta de hotelaria de primeira categoria, composta principalmente por hotéis de quatro e cinco estrelas. Em segundo lugar, realizar campanhas entre os cidadãos sobre os benefícios económicos que o turismo traz. Em terceiro lugar, ter políticos mais responsáveis, que não promovam o confronto entre turistas e cidadãos só para terem votos em determinados bairros. O confronto pode matar a galinha dos ovos de ouro, o turismo. E, se isso acontecer, terão muito para se arrepender.

Pode concretizar?
La Barceloneta é um bairro de Barcelona, habitado há 50 anos por trabalhadores e pescadores. O seu grau de segurança à noite podia ser melhorado e o conforto das casas era escasso. Nos últimos 25 anos, tem assistido a uma grande transformação urbana. As ruas tornaram-se mais amplas, criaram-se novas praças e retiraram-se todas as fábricas e edifícios que impediam um acesso rápido à praia. Agora é um bairro completamente seguro, com muitas atracções turísticas, a cinco minutos do centro da cidade e uma qualidade de vida espectacular. O resultado tem sido um aumento no preço da habitação e a expulsão dos filhos dos trabalhadores e pescadores. A solução era não fazer nada para que estes pudessem continuar a viver ali? Isso seria rejeitar o progresso. 

Perfil Um académico no imobiliário Doutorado em Economia pela Universidade de Barcelona em 1994, é nesta universidade que se continua a desenvolver o trabalho de Gonzalo Bernardos Domínguez. O académico lecciona também em Valência e Bilbao. Na Universidade de Barcelona fundou a Graduação em Estudos Imobiliário e de Construção. É presença assídua na comunicação social espanhola, na televisão, rádio e jornais. Já publicou quase três dezenas de livros, muitos dedicados à questão imobiliária: há publicações com conselhos de investimento no sector, seja para casa própria ou com uma visão mais institucional. Gonzalo Bernardos realizou mais de 300 conferências. Nasceu em Novembro de 1962 em Barcelona, cidade que utiliza frequentemente como referência para as suas palestras sobre imobiliário. É crítico das medidas da esquerda política adoptadas naquela cidade.