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"Para nós, IPO de Lisboa, o mais importante é a construção rápida, urgentíssima, de um novo edifício para ambulatório. O nosso IPO está perigosamente subdimensionado para as necessidades atuais. Precisamos de maior capacidade de resposta em termos de consultas e hospital de dia e de mais camas para internamento, além da construção de uma nova unidade para terapia celular", alerta Fernando Leal da Costa, diretor do departamento de Hematologia do IPO de Lisboa, e que foi secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde entre 2011 e 2015, e ministro da Saúde no breve segundo governo liderado por Passos Coelho.
Fernando Leal da Costa afirma que "estamos muito aquém do que já deveríamos e poderíamos oferecer e há claras situações de risco clínico resultantes de atrasos em tratamentos e sobreocupação de espaço em internamento. A covid-19 reforçou, de forma dramática, a necessidade de se repensar toda a engenharia hospitalar e o clássico conceito de enfermaria. O presente dos hospitais já deveria ser de quartos individuais em quase todos os cenários."
"É fundamental alterar o sistema de financiamento dos hospitais", refere José Mário Mariz, diretor da Clínica de Hemato-Oncologia do IPO do Porto. Dá como exemplo a introdução, há dois anos no IPO do Porto, de uma nova tecnologia de tratamento com células CAR T, que disponibiliza não só para os doentes do IPO como para doentes de vários outros hospitais que não possuem esta terapêutica.
300 mil euros
"O tratamento de cada doente custa pelo menos 300 mil euros, sem contar com os gastos indiretos. A inexistência de um financiamento específico para esta terapêutica leva a que os custos sejam incluídos no orçamento geral, que já era limitado antes da introdução desta terapêutica, e é muito provável que no futuro se torne insustentável", avisa José Mário Mariz.
Olhando para o futuro, que em muitos casos já é presente, Fernando Leal da Costa diz-se "um devoto da telemedicina", mas reconhece "que esta não pode ser usada para substituir a consulta presencial em hematologia. O que não quer dizer que a comunicação por via computadorizada não seja um instrumento essencial de contacto com outros colegas e centros, com doentes e dentro dos hospitais".
Por isso advoga que o SNS tem de melhorar em termos de hardware e linhas dedicadas de comunicação online, os sistemas de registo eletrónico terão de ser universais e completamente compatíveis entre hospitais e cuidados primários. "Os investimentos nesta área não podem continuar a ser adiados", defende Fernando Leal da Silva.
Lara Cunha é diretora executiva da APCL.
Para Lara Cunha, diretora executiva da APCL (Associação Portuguesa Contra a Leucemia), o principal investimento e esforço deveria ser para os diagnósticos e, por outro lado, manter e investir nas teleconsultas para os doentes que não necessitarem efetivamente de se deslocar ao hospital, mas pensada de uma forma inclusiva, para não afetar a população envelhecida e com baixa literacia digital. "É necessário investir em comunicação e no reforço das equipas dos cuidados de saúde primários para que tenhamos diagnósticos atempados. Um doente que possa ser diagnosticado atempadamente poderá ganhar qualidade de vida", reforça Lara Cunha.
Partilha de informação
Para José Mário Mariz, a digitalização é fundamental para o futuro da especialidade. No SNS, até já está implementada em grande parte nos hospitais. "O grande problema é que os hospitais entre si, apesar de fazerem parte de um sistema único (o SNS), não são compatíveis na maioria das vezes e não existe possibilidade de partilha de informação entre os hospitais que tão útil seria sempre que há necessidade de transferir os doentes entre hospitais diferentes", revela José Mário Mariz.
O especialista do IPO do Porto exemplifica com o caso de um doente que veio de um hospital das regiões autónomas para um tratamento com CAR T. "Na altura da referenciação, tentei aceder a informação mais detalhada, o acesso a imagens da TAC porque tinha algumas dúvidas, mas o sistema não o permitiu. Marquei uma consulta presencial, o doente viajou para o continente, onde esteve três dias, e na consulta percebi que, infelizmente, o doente não tinha condições para o procedimento, pelo que a viagem foi inútil. Caso tivesse a possibilidade de aceder às imagens da TAC teria sido muito mais confortável para o doente e menos dispendioso para o SNS caso a plena digitalização fosse uma realidade."
Quanto a investigação e tratamentos futuros, está-se no início do apogeu da imunoterapia e das "moléculas pequenas", em especial de inibidores enzimáticos. "O padrão está a ser, ainda que em fase inicial, na substituição de agentes citotóxicos por imunoindutores, imunomoduladores e agentes diferenciadores celulares", conclui Fernando Leal da Costa.
Em relação aos próximos tempos, em hematologia, é de esperar um aumento progressivo nas indicações para o tratamento com base na terapia celular com células CAR T, bem como uma maior utilização das tecnologias de genética molecular (por exemplo, o NGS - Next-Generation Sequencing) que permitirá um conhecimento mais profundo das diferentes patologias e uma mais eficaz seleção dos tratamentos, diz José Mário Mariz.