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António Costa Silva: “Para sairmos desta crise temos de olhar para a nossa economia”

Na economia portuguesa existem competências funcionais, há um saber-fazer, mas faltam as competências institucionais, a qualidade média de gestão é baixa, dá-se pouca atenção ao marketing, as vendas, à internacionalização das cadeias de valor, segundo António Costa Silva.

29 de Setembro de 2020 às 14:00
António Costa Silva conversou com o diretor do Negócios, André Veríssimo, sobre o Plano de Recuperação do país. Pedro Catarino
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"Estamos perante a crise das nossas vidas, de uma pandemia que pôs o mundo do avesso, e interroga todos os nossos paradigmas a começar pelos desafios da saúde, da segurança, tem impactos sociais brutais, agrava as desigualdades, torna mais candente a questão da escassez dos recursos, e tem efeitos sobre a retração demográfica, acelera a tecnologia e a conectividade digital", afirmou António Costa Silva, coordenador do Programa de Recuperação Económico-Social 2020-2030, durante o Encontro Fora da Caixa - Caminho da Recuperação, que se realizou no grande auditório da Culturgest, em Lisboa.

Na entrevista, conduzida por André Veríssimo, diretor do Jornal de Negócios, considerou que se "põe em cima da mesa a questão Estado e a revalorização dos serviços públicos". Cita Hannah Arendt para dizer que "perante as crises temos de pensar sem corrimão e isso significa que não nos podemos agarrar às ideias e aos paradigmas do passado". Tem de se olhar para os serviços públicos porque "quando há um choque exógeno como uma pandemia, o Estado e os serviços públicos são a nossa única e última defesa".

Já imaginaram o que teria acontecido se o Estado tivesse privatizado a Saúde e a Caixa? António Costa Silva
Autor do Plano de Recuperação Económica 
António Costa Silva defendeu "a combinação virtuosa entre o Estado e o mercado, em que o Estado funciona tanto quanto é necessário, e o privado tanto quanto é possível", mas acrescentou: "Já imaginaram o que teria acontecido se o Estado tivesse privatizado a Saúde e a Caixa Geral de Depósitos, por exemplo? Numa crise desta dimensão não era o mercado que nos iria salvar, mas sim o Estado e os serviços públicos de saúde." "Os mercados são máquinas incríveis de inovação, de criatividade e de geração de riqueza, mas temos de ter também a regulação do mercado, do Estado e a sua intervenção", concluiu.

A chave das empresas

"Para sairmos desta crise temos de olhar para a nossa economia", disse António Costa Silva. Deu a conhecer estudos que o Laboratório do Crescimento da Universidade de Harvard produz sobre as economias mundiais "e os resultados da economia portuguesa merecem ser pensados". O mapa da estrutura produtiva de Portugal de 2001 a 2018 mostra todos os nossos produtos, estabelece a complexidade da economia. "De 0 a 1 a complexidade da nossa economia está em 0,7 e a riqueza de um país depende da complexidade e da diversidade da sua economia e da sua capacidade de produzir produtos de alto valor acrescentado. Entre 2002 e 2017 e a economia portuguesa conseguiu criar 35 novos produtos e foi a 12.ª economia no Mundo neste aspeto", afirmou o CEO da Partex.

A riqueza de um país depende da complexidade e da diversidade da sua economia. António Costa Silva
Autor do Plano de Recuperação Económica 
Na sua análise decorre que existem competências funcionais, há um saber-fazer, "mas não damos o salto porque nos faltam as competências institucionais, temos de melhorar a qualidade média de gestão em todo o sistema empresarial, damos pouca atenção ao marketing, não sabemos vender os produtos nos mercados globais, e temos de dar mais atenção à internacionalização das cadeias de valor".

"Se hoje não houver uma colaboração e apoio do Estado às empresas rentáveis e competitivas, que estão com dificuldades de tesouraria por causa da pandemia, e estas falirem, vai ser um desastre para a economia portuguesa e a recuperação económica vai ser mais lenta", afirmou António Costa e Silva. "Os apoios à tesouraria das empresas têm de ser feitos agora e tem de se estar atento à sua evolução até à chegada dos dinheiros europeus, além disso, o Estado deve ser um melhor pagador das suas contas."

Modernização do Estado

Revelou ainda a sua preocupação pela queda do PIB, que já estimou que seja entre os 10 e os 12%, pelas moratórias e linhas de crédito que poderão vir a pesar nas imparidades dos bancos. Estes estão a sair de um ciclo de dez anos de recuperação e o crédito malparado ainda tem um grande peso nos seus balanços e sublinhou que "não há economia saudável sem bancos saudáveis". Não deixou de referir que o tecido empresarial se apresenta com empresas descapitalizadas, produtividade baixas, e com uma recuperação da procura externa lenta.


Para António Costa Silva, a modernização do Estado é crucial e a digitalização pode ter um poder de transformação da administração pública, que na sua opinião tem "áreas de grande qualidade, mas outras de péssima qualidade". Considera que está muito "vocacionada para os pareceres, é reativa, e tem de se mudar a relação da administração pública com as empresas". Exige um grande esforço de qualificação para ser mais eficaz e mais ágil.

Sobre a capacidade do tecido empresarial português fazer a execução de 6 mil milhões de euros anuais que Portugal vai receber entre 2021 e 2027 respondeu que se as empresas "deixarem de desperdiçar energias a andarem de organismo em organismo público num desgaste constante para obter uma decisão ao fim de muitos anos", pode ser possível fazer essa transformação.

António Costa Silva deu como exemplo o facto de a administração pública portuguesa não utilizar um mecanismo já previsto na lei que é a conferência deliberativa em que os vários serviços se podem reunir e tomar uma decisão com rapidez. Sugeriu ainda a criação de uma loja do cidadão para as empresas.