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A telessaúde nos privados é para ontem

É um desafio tecnológico porque teve de ser implantada com celeridade e um desafio para os médicos por causa da alteração de processos.

31 de Março de 2020 às 15:00
Há uma resistência à adoção da telemedicina. Francois Lenoir/Reuters
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"A forma mais antiga de prestar serviços de saúde de uma forma remota é o telefone, a telessaúde é feita há muitas décadas com tecnologia que nós conhecemos e está disponível. Muitos dos profissionais o que estão a fazer é, de facto, apoiar os seus doentes recorrendo ao telefone", explicou Micaela Seemann Ferreira.

A responsável do Grupo José de Mello, considera que, se no início da resposta à situação de emergência nacional, que representa a pandemia da covid-19, se fez telessaúde nem sempre de forma organizada, "porque uma coisa é ter serviços de telemedicina organizados com agendamentos, planeamento, outra coisa é fruto da necessidade de não se conseguir contactar fisicamente com o doente, se recorrer ao telefone. O que é, diga-se de passagem, uma forma completamente válida de telemedicina, e há serviços profissionais noutros países que fazem isto há duas décadas".

Nova consulta

Mas é um desafio tecnológico, até pela celeridade com que tem de ser implementado, para que rapidamente comece a funcionar de uma forma organizada um serviço de teleconsulta com recurso ao telefone, ao vídeo e à internet. Mas é também um desafio para o médico por causa da alteração de processos. Começa na área administrativa, com os agendamentos, a criação de salas de espera virtuais, a própria prática médica, que para quem não está habituado a fazer teleconsultas tem uma curva de aprendizagem.

"O que é que eu consigo resolver sem tocar no doente, sem haver uma interação física, sem poder fazer certas medições, até que ponto ir, o que é que posso fazer. Depois já temos ferramentas como a prescrição médica eletrónica, que é uma grande vantagem, o que permite ser resolutiva para os casos", explica Micaela Seemann Ferreira.

O Grupo Lusíadas também teve de atuar rapidamente e numa semana levantaram um contact center clínico que está a suportar internamente os colaboradores e que vai suportar o acesso público, e estão a preparar uma app para as restantes especialidades poderem fazer teleconsulta, informou Luís Vaz Henriques.

"Temos os profissionais de saúde e quem acede e interage com os profissionais de saúde e temos de gerir estas capacidades. O que temos visto é que as soluções aparecem mas não são integradas em serviços e isto obriga a operações completamente disfuncionais e não integradas. Tem de haver uma capacitação mais planeada das pessoas, diz António Maia.

Papel e telefone

A experiência no Hospital da Cruz Vermelha é um pouco diferente. "Estamos a lançar um projeto de telemedicina no âmbito do hard center, que estava no plano estratégico do hospital de aposta em telessaúde. Mas estamos a fazê-lo para doentes em contexto pós-cirúrgico para fazer o acompanhamento, com telemetrias e uma plataforma da Linde, que é uma plataforma do mercado de telessaúde e estamos a fazer a ligação entre doentes pós-cirúrgico e os profissionais do hospital".

Acrescenta que nesta fase está a resumir-se ao telefone. "Fui confrontado com esta necessidade e a nossa maturidade tecnológica não nos permite dar resposta através de uma plataforma. Se o médico der uma consulta por telefone hoje não temos forma de registar essa informação de uma forma organizada. Não existindo esta capacidade neste momento acaba por ser tudo muito ad hoc e temos de ter processos em papel para suportar os registos, a faturação e tudo o que é essencial".


Os médicos e a telessaúde

A telessaúde não é desconhecida dos médicos, mas ainda há um caminho para percorrer, no sentido de ser feita de uma forma organizada no dia a dia clínico.

"Os médicos estão ávidos para ter uma ferramenta para poder continuar a trabalhar. Sempre houve abertura para a telessaúde. Por exemplo, os pediatras são o grupo profissional que mais telessaúde faz, porque através do sms, Whatsapp, telefone, acompanham os seus doentes", refere Micaela Seemann Ferreira.

Mas adianta que, se a telessaúde não é desconhecida dos médicos, ainda há um caminho para percorrer, no sentido de ser feita de uma forma organizada no dia a dia clínico e ser uma das formas de prestar cuidados. Provavelmente será uma forma de medicina que substituirá a tradicional.

"Há uma resistência à adoção da telemedicina, e na SPMS não tínhamos uma cultura impositiva mas mesmo assim impusemos mais coisas do que em muitos outros países. Vamos sair desta situação com os profissionais de saúde portugueses, nomeadamente os médicos, a valorizar muito mais as ferramentas que já tinham, e que muitas vezes já usavam, mas não estavam enraizadas na sua prática" referiu Henrique Martins.

O exemplo mais comum é a receita sem papel em que a percentagem de receitas emitidas totalmente desmaterializadas estava estagnada nos 9 a 10%, mas vai subir para níveis de 20 a 40%, admite Henrique Martins. "Há ferramentas montadas pelas equipas da SPMS ao longo de anos, que vão poder ser utilizadas pelos médicos tanto do público como do privado", sentenciou.