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“O SNS encontra-se num ponto sem retorno e terá provavelmente neste biénio 20/21 a sua maior prova de vida”, sublinha Fernando Araújo, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de São João no Porto. Acrescenta que este “tem enorme potencial se for bem aproveitado. Não podemos é usar as mesmas fórmulas, as mesmas abordagens e as mesmas metodologias para novos problemas, esperando obter os mesmos resultados”.
O gestor hospitalar considera que se não houver inovação na gestão e organização, “o primeiro grande impacto, a médio prazo, será a inversão da curva de esperança média de vida, valor pelo qual tanto lutámos nestes últimos 40 anos”.
“As fragilidades, a falta de integração do sistema, a ausência de autonomia na gestão, as insuficiências orçamentais, a falta de condições de trabalho que leva a taxas de absentismo da ordem dos 10%, são anteriores à covid-19 e criam problemas do ponto de vista da produtividade e da eficiência”, alerta Julian Perelman, professor associado na Escola Nacional de Saúde Pública, que é um defensor do SNS e do financiamento da saúde pública.
Mas salienta que durante o combate ao covid-19 o sistema de saúde mostrou uma grande capacidade de resposta com o Saúde24 a desempenhar um grande papel, depois dos problemas iniciais, a integração de cuidados de saúde pública e até o funcionamento da telemedicina, que se pensava não poder ter o papel que teve de imediato.
“Falamos de um SNS, mas na verdade não há uma rede organizada entre as várias instituições e orientações claras da tutela”, refere Miguel Guimarães (na foto), bastonário da Ordem dos Médicos. O que existe é uma grande vontade no terreno de resolver os problemas das pessoas. “Isso vai funcionando, mas não é forma de se trabalhar, põe uma enorme pressão nos profissionais, com impacto em coisas que também nos preocupam muito, como o burnout e o sofrimento ético.”
Anos de desinvestimento
Para Fernando Araújo, as principais lições a retirar pelos sistemas de saúde do impacto da covid-19 são a necessidade de planeamento adequado, a importância da ciência e do conhecimento, o impacto da logística, a relevância dos recursos humanos, e a diferenciação na gestão e comunicação das crises.
Por sua vez Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), defende que “o sistema de saúde não pode melhorar, deve melhorar. Tem de melhorar. Não lhe resta alternativa nenhuma. A necessidade de reforma do sistema de saúde português é anterior à covid (vejam-se os relatórios da OCDE, da Comissão Europeia, etc., sobre a (in)sustentabilidade do nosso sistema) e a crise só acelerou a necessidade de mudanças estruturais”.
Considera vital que se acabe com o subfinanciamento crónico do SNS, e se adote uma orçamentação plurianual com uma contratualização real e não administrativa dos cuidados de saúde. Defende ainda que haja “uma separação dos papéis do Estado na saúde (financiador, prestador, legislador, regulador, etc.), o que pode, porventura, passar pela criação de um organismo responsável pelas funções de gestão do SNS”. Acha essencial uma maior articulação entre os setores público, privado e social e uma continuidade de serviços em vez da organização em termos de cuidados primários, secundários, continuados, etc.