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O mundo reúne-se em Lisboa, de 27 de junho a 1 de julho, para debater como salvar os oceanos. A conferência mundial pretende exortar os líderes políticos e diferentes stakeholders a aumentar a ambição e a mobilizarem-se para encontrar soluções sustentáveis. Nesta corrida para salvar o mundo, a economia azul surge como o motor que faz o match entre financiadores e projetos que vão explorar os oceanos de forma sustentável.
Em entrevista ao Negócios, António Nogueira Leite, economista e presidente do Fórum Oceano, destaca o potencial catalisador que a Conferência dos Oceanos pode ter na oferta do país na área da economia azul. A Portugal não falta mar, conhecimento, talento, tecnologia e um grande espírito colaborativo.
Quais as suas expectativas para a Conferência dos Oceanos?
O oceano é um tema essencial e tem a ver com a criação de condições para que o futuro seja melhor. Nós, Fórum Oceano, somos um dos dois stakeholders portugueses da conferência, a par da Fundação Oceano Azul. Somos responsáveis pela gestão de uma área de side events oficial, em que vamos ter 77 conferências sobre a economia do mar. Temos visto um interesse muito grande sobre a economia de mar e também em Portugal como destino de investimento, nomeadamente investimento estrangeiro relacionado com o mar. Muitos deles numa fase ainda embrionária. O que acontece é que, para que possamos ser destino desse investimento, temos de ter custos de contexto claros, seja do licenciamento, seja dos processos administrativos, que são um dos calcanhares d’Aquiles da economia portuguesa. E temos de ter uma boa organização. Estamos a trabalhar em muitas vias, nós e muitos outros stakeholders, para ter uma boa organização de ecossistemas de inovação para que seja mais fácil às várias entidades, nomeadamente financeiras, fundos de investimento especializados na economia azul, encontrar projetos empresariais para investir. Portanto, esperamos que, para além dos objetivos essenciais e fundamentais, também possamos contribuir para a intensificação da economia azul em Portugal, para um melhor aproveitamento do mar português e, é claro, para o crescimento da economia.
O ministro dos Negócios Estrangeiros disse recentemente que gostava de ver Lisboa como "a cidade casamenteira" entre investidores e projetos. Também é essa a sua expetativa?
Sim, e é uma expetativa que gostaríamos de ter não só para Lisboa, mas para o país inteiro. Até porque a economia do mar se tem desenvolvido em Portugal de uma forma não muito concentrada, ou seja, existem polos relevantes no Norte, na região de Aveiro e na região de Leiria. O Algarve também tem feito um esforço muito grande, assim como a Madeira, e os Açores estão a começar. Portanto, há muitos projetos e há muita tentativa, quer das autoridades políticas, quer das universidades, quer das empresas, de criar redes colaborativas a nível local, nacional e até internacional.
A economia azul é o motor para conseguirmos salvar os oceanos?
Sim, mas depende muito da forma como o fizermos. Neste momento, os oceanos estão sob pressão, porque são o maior ecossistema da Terra, mas a maneira como nos organizamos em sociedade faz com que muitos resíduos da atividade humana tenham impactos negativos sobre os oceanos. Também a forma como nos movimentamos pelo oceano tem vindo a ter um impacto grande sobre alguns ecossistemas. Nesse sentido, há todo um conjunto de atividades no oceano e fora do oceano que temos de adaptar se o queremos mais sustentável.
E a inovação, a ciência, a tecnologia, como é que casam com a economia nesta solução?
Casam essencialmente porque, se olharmos para muito do financiamento que vai estar presente em Lisboa, eles têm uma preferência muito grande, eu diria quase exclusiva, por investimentos sustentáveis. E isso é o que temos feito em Portugal através do Fórum Oceano nos últimos 12 a 13 anos, ou seja, criar projetos e reconstruir soluções em que estão entidades públicas, entidades de conhecimento e também as empresas. E é nessa simbiose de meios que nós conseguimos encontrar soluções que permitam explorar as riquezas do mar, de uma forma que seja ambiental e socialmente sustentável. Nos últimos anos, as entidades financeiras, nomeadamente fundos de investimento, têm revelado uma preocupação particularmente aguda pela inovação, mas dentro do que seja ambientalmente sustentável. Nós sabemos que os valores económicos e ecológicos dependem da saúde do ecossistema marinho. Portanto, também há muitos projetos que podem ter valor económico e que têm como alvo essencial proteger ecossistemas marinhos e costeiros. Ou tirar partido de recursos que existam sem os prejudicar. Vou dar um exemplo. Nós estamos a participar num projeto solicitado pelo Governo Regional da Madeira que tem a ver com a forma de manter viável o ecossistema das Ilhas Selvagens, através de instrumentos que possam ser monetizáveis. Ou seja, há ali um valor económico. É preciso ver como é que se consegue financiar a atividade.
E como é que se consegue?
Ainda não temos o estudo completamente terminado, mas a ideia é conseguir encontrar uma forma para, quando interviermos, o façamos de uma forma que tenha em conta todos os impactos numa perspetiva ESG, ou seja, económica, social e ambiental. Ou seja, antes de promover qualquer atividade, mesmo que seja turismo de mar sustentável, saber quais são as formas de financiamento para obrigar a que todas as atividades aconteçam sem pôr em causa o ecossistema. Isto é relativamente inovador e é uma perspetiva moderna de olhar para esta questão.
Ou seja, sem se monetizar, poderemos não conseguir proteger o oceano?
Podemos não ter os meios. Portanto, temos de encontrar formas de, porque penalizamos determinadas atividades, criar benefício para outras.
E quando é que vamos ter os resultados desse estudo?
Será durante este ano.
Falava há pouco que os investidores estão muito interessados em investir na economia do mar. Já é possível saber o volume de investimento que poderá circular em Lisboa?
Existe um potencial muito grande, mas não tenho quantificação de projetos concretos. De qualquer maneira, temos investidores muito diversificados. Temos fundos de investimento normais, fundos de investimento especializados, organizações internacionais, como o Banco Europeu de Investimentos, family offices da América do Norte e da Europa. Mas isto não é um fecho de contratos da Agência Portuguesa de Investimento, estamos a criar condições para que a prazo esses contratos se materializem.
Poder mostrar todas as nossas potencialidades é uma oportunidade única para Portugal?
Sem dúvida. Embora já estejamos envolvidos em muitos projetos de âmbito internacional. Mas concordo inteiramente consigo. Isto é uma janela de oportunidade única para abrir portas ou para consolidar relações que vêm de trás. Vai dar uma visibilidade muito grande. É evidente que o que vai ter mais visibilidade é a parte cerimonial e política, mas é este trabalho de formiga que vai ser feito nas partes laterais da conferência que pode gerar mais meios para as nossas empresas, para os nossos centros de investigação.
Que potencialidades tem Portugal para vingar neste mundo novo de oceanos sustentáveis?
Temos o recurso, que é uma coisa rara. Temos também alguma tradição em certas atividades e temos vindo a desenvolver trabalho de uma forma quase silenciosa ao longo dos últimos 15 anos. Há um conjunto muito grande de entidades, sejam autarquias, entidades universitárias, centros de investigação e empresas, que criaram vários projetos em que têm interagido. Nós temos em Portugal pessoas muito qualificadas e com muita experiência, não só na economia do mar, como também em projetos transformadores, que resultem da colaboração entre as universidades e as empresas. E por outro lado nós também temos players grandes da economia portuguesa que são importantes na economia do mar. Vou dar um exemplo que nunca analisamos nessa perspetiva. A EDP, através da EDP Renováveis, tem 50% do maior operador mundial de eólica offshore, que é a OW - Ocean Winds, em parceria com a ENGIE. Esse projeto é o resultado de muitos anos de trabalho silencioso. Foi feito na nossa costa, beneficiou de parceiros internacionais, mas também de muito conhecimento local. Portanto, Portugal é visto como tendo muita costa, uma plataforma continental gigante que pode ainda ficar maior. Não temos capital e as pessoas sabem, mas temos muitas oportunidades e temos tecnologia, temos o recurso e temos muitos anos de experiência colaborativa que também é um ativo importante.
Falando nas áreas em que Portugal pode ser competitivo. Já falou nas eólicas offshore, que outras destacaria?
Na alimentação, se tivermos sucesso nalguma aquacultura offshore. Há vários projetos que estão a ser testados na nossa costa. Também temos boas capacidades em biotecnologia. Temos bons técnicos, boas escolas e pessoas com boas ideias. Sabemos que a alimentação humana no futuro vai depender do aproveitamento dos ecossistemas marinhos. Aí a nossa capacidade é importante e acho que há aí muitas oportunidades. Portugal parte com algumas vantagens que têm a ver com a localização, com o conhecimento e com muitos anos de experiência aplicada nesta área. Também as atividades portuárias podem beneficiar. Há mais, mas estas três são óbvias no sentido em que poderemos de facto fazer a diferença e ter um papel mais relevante.
Muitos projetos, muitas ideias, mas é preciso investimento para as concretizar.
É e já existem algumas coisas no terreno, mas não têm é ainda grande expressão. Mas isto casa com outras iniciativas. Por exemplo, a economia azul depende muito do quanto conseguiremos digitalizar. A digitalização também é uma aposta grande do país, pelas condições que tem, pelos meios humanos que tem e que vai tentar atrair. Se nós conseguirmos casar essas duas forças, melhor para a economia do mar. Enfim, falta-nos capital, mas já conseguimos chamar a atenção do capital para o que aqui existe e esse é um passo importante. Agora, algumas das iniciativas que já existem têm de escalar. Acho que estamos nas condições ideais para que, tendo os projetos mérito, o possamos fazer, porque criámos as condições para chamar a atenção.
O Fórum Oceano vai organizar o One Sustainable Ocean como evento paralelo, na Conferência dos Oceanos. Qual é o objetivo?
A ideia é basicamente ter uma discussão sistemática sobre as oportunidades da economia azul e sobre a importância da colaboração entre os diferentes stakeholders. E, claro, "vender" que Portugal é um sítio ótimo com competências importantes para atrair investimento e para potenciar o investimento que já existe na economia azul. Por outro lado, temos as instituições públicas e privadas num bom diálogo. Não é caça ao subsídio, porque não tem havido muito dinheiro para a economia do mar, mas há o que acho que é mais importante que é um diálogo frutuoso e colaborativo entre as entidades universitárias, as autarquias, o próprio Governo e os players privados nacionais e estrangeiros. Portanto, começamos a ter os ingredientes para arrancar de uma forma mais visível.