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Desafiado a falar sobre a importância das PME Líder enquanto motor da economia nacional na abertura da primeira PME Líder Talk, que decorreu esta semana no Convento de S. Francisco, em Coimbra, Paulo Portas traçou um cenário de oportunidades e de riscos nos atuais contextos geopolítico e geoeconómico.
Portugal atingiu os níveis de crescimento de 2019 ainda em 2022 graças a quatro fatores enumerados pelo vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP): Turismo, compra de ativos por estrangeiros, mix energético sem dependência russa, e a aplicação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Paulo Portas explicou que estes fatores ajudam a economia nacional a recuperar, mas também a evitar o risco de recessão que ainda paira sobre a Europa. Apesar de, como ironiza, "alguns não estarem satisfeitos com a afluência turística e com o investimento estrangeiro em Portugal, estes fatores são incontornáveis para manter a economia nacional dinâmica e em crescimento".
Em 2022, recordou Paulo Portas, o setor do turismo conseguiu os números mais altos de sempre, representando 18% do PIB
No caso do turismo, a segurança do país, o clima e a oferta em geral continuam a ser atrativos importantes. Em 2022, recorda Paulo Portas, o setor conseguiu os números mais altos de sempre, representando atualmente cerca de 18% do PIB nacional, e com tendência a aumentar. O alojamento local, que representa já mais de metade da oferta turística para as estadias, tem sido igualmente uma das áreas que mais atraem clientes, mas também investidores estrangeiros, nomeadamente fundos de investimento imobiliário. Aqui, os fatores de atratividade são os mesmos, acrescidos de outros como a qualidade dos recursos humanos e a estabilidade política.
Sobre o mix energético nacional, o vice-presidente da CCIP acredita que é um fator essencial para a estabilidade económica, servindo também para evitar um descontrolo de preços como acontece noutros mercados europeus. "As economias europeias são as que mais sofrem com a proximidade da guerra na Ucrânia essencialmente porque são importadoras líquidas de energia", diz. Em Portugal esta dependência é mínima, uma vez que o país se abastece maioritariamente nos Estados Unidos e na Nigéria. "Este posicionamento permite, apesar dos preços atuais mais altos, atingir valores mais elevados", reforça Paulo Portas.
Vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP)
O quarto fator que considera essencial para afastar o fantasma da recessão em Portugal é a "oportunidade de investimento única" oferecida pela aplicação dos fundos do PRR. Mas, alerta que para valer a pena é fundamental que a sua aplicação seja real e útil para a economia e para as empresas. "São fundos que não se repetem, são extraordinários, e exigem, por isso, que a sua aplicação seja competente e eficiente", defende. Um papel que cabe ao Estado monitorizar e acompanhar para que nada tenha de ser devolvido. Paulo Portas recorda que o impacto de uma correta aplicação do PRR poderá chegar aos 0,7% do PIB, uma percentagem que pode parecer reduzida, mas que "é muito relevante".
Capitalização das PME
O vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP) recordou que a capitalização das PME é o ponto de partida para dinamizar o investimento, especialmente num tempo de incerteza como o que vivemos, sem o qual não é possível assegurar o crescimento, e a sua expansão internacional. As PME Líder têm de saber lidar com a imprevisibilidade, a volatilidade e a assimetria das crises globais, considerou.
Mas também há riscos que não podem ser descurados. "É preciso cuidado com o fim do triângulo de conforto a que os empresários se habituaram", alerta. Inflação inexistente, juros baixos e dívida pública controlada são, na perspetiva de Paulo Portas, fatores que compunham um cenário que já não existe nem deverá voltar a curto prazo. O resultado prático para as PME são desafios de tesouraria adicionais, nem sempre fáceis de gerir.
O risco da "desglobalização"
A desaceleração dos negócios entre os diferentes blocos económicos mundiais durante a pandemia travou a globalização galopante a que o planeta assistia há cerca de 40 anos e fala-se agora num fenómeno de "desglobalização", que Paulo Portas prefere apelidar de fragmentação porque, explica, "é uma espécie de regionalização da globalização". Ou seja, cada vez mais, blocos económicos como a China, os Estados Unidos e até a União Europeia, estão a fazer negócios mais localizados o que afeta o crescimento económico global a que o mundo assistia desde a década de 70 do século passado. Recorde-se que, em 1975, as transações económicas globais representavam 31% do PIB mundial e, vinte anos depois, este número crescia para os 43%. Um crescimento ininterrupto até 2008, ano em que a desaceleração destas trocas comerciais começou a notar-se. Atualmente, o peso da globalização no PIB mundial ronda os 57%.
Mas, porque que é que este movimento é um risco para algumas economias? Paulo Portas explica: "Empobrecemos com a desglobalização." Esta fragmentação nos negócios globais põe em risco as economias mais viradas para as exportações, como as da UE. "Não vejo vantagens para os europeus", exemplifica o vice-presidente da CCIP, que, contudo, não acredita que esta possibilidade se concretize, pelo menos a uma escala planetária. "Não há 200 países a ficarem idiotas ao mesmo tempo", aponta.
A recuperação das economias no pós-covid também se faz a diferentes velocidades, e muito por força desta fragmentação de que fala Paulo Portas. A China lidera, tendo sido o primeiro bloco económico a voltar a níveis de crescimento económico comparáveis a 2019, seguida dos Estados Unidos e só depois da União Europeia. Aqui, a velocidade de recuperação também é distinta entre os diferentes Estados-membros, com as maiores economias a recuperar apenas em 2023.
Apostar na inovação
O reforço da competitividade nacional através de um setor empresarial forte é ainda mais importante no atual contexto internacional. Um país da dimensão de Portugal tem de apostar na vertente exportadora das empresas para crescer e, por isso, defende Paulo Portas, as PME Líder devem funcionar como o motor da internacionalização. A inovação é um elemento crucial para suportar o desenvolvimento de produtos e serviços de qualidade e atrativos, que tenham apetência noutros mercados.
Na opinião do vice-presidente da CCIP, Portugal pode ter um papel relevante a nível europeu no que se refere à inovação, e contribuir para que a Europa não perca mais terreno a este nível, face aos Estados Unidos ou à China, que representa 20% do crescimento real do mundo. Aliás, entre 44 fatores críticos na alta tecnologia, analisados pela Austrália, a China lidera em 37, comparativamente com os Estados Unidos. "Basta ver que nas 11 maiores tecnologias do mundo, seis são americanas e cinco chinesas", aponta. Em todos estes aspetos, a Europa fica atrás dos restantes blocos económicos.
Adicionalmente, explica Paulo Portas, a China ultrapassou os Estados Unidos em exportações, uma posição de liderança que alcançou em duas décadas, essencialmente pelo investimento forte na inovação, em que lidera também no número de patentes registadas. Por ano, o gigante do Oriente regista cerca de 10 mil patentes a mais do que os Estados Unidos, que liderou até 2018. Já na Europa, os únicos países que investem mais de 3% em investigação e desenvolvimento (I&D) são a Bélgica e a Finlândia. É por isso que, defende o responsável da CCIP, "a relação entre ciência e indústria é fundamental para manter a União Europeia competitiva". Uma vez mais, insiste, "Portugal pode ter aqui um papel importante".