Entre 2008 e 2015 aumentou o número de empresas que entrou em processos de insolvência. Nesse espaço temporal, houve uma fase de crescimento de imparidades, de Processos Especiais de Revitalização (PER) e insolvências. Uma situação que obrigou a uma maior intervenção das empresas de leilão para a valorização dos bens e ressarcimentos dos credores.
Neste cenário, os leilões apresentaram-se como um mecanismo importante nos atos de liquidação empresarial, de execuções judiciais e de insolvências.
A atividade leiloeira conheceu um crescimento importante, fruto dessa conjuntura económica menos favorável. O aumento da procura da atividade leiloeira fez com que várias entidades, sem preparação nem idoneidade para desempenhar essa função, atuassem no mercado, prejudicando em alguns casos os interesses públicos e privados.
Atento a esta realidade e de forma a garantir a fiabilidade das empresas leiloeiras e a proteção dos interesses de todos os que com elas se relacionam, foi necessário criar um quadro regulamentador específico que estabelece um conjunto de requisitos considerados essenciais para a atividade leiloeira.
O regime jurídico da atividade leiloeira encontra-se estabelecido no Decreto-Lei n.º 155/2015, de 10 de agosto, que entrou em vigor no dia 21 de setembro de 2015. Estabeleceu regras que devem ser cumpridas no exercício da atividade leiloeira, designadamente a obrigação de redução a escrito dos contratos de prestação de serviços de leilão, a tipificação de um conjunto de deveres da empresa para com os clientes e destinatários, algumas obrigações de registo e de publicitação de informação, bem como regras aplicáveis aos leilões eletrónicos, cuja realização é cada vez mais frequente.
Estabelece requisitos de idoneidade e de qualificação e exige-se a obtenção de uma autorização prévia de atividade atribuída pela Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE), que tem também a responsabilidade de organização e registo das empresas leiloeiras e a disponibilização no seu site da listagem das empresas leiloeiras autorizadas a exercer a atividade e dos respetivos estabelecimentos de atendimento ao público.
Para responder aos requisitos e ao novo enquadramento legal, várias leiloeiras criaram a Associação Portuguesa de Estabelecimentos de Leilão (APDEL). O presidente da associação, Carlos Gomes, explica que os leilões existem há muito tempo como uma forma de valorizar ativos. A APDEL resulta de uma viragem no capítulo da vida leiloeira em Portugal, em 2015, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 155/2015. Essas regras bem definidas serviram para profissionalizar a atividade leiloeira em Portugal. "Fez sentido criar uma associação para garantir que a atividade e o regulamento são respeitados, e que as empresas que operam no mercado dão as garantias necessárias nas áreas em que atuam".
A área de negócio com maior relevo para as associadas da APDEL é a parte judicial. Esse foi o motivo pelo qual estas empresas se juntaram para criar regras, formas de estar no mercado e procedimentos que os associados respeitam e trazem bons resultados. A associação conta com um total de 15 associados. "Até há relativamente pouco tempo, havia quatro ou cinco leiloeiras. A atividade tem crescido e há vários pedidos de adesão", diz Carlos Gomes, que acredita que até ao final de junho podem contar com um total de 30 associados que respeitam as regras e os requerimentos estabelecidos no decreto-lei que regula a atividade, de um total de 150 leiloeiras registadas em Portugal.
Para desenvolver o tema da atividade leiloeira, o Negócios em Rede convidou os representantes da APDEL e da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ) para abordar a importância desta modalidade que ganha cada vez mais espaço e reconhecimento junto da justiça e na resolução e celeridade de vários processos judiciais.
Venda mais rápida de ativos
Os administradores judiciais reconhecem o papel que as leiloeiras desempenham na economia nacional proporcionando uma alternativa de capitalização através da remodelação e venda de ativos como forma de obter liquidez, reduzir custos e abrir caminho a novos investimentos.
Com 280 associados, de um universo de cerca de 350 administradores judiciais existentes em Portugal, a missão da APAJ é a defesa intransigente dos interesses dos administradores judiciais e do interesse público em geral. Envolvendo-se nos domínios dos processos de insolvência, PER e dos Processos Especiais para Acordo de Pagamento (PEAP) das pessoas singulares, tem defendido medidas que produzem efeitos na economia nacional, na celeridade dos processos de insolvência e, consequentemente, na rapidez com que os credores recebem os respetivos créditos.
Inácio Peres, presidente da APAJ, sublinha que "os processos que predominam são os de insolvência". Os processos especiais de revitalização tiveram o seu período auge entre 2012 e 2018, mas com a alteração legislativa ocorrida no ano passado, os processos de revitalização diminuíram substancialmente. Por outro lado, aumentaram os PEAP, que não existiam. Recorrer ao processo especial de revitalização tornou-se muito mais exigente.
Justiça mais célere
Uma das reivindicações mais recentes da APAJ é o acesso dos administradores judiciais ao portal Citius, a aplicação de gestão processual nos tribunais judiciais portugueses. Inácio Peres reconhece que esse acesso foi dado recentemente, mas a associação entende que é um acesso ao Citius relativo, mais próximo do acesso que os magistrados têm do que o dos advogados.
"É mais seguro, mas com muitas limitações funcionais, atendendo a que só permite a comunicação diretamente com os tribunais e dos tribunais com os administradores judiciais, não permitindo a notificação dos intervenientes processuais dos advogados e das partes", explica o presidente da APAJ.
A reivindicação de um acesso mais amplo é um pedido de longa data. "A funcionalidade de notificação às partes está prometida, a APAJ aguarda, a todo momento, poder iniciar essas notificações simultâneas aos mandatários." Para o presidente da associação, esta notificação simples permite tornar os processos mais rápidos. Se permitir a notificação em simultâneo aos mandatários, possibilita que as partes conheçam os requerimentos que o administrador faz ao processo e permite que o administrador judicial também os conheça no momento. Numa questão de minutos. Se o advogado de uma parte, credor ou devedor, der entrada de um requerimento no processo, o administrador judicial só tem conhecimento do mesmo quando comunicado pelo tribunal.
No caso dos tribunais mais morosos, podem passar-se meses ou até mais de um ano, sem que o administrador tenha conhecimento do requerimento de um advogado e vice-versa. Por este motivo, a APAJ entende que "o acesso a essa notificação dos intervenientes é essencial para dar mais celeridade aos processos".
Acesso a bases de dados públicas
Outro aspeto fundamental para o interesse público e para a rapidez da tramitação dos processos é o acesso às bases de dados públicas, nomeadamente da Autoridade Tributária. Por lei, os administradores judiciais estão equiparados aos agentes de execução, que já têm acesso a essa base de dados há vários anos. Os administradores judiciais possuem acesso, mas não de forma eletrónica e com a celeridade que se impõe. Há muitas limitações de acesso, nomeadamente na administração tributária, que alega sigilo para não fornecer informação sobre os contribuintes.
"Para os administradores judiciais não pode existir esse sigilo, porque devem ter conhecimento de todo o património dos contribuintes para poder ser incluído nos processos de insolvência e vendido para satisfazer o interesse dos credores", diz Inácio Peres, sublinhando que o acesso ao portal Citius com a possibilidade de fazer notificações a todas as partes e o acesso eletrónico às bases de dados públicas "são duas questões primordiais para tornar os pagamentos mais rápidos".
O acesso às bases de dados públicas é uma promessa de há uma década. Em maio de 2018, o governo publicou a lei que permite aos administradores ter acesso às bases de dados públicas. Essa lei carece, como muitas vezes acontece, da regulamentação através de uma portaria. A última estimativa dada à APAJ é que a portaria será publicada no segundo trimestre de 2019.
Onde reside o problema? A associação diz que "apesar de a portaria estar elaborada, não conhece nem o seu teor nem foi objeto de discussão pública". O problema, tanto quanto se sabe, está nos meios técnicos que ainda estão a ser discutidos. "É o velho problema de querer tudo e não se concretizar nada", acrescenta Inácio Peres. A pretensão do atual governo é ir mais longe e, além de permitir o acesso às bases de dados públicas, é conseguir um sistema de tramitação dos processos que permita a fiscalização online dos processos, como acontece com os agentes de execução. A APAJ defende há vários anos a criação de uma espécie de SISAE, como existe para os solicitadores e agentes de execução.
No caso dos administradores judiciais, chamar-se-ia SISAJ – Sistema de Suporte à Atividade dos Administradores Judiciais. Este é um tema mais complexo, que envolve mais meios técnicos e obriga a uma maior ponderação. "Como o governo está centrado nesse objetivo mais amplo, acaba por não solucionar questões prioritárias como o acesso dos administradores judiciais às bases de dados públicas. Querem interligar tudo e acabam por adiar a solução dos dois problemas."
Benefícios associados à atividade das leiloeiras
O leilão conquistou o seu espaço na economia ao trazer rapidez, eficiência e transparência nos processos de venda. Além de ser uma modalidade incontestável na área judicial, várias empresas e a própria banca encontraram nos leilões uma forma de rentabilizar os seus ativos.
"O governo anterior e o corrente entenderam que a atividade leiloeira era fundamental para acelerar e trazer resultados para a economia", diz Carlos Gomes, que acrescenta que a revisão feita ao Código Civil, substituindo a modalidade de venda de ativos em carta fechada pelos leilões eletrónicos, trouxe "mais transparência a todos os processos".
Para as empresas, os leilões foram uma forma de encontrar liquidez vendendo ativos que não são estratégicos nesse momento. O leilão é um serviço que valoriza rapidamente esses ativos e com bons resultados. A banca também recorre aos leilões como um mecanismo que permite introduzir liquidez com a venda de ativos que recuperaram no incumprimento dos créditos.
O presidente da APDEL identifica dois momentos distintos no mundo dos leilões. Um primeiro relacionado com o período compreendido com os anos da crise económica profunda, em que não era fácil vender. Não existia procura e os leilões foram um dos meios que permitiram vender ativos, promovendo e encontrando mercados-alvo que estivessem interessados em adquirir esses objetivos.
A partir de 2018, com a melhoria da economia, houve um aumento natural da procura de ativos. Em grande parte dos casos, o ativo no leilão eletrónico é transacionado por um valor muito superior ao valor obtido com uma venda direta.
"O leilão veio para ficar." Quem o diz é Carlos Gomes. A atividade profissionalizou-se e há cada vez mais ferramentas. Os estabelecimentos de leilão, desde 2015, que fazem leilões eletrónicos. "Se antigamente um estabelecimento de leilão fazia em média duas sessões por semana de leilões, hoje faz 30 a 50 leilões por dia. Em média, por dia, devem ser feitos 200 a 300 por cada estabelecimento de leilão. O serviço está massificado, gerando um importante volume de negócios de bens transacionados", acrescenta o membro da APDEL.
De acordo com dados da associação, o valor anual de bens transacionados pelas leiloeiras ascende a dois mil milhões de euros, um valor muito relevante, especialmente, em matéria de recuperação de massa falida.
"Estes valores mostram a relevância económica da nossa atividade e a importância que as leiloeiras assumem ao recuperar todos os anos centenas de milhões de euros para os credores, sem custos para a massa insolvente."
Valorização do leilão eletrónico
A importância do leilão eletrónico, em sentido amplo e não restrito ao e-leilões, é defendida pela APAJ, atendendo ao sucesso alcançado com esta modalidade. "O e-leilões foi uma boa iniciativa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), que levou à homologação da única plataforma, embora existam vários leilões eletrónicos, de várias leiloeiras, que podem ser utilizados."
Esta plataforma não foi imposta aos administradores judiciais, foi sugerida como modalidade preferencial de venda, tendo sido utilizada pelo menos uma vez, por cerca de 30% dos administradores judiciais. O que a APAJ constata destas experiências é que "o portal e-leilões não foi desenvolvido para responder aos processos de insolvência, mas para os processos de execução. Faltam especificidades que se impõem para satisfazer os processos de insolvência", diz Inácio Peres.
A adesão dos administradores judiciais não é muito positiva ao e-leilões porque entendem que não se adequa à função. Existem mais plataformas e o administrador tem a liberdade de escolher a plataforma de leilão eletrónico que entender ou outra modalidade diferente.
A associação registou em 2018 a marca de leilões eletrónicos AI-Leilões, com o objetivo de criar uma plataforma específica para os processos de insolvência que sirva os administradores de insolvência (AI).
O objetivo da iniciativa é claro: tornar as vendas mais rápidas, com a mesma segurança e transparência que existe no e-leilões. A base da plataforma é a mesma. A ideia foi apresentada à ministra da Justiça em maio do ano passado. Houve recetividade, mas a resposta oficial foi que "o governo não levará a cabo a criação de plataformas alternativas ao e-leilões, mas que iniciativas de outras entidades serão devidamente acompanhadas, mas não condicionadas". Na prática o que é que isto quer dizer? Que se permite avançar e desenvolver outras plataformas. O governo não se opõe, mas não homologa, mantendo em parte o monopólio criado com o e-leilões.
"Os monopólios não são positivos. A concorrência é salutar. Não é só uma questão de concorrência, é uma questão de ter plataformas e ferramentas tecnológicas que respondam e facilitem os processos e especificidades das funções inerentes a cada atividade", diz Inácio Peres. Mantendo a coerência do discurso, a APAJ defende a concorrência e não se opõe à criação de outras plataformas eletrónicas.
APDEL prepara agregador de leilões
Há sempre forma de melhorar e de alcançar mais eficiência na atividade dos leilões. Neste momento, para responder melhor às exigências do governo, a APDEL está a preparar um portal informático que servirá como um agregador de leilões das leiloeiras associadas.
A associação convidou a APAJ para participar nos processos de definição dos trâmites processuais da nova plataforma agregadora de leilões, para que esta seja mais célere e transparente, permitindo trazer para uma única plataforma tudo o que é necessário para ressarcir todos os lesados nos processos de dívida. A plataforma estará pronta para apresentação ao mercado em junho.
A APAJ agradece o convite, mas o seu presidente diz que "não se deve confundir a atividade dos administradores judiciais com a dos OASE, nem com outros setores como o das leiloeiras".
Carlos Gomes puxa dos galões e refere que o princípio da especialização conta para a eficiência e não faz sentido criar e delegar em entidades públicas funções que impedem o aparecimento de iniciativa privada. Para o representante das leiloeiras, "nem um agente de execução está vocacionado para vender, nem um administrador judicial está especialmente vocacionado para vender", diz. E acrescenta: "Ambos possuem um amplo conjunto de outras responsabilidades, a jusante e a montante, que absorvem completamente a atividade do administrador."
A APDEL entende, assim como vários juristas, que a atividade leiloeira está perfeitamente regulada no Decreto-Lei n.º 155/2015, no qual se diz que um leilão é um ato que resulta da ação desenvolvida por uma leiloeira. Portanto, "leilões são leilões. As únicas entidades licenciadas pela Direção-Geral das Atividades Económicas que os podem fazer são as leiloeiras."
O presidente da APDEL sublinha que uma ordem profissional, como a OSAE, não pode desenvolver a atividade leiloeira. Não está certificada, está fora das suas atribuições e, como tal, está a atuar à margem da lei. Esta situação já foi contestada em sede própria, com a apresentação de uma queixa na Autoridade da Concorrência e uma ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.
De acordo com Carlos Gomes, "um ativo transacionado numa leiloeira é vendido, em média, 15% acima do valor que recebe no e-leilões". Para ele, o único mérito da plataforma e-leilões foi o despertar a tutela para a vantagem do leilão em detrimento da modalidade preferencial que era a carta fechada. O presidente da APDEL reitera a crítica de a OSAE ter um negócio assente numa atividade que não está autorizada para o fazer.
A pergunta que se impõe é saber quem fica com as receitas do e-leilões? Tanto quanto a APAJ apurou, "a OSAE recebe as receitas dos processos e as despesas são pagas pelos administradores judiciais", uma situação inaceitável, no entender de Inácio Peres.