O Governo português apostou recentemente na nova fileira de hidrogénio, com a aprovação da EN-H2 que prevê a instalação de 2 a 2,5 GW de eletrolisadores até 2030. No solar fotovoltaico, foram realizados dois leilões de reserva de capacidade de injeção na rede elétrica de serviço público. São ações que Pedro Amaral Jorge considera de grande importância, mas importa ir mais além. Em entrevista ao Negócios, o CEO da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) diz ver com bons olhos o Green Deal europeu, mas lembra que Portugal está ainda no início de uma longa caminhada.
As energias renováveis são uma aposta efetiva do Governo português?
Enquanto parte integrante da União Europeia, o Governo português, à semelhança dos seus congéneres europeus, tem estabelecido uma estratégia para o clima e para a energia em linha com os acordos internacionais assumidos, impondo metas para dar resposta ao Acordo de Paris, que pede um esforço mundial na redução de emissões de GEE para, a longo prazo, limitar o aumento da temperatura média global a níveis bem abaixo dos 2 °C.
Mas há medidas concretas?
A elaboração e aprovação do RNC 2050, do Plano Nacional de Energia e Clima para 2030 e da Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2). O Governo português recentemente apostou também, e, a nosso ver, bem, na nova fileira de hidrogénio, com a aprovação da EN-H2, na qual está prevista a instalação de 2 a 2,5 GW de eletrolisadores até 2030.
De forma a fomentar também o desenvolvimento da tecnologia solar fotovoltaica, o Governo português promoveu já dois leilões, em 2019 e 2020, de reserva de capacidade de injeção na rede elétrica de serviço público. O Governo prevê que as poupanças dos dois leilões solares para os portugueses sejam de cerca de 1,2 mil milhões de euros na fatura da luz.
Para além disso, fortes desenvolvimentos têm sido identificados ao nível do solar descentralizado, com a adaptação e adequação da regulação e legislação nacional para a introdução de novos atores, como é o caso das comunidades de energia renovável, os autoconsumos coletivos e os sistemas de armazenamento, bem como a agilização e permissão de projetos com estruturas inovadoras, que serão testados e avaliados enquanto projetos-piloto.
E que medidas falta tomar?
Resta ainda muito por fazer. É necessário identificar e implementar soluções concretas para resolver os problemas e ultrapassar as barreiras que o setor enfrenta. Implementar medidas como a criação de um ponto único de contacto no processo de licenciamento, a expansão e adequação da rede elétrica para tornar exequível o cumprimento das metas de capacidade e o reforço e desenvolvimento das entidades administrativas, essenciais ao crescimento do setor.
Como olha para o Green Deal?
A APREN vê com bons olhos o European Green Deal. Contudo, a existência do Green Deal por si só não é suficiente. É necessária a criação de estratégias assentes nos princípios European Green Deal a nível europeu e nacional, e a total adaptação das metas e do quadro regulatório em linha com a nova ambição europeia global de redução dos GEE em 55% em relação a 1990. Foram já promulgadas uma série de novas estratégias europeias que formulam esta ambição, prevendo-se em 2021 a revisão das metas e objetivos dos Estados-membros constantes nos atuais Planos Nacionais de Energia e Clima para 2030 (PNEC 2030), para garantir a total conformidade com os novos objetivos da União de redução de emissões até 2030.
E Portugal está no bom caminho para cumprir estas metas?
Estamos no começo do caminho e com as metas adequadas. Também as recentes medidas e desenvolvimentos do setor apontam para aí. Mas como já temos vindo a referir, temos de adicionar ao sistema eletroprodutor até 2030 cerca de 15.000 MW de nova potência/capacidade renovável. É um desafio enorme e requer um alinhamento generalizado de todos os stakeholders do setor, desde o Governo ao municípios, passando por todas as entidades oficiais chamadas a pronunciar-se e/ou aprovar todo o complexo processo de licenciamento de uma central de produção de eletricidade. Parece-nos que estes mesmos stakeholders deverão ter as suas organizações dedicadas à transição energética devidamente redesenhadas em termos de processos e sistemas de informação, dimensionadas com o número adequado de profissionais e capacitadas às reais e futuras necessidades do setor, por forma que se reúnam as condições necessárias ao cumprimento das metas. É necessário formular, simplificar e executar.
De que forma a pandemia veio impactar este setor?
Observou-se uma significativa redução no consumo de eletricidade, que, por sua vez permitiu que a eletricidade renovável aumentasse a sua produção em comparação com a fóssil, tendo como consequência a redução dos preços do mercado grossista. A inferior utilização de combustíveis fósseis permitiu uma redução abrupta das emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor eletroprodutor. Observou-se também o phase-out precoce das centrais a carvão.
O papel da APREN
A Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) desenvolve trabalho em conjunto com organismos oficiais e outras entidades congéneres, a nível nacional e internacional, constituindo um instrumento de participação na elaboração das políticas energéticas para Portugal. Ao mesmo tempo, a associação promove o aproveitamento e a valorização dos recursos renováveis nacionais para produção de eletricidade.
Em termos institucionais, a APREN privilegia uma coordenação e permanente contacto com o Governo, ministérios da tutela e respetivos organismos, bem como um diálogo com os principais stakeholders nacionais ligados à produção de eletricidade renovável e representantes da sociedade civil.
Meio ambiente pede ação rápida e intensa
Quando falamos em energias renováveis temos, necessariamente, de falar também de uma maior preocupação com o ambiente e de um país mais verde. Mas será que os portugueses e as organizações nacionais estão, realmente, mais conscientes destes conceitos? Pedro Amaral Jorge, CEO da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), defende que "existe sim uma crescente preocupação e exigência". E se, durante anos, falámos das alterações climáticas como uma coisa de futuro, "atualmente sentimos já vários destes efeitos, que afetam também a perceção das pessoas".
Pedro Amaral Jorge acredita que, "o facto de a União Europeia ter colocado o assunto no centro da sua estratégia e na utilização dos fundos para a recuperação da economia" contribuiu para que o assunto, "e bem, esteja cada vez mais presente na vida de todos nós".
Mas, apesar de este conceito de um planeta mais verde já começar a estar enraizado em Portugal, a verdade é que há ainda "muito trabalho a fazer". O CEO da APREN sabe que "já percorremos bastante caminho, mas as manifestações do planeta resultantes das alterações climáticas e as suas consequências ambientais e socioeconómicas continuam numa tendência de aumento". Assim sendo, "agir rápida e intensamente torna-se cada vez mais premente".
O futuro depende de todos nós
Por outro lado, é preciso também perceber que, a par da responsabilidade das autoridades governativas em criar políticas e estratégias direcionadas para o objetivo da neutralidade climática, "cabe também a cada um de nós, enquanto cidadão, rever os nossos hábitos de consumo e comportamentos quotidianos e torná-los o mais sustentáveis possível". Nesse sentido, Pedro Amaral Jorge fala em "consciencializar e educar sobre a imperiosa necessidade de descarbonizar a economia e a sociedade de forma contínua".
Assim, quando falamos dos cidadãos, as palavras-chave são "esclarecer", "simplificar" e "educar". A verdade é que "continuam a existir pessoas que não reciclam, por exemplo, embora já tenham existido várias campanhas de sensibilização e consciencialização sobre o assunto". É por isso cada vez mais determinante continuar a criar e a divulgar conhecimento sobre o assunto "e consciencializar, e incentivar, os cidadãos a pensar no médio-longo prazo". Da mesma forma, o CEO da APREN considera que se torna de especial relevo poder "identificar os benefícios e os impactos ambientais e socioeconómicos" das escolhas de cada um de nós "nas gerações futuras".
2021 em perspetiva
A olhar para o futuro, 2021 perspetiva-se como "um ano de arranque de uma nova era", com a transição climática no centro, como motor de transformação "de uma sociedade mais sustentável e resiliente". É também "o ano de início de implementação de um modelo de desenvolvimento económico assente na redução de emissões de GEE", na economia circular e na transição energética e digital.
Pedro Amaral Jorge recorda que, nesse ponto, Portugal e os restantes países europeus se preparam para receber fundos europeus para mitigar o impacto da pandemia na saúde, na economia e no emprego, "apoiando-se em diversas vertentes para uma rápida e sustentada recuperação". Mas a União Europeia veio colocar a transição climática e digital "como o principal motor para o desenvolvimento económico pedindo aos Estados-membros que pelo menos 37% dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência sejam alocados direta ou indiretamente a componentes que contribuem para o clima". Um bom ponto de partida para o futuro que aí vem.