Roberto Gaspar, secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel – ANECRA, faz um balanço do atual momento do setor automóvel em Portugal. Explica de que forma os segmentos da área viveram e vivem a pandemia de forma diferente, realça o sucesso do comércio de viaturas usadas e aponta como é importante os consumidores voltarem a sentir segurança e confiança nos estabelecimentos do setor. Recorda ainda a importância e o contributo que a ANECRA está a dar neste momento conturbado que o mundo está a passar.
Em que estado está hoje o setor automóvel no nosso país?
Dificilmente podemos, ao dia de hoje, fazer um ponto de situação e uma análise do mercado automóvel sem levar em linha de conta o efeito da pandemia. Há oito meses, precisamente num artigo de opinião que tive oportunidade de escrever, referi acreditar que 2020 seria um ano determinante para o setor, em todas as suas diferentes vertentes e de forma transversal. Esta convicção baseava-se nos diferentes processos em curso no setor automóvel, e que acreditava, e acredito, tinham um elevado potencial de disrupção.
Desde logo, 2020 era o ano da antecâmara das metas ambientais e das coimas milionárias para os fabricantes que as não conseguissem cumprir, a famosa meta das 95g de Co2/Km, também conhecido pelo acrónimo CAFE.
Depois, tínhamos todos aqueles temas que discutíamos de forma entusiasmada, a tentar percecionar a velocidade, a intensidade e o caminho que tomavam: a gradual eletrificação das viaturas, a diabolização dos motores diesel pelos poderes públicos e não só, os novos conceitos de mobilidade, os carros autónomos, as viaturas comunicantes, a digitalização dos automóveis, entre outras. Na altura, escrevi e acreditava que estes eram os grandes desafios para os operadores do mercado. Escrevi que, com base nisto, 2020 seria o ano de todos os desafios para o setor automóvel. Talvez tenha acertado, sem perceber e poder antecipar quando isto era verdade.
Agora já muito poucos põem o foco ou têm como principal preocupação os temas da eletrificação das viaturas, dos novos conceitos de mobilidade ou com as metas ambientais. De repente o assunto é quando, como e quão depressa virá a retoma da economia.
Que efeitos teve e está a ter a pandemia nas empresas de manutenção e reparação e no segmento do comércio automóvel?
Primeiro há que dizer que ao contrário do comércio, que durante um período significativo do estado de emergência teve de fechar portas e viu a sua atividade praticamente congelada, o setor da reparação e manutenção manteve-se em atividade, uma vez que ficou incluída nos setores considerados estratégicos para o regular funcionamento da economia.
Uma nota particular para o facto de o segmento do comércio automóvel ter sido dos primeiros setores a poder retomar a atividade, em grande parte fruto do Protocolo Sanitário do Setor Automóvel, elaborado pelas principais associações do setor, entre as quais se destaca a ANECRA.
Quando procuramos fazer uma análise do processo de retoma, temos de fazer análises distintas. A reparação e manutenção terá sido a que se mostrou mais resiliente e menos afetada e teve um processo de retoma relativamente célere. Em termos acumulados julgamos que estaremos ainda abaixo dos níveis de 2019, mas com sinais de retoma de atividade muito encorajadores.
No que concerne ao comércio, temos duas realidades absolutamente opostas: o de viaturas usadas tem mostrado uma performance excecional nos últimos meses – talvez pelo facto de os particulares terem trocado o transporte público pela viatura própria –, tendo inclusive ultrapassado em termos de vendas acumuladas os resultados do período homólogo de 2019.
E quanto ao comércio de novos?
O comércio de novos foi e continua a ser o segmento mais penalizado e o que tem resultados acumulados de quase menos 40% face ao ano transato. Acredito que neste caso concreto teremos aqui o resultado do efeito da pandemia acrescido de um processo de grande indefinição e dúvida na hora da escolha por parte dos potenciais compradores. Hoje não é um processo fácil tomar a decisão sobre que tipo de viatura e que motorização escolher. Talvez este seja mesmo um dos grandes desafios dos fabricantes para o futuro mais próximo.
Quais são os desafios que as empresas portuguesas do setor automóvel enfrentam para o futuro, sobretudo quando estamos a lidar com um período excecionalmente complicado?
Desde logo a questão da segurança e da confiança dos consumidores que frequentam os estabelecimentos do setor. A própria ANECRA lançou um serviço de consultoria que denominámos Estabelecimento Seguro ANECRA e que tem como missão ajudar os nossos associados a garantir que cumprem de forma efetiva todos os requisitos e boas práticas previstas no Protocolo Sanitário do Setor Automóvel. Hoje como antes, o fator confiança é determinante para que a atividade económica e empresarial seja o menos afetada possível.
Depois, recorde-se, o mercado automóvel tem vindo e irá continuar a enfrentar grandes e duros desafios nos anos mais próximos. Questões como a agenda ecológica, a digitalização do setor, as viaturas autónomas, os novos hábitos dos consumidores, os novos conceitos de mobilidade – as viaturas partilhadas, os Uber, os transportes alternativos, etc. –, vêm lançar um desafio gigante aos diferentes operadores no mercado.
Por último…
É fundamental que os operadores dos diferentes segmentos consigam ler os sinais de evolução dos seus setores e saibam adaptar-se. Nos últimos anos, o tradicional modelo de negócio do setor, que esteve praticamente inalterado durante décadas, tem vindo a ser modificado de forma acelerada e só os que se souberem adaptar aos novos tempos sobreviverão. É precisamente neste contexto de excecionalidade que organismos como a ANECRA devem assumir a sua verdadeira vocação: contribuir para a sustentabilidade do mercado e dos seus associados.