A Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) mostra-se preocupada com o atual panorama do setor automóvel no nosso país. A pandemia impactou fortemente o comércio e a indústria deste setor, tendo mesmo levado ao encerramento de fábricas e a uma queda brutal das vendas. Helder Pedro, secretário-geral da ACAP, não faz futurologia e desconhece quando esta crise vai terminar, mas aconselha o Governo a copiar as medidas já em vigor noutros países para apoiar o setor, ao mesmo tempo que contribui para a descarbonização da economia.
Como se encontra atualmente o setor automóvel em Portugal?
A atual crise, provocada pela pandemia da covid-19, teve um impacto muito negativo para o setor do comércio e indústria automóvel. Desde logo, e numa situação sem precedentes, assistimos ao encerramento das fábricas de automóveis na segunda quinzena de março. Esta situação teve um enorme impacto no comércio automóvel que, no passado mês de abril, teve uma queda de praticamente cem por cento.
Os efeitos da pandemia…
A pandemia está a ter um efeito muito negativo no setor e desde logo, também, porque em Portugal o setor do turismo tem um peso muito grande na nossa economia. Ora, as vendas para o setor de rent-a-car representaram 29% do total das vendas de veículos ligeiros de passageiros em 2019. Com a grave crise que o setor do turismo está a atravessar, o decréscimo abrupto de vendas para aquele canal também está a ter uma grave consequência no nosso setor.
Pode fazer uma comparação dos primeiros nove meses deste ano com o período homólogo?
Nos primeiros nove meses do ano, o mercado de veículos ligeiros de passageiros teve uma queda de 39,3% face ao período homólogo de 2019. Em termos percentuais, esta é a segunda maior queda de todos os 27 países da União Europeia, o que nos deixa extremamente preocupados. Isto porque a previsão de queda do mercado automóvel na União Europeia se situa em 20/25% e, em Portugal, a queda será muito superior.
Atualmente, regista-se em Portugal uma maior procura pelos modelos elétricos e híbridos?
Considerando os automóveis elétricos puros, os chamados BEV, nos primeiros nove meses de 2020 foram matriculados menos 2,9 por cento do que em período homólogo do ano anterior, o que representa, mesmo assim, uma evolução mais favorável do que a observada no mercado global, ou seja, com todos os tipos de energia, que registou uma queda de 39,3%.
Este ano foram vendidos, em Portugal, 5.826 veículos ligeiros elétricos, o que representa 4,7% do mercado total. Quanto aos automóveis híbridos plug-in, o mercado mais do que duplicou (+109,4%), evidenciando um grande dinamismo, ao qual não será alheio o alargamento da oferta de produtos, anteriormente bastante limitada, e o aumento da preferência dos consumidores por soluções híbridas.
Na sua opinião, os incentivos que o Estado oferece para se adquirirem automóveis híbridos e elétricos são suficientes para levar as empresas e particulares a apostar mais na compra destes modelos?
A ACAP considera que, dada a crise que estamos a atravessar, o Governo português devia seguir os exemplos dos governos espanhol, francês e italiano (entre outros) e implementar um plano de apoio ao setor automóvel. Este plano, a exemplo daqueles países, deveria passar por um incentivo à troca de veículos, que já se consideram em fim de vida, por veículos novos, a gasolina, diesel, híbridos ou elétricos, com menores emissões. Estamos a falar de um plano que a ACAP apresentou ao Governo para retirar de circulação 40.000 veículos com uma emissão média de 170 gramas de CO2 e substituí-los por veículos com uma emissão média de 95 gramas de CO2. Foi esta a visão dos governos daqueles países, mas que o Governo português, numa linha de completo alheamento face ao setor automóvel, não quis implementar no nosso país! Não percebemos como o Ministério do Ambiente português, ao contrário do espanhol ou francês, não consegue perceber que esta medida contribui para o nosso objetivo de descarbonização da economia e para cumprir os objetivos previstos no designado Acordo Green Deal, aprovado pela Comissão Europeia.
Recorde-se que em Portugal circulam mais de um milhão de veículos com idade superior a vinte anos.
Respondendo concretamente aos estímulos existentes para veículos elétricos, consideramos que os mesmos não só se devem manter como deverão ser ampliados. No caso dos veículos elétricos, o incentivo atribuído no nosso país já está muito abaixo do que é atribuído em Espanha ou França. Recentemente, Espanha aumentou aquele apoio para 5.500 euros e Itália e a Roménia para 10.000 euros!
O que prevê que vá acontecer nos próximos meses no mercado automóvel em Portugal, na Europa e no mundo?
Esta crise, ao contrário das mais recentes, não é provocada por questões de ordem económica e financeira, mas sim por uma questão sanitária. Infelizmente, a situação está longe de estar controlada e não sabemos quando isso poderá acontecer. Não queremos acreditar num segundo confinamento, porque isso seria desastroso para as empresas. Por estes motivos, não tem sido fácil fazer previsões. Como salientámos, os Governos têm aqui um papel fundamental na criação de estímulos à procura que possam minorar a grave situação que vivemos. Esses estímulos tiveram um efeito muito positivo nos mercados em que foram implementados e a própria Associação Europeia de Fabricantes (ACEA) propôs a sua implementação aos vários governos. O Governo português tem aqui uma especial responsabilidade em dar o exemplo na implementação destes estímulos à economia, até porque vai exercer a presidência da União Europeia no primeiro semestre de 2021.