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Ratings, para que vos quero?

A crise financeira de 2008-09 e a subsequente crise da dívida soberana na Zona Euro levaram a que cada nova decisão das agências de rating fosse aguardada com grande expectativa pelos mercados. Mas os investidores já têm outros focos no radar.

Bruno Colaço
15 de Dezembro de 2020 às 09:00
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É chegado o mês em que as agências de rating divulgam os seus calendários para as potenciais decisões sobre as notações e perspetivas para a qualidade da dívida soberana. De entre as quatro agências cujos ratings são aceites pelo BCE para avaliar a elegibilidade de uma dívida soberana para o seu programa de compra de ativos, a canadiana DBRS Morningstar já o fez (para Portugal está previsto que se pronuncie a 26 de fevereiro e a 27 de agosto), esperando-se agora pelos agendamentos da Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s.

 

Apesar de serem apenas indicativos, por norma estes calendários não sofrem modificações. No entanto, uma agência pode decidir não se pronunciar na data agendada ou ter alguma coisa a dizer fora da data prevista – se bem que esses desvios tenham de ser justificados por circunstâncias que assim o ditem. Além disso, de acordo com a regulamentação europeia, os ratings devem ser revistos pelo menos a cada seis meses e a sua divulgação deve ser feita à sexta-feira depois do fecho de todos os mercados regulados da União Europeia.

 

Aquando da crise da dívida na Zona Euro, com a troika a prestar assistência aos países em maiores apuros, como foi o caso português, cada nova decisão de uma agência era esperada com grande expectativa, não só pelos países em questão mas também pelos mercados. Mas será que as coisas ainda são assim? A maioria dos analistas diz que não.

 

Nas obrigações soberanas o mercado é atualmente "incapaz" de "determinar o preço do risco ou da solvabilidade. Os governos tornaram-se credores de último recurso e, como tal, eliminaram qualquer necessidade ou valor das agências de rating", diz Steen Jakobsen, diretor de investimento do Saxo Bank. 

 

No seu entender, "aquilo em que temos de nos focar verdadeiramente é na ‘garantia’, para então perceber que quanto maior for a qualidade com que o BCE está a garantir a dívida para um país de rating baixo, como é Portugal, há uma rede de segurança direta implícita para os investidores, o que significa que, apesar de toda a lógica e valores de mercado, Portugal negoceia com juros zero, ao passo que um emitente de dívida soberana como os EUA ainda emite obrigações perto dos 100 pontos base".

 

"O mercado é uma brincadeira total e tudo vai dar àquilo a que chamo ‘esquece que não tem lógica e aposta ainda mais’", salienta Steen Jakobsen, aludindo ao retorno adicional sem risco de perdas cobiçado pelos detentores de capital. "Isto, é claro, acabará por cair, tal como Roma e outros ‘impérios’, mas por agora resume-se ao que um cliente meu definiu como ‘economia labrador’ – o que quer que aconteça, o ‘cão’ está feliz".

 

Já Azad Zangana, economista para a Europa da Schroders, salienta o facto de as agências de rating "classificarem, tipicamente, a dívida soberana e corporativa numa base absoluta, fornecendo essencialmente um sinal sobre a fiabilidade creditícia".

 

"Num período de extremo ‘stress’, como temos observado nos recentes meses, fez sentido para as agências fazerem revisões em baixa, de uma forma geral. Mas, para os investidores, o desempenho relativo é mais importante do que o absoluto, pelo que não tem havido uma mudança de comportamento relevante. Houve um aumento na aposta dos investidores nos mercados obrigacionistas devido aos receios em torno da performance das ações – e, atendendo ao apoio dado por parte dos bancos centrais, é improvável que vejamos as agências de rating a terem grande impacto nos mercados desenvolvidos", considera.

 

Por seu lado, Stefan Hofrichter, economista-chefe da AllianzGI, diz não ter a certeza de que as agências de rating impulsionem realmente os spreads. "E isto é validado pelo facto de o BCE estar a comprar títulos soberanos. Certo, se houver o risco de um país sair da categoria de investimento de qualidade, isto é, caso haja o risco de as suas obrigações deixarem de ser elegíveis para os programas de compra de títulos do BCE, os spreads aumentam – basta olhar para Itália em 2018/19. Mas é a expectativa do mercado, e não a agência de rating, que impulsiona os spreads".

 

Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades, destaca que "neste momento, as condições nos mercados financeiros são substancialmente diferentes do que aquando da crise do euro do princípio da década passada". Nessa altura, "as economias estáveis do Norte da Europa, por exemplo, ofereciam juros reais positivos, o que gerava uma menor procura por ativos de maior risco, que quanto mais elevado fosse, de acordo com a avaliação das agências de rating, gerava imediatamente uma correspondente subida dos juros". Agora, frisa, "o fator mais determinante no spread da dívida de um país já não é o rating dado pelas agências, é o apetite pelo risco dos investidores, que se acentuou muito".

"Por outras palavras, com as taxas de juro dos bancos centrais em níveis muito baixos – e não falo apenas das principais economias –, os grandes investidores sentem dificuldade em encontrar remuneração (a chamada yield), voltando-se então para instrumentos de maior risco. Esta lógica está por detrás da queda dos spreads da dívida de países que até há pouco tinham que pagar bastante mais para se financiar em relação a outros como a Alemanha e Holanda". "Este maior apetite pelo risco ajuda também a explicar os recordes nas principais bolsas, apesar de estarmos a atravessar a maior recessão global desde a segunda guerra mundial", acrescenta Ricardo Evangelista. 

 

No caso português, "apesar de o rating do país estar pouco acima de ‘junk’, o que, de acordo com a lógica da última década, pressuporia custos de financiamento relativamente elevados comparativamente a outros países com rating superior, ainda na semana passada o título a 10 anos foi transacionado com um juro negativo. Isto deve-se ao aumento da procura, que por sua vez é gerado pela dificuldade que os investidores sentem para encontrar rendimento em instrumentos de menor risco", aponta.

 

As três irmãs e a prima direita


Alcunhadas de "fábricas de produção do triplo A" na crise do "subprime" iniciada em 2008 nos EUA, as agências de rating já não têm o peso de outrora nos mercados de capitais.

 

Embora existam mais de 100 agências de rating ativas em todo o mundo, é incontornável o grupo das chamadas "três irmãs", que detêm cerca de 95% do mercado mundial: Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s. Pelo papel que tiveram na crise financeira mundial iniciada em 2008 – que viria a ser conhecida como Grande Crise e que teve origem no chamado "subprime" nos Estados Unidos, com a concessão de empréstimos a clientes de alto risco dada a sua fraca capacidade creditícia – são também alcunhadas de "três mosqueteiras" e "fábricas de produção do triplo A". Às três grandes junta-se a "prima direita" DBRS Morningstar, com uma quota de mercado a rondar os 2%-3%.

 

Apesar das críticas de que foram alvo em finais da década de 2000, por atribuírem excelentes notações que se revelaram descabidas aquando da crise, como foi o caso do banco Lehman Brothers, que acabou por falir em setembro de 2008, continuam a ocupar o seu lugar no pódio mundial. Mas, para os mercados, já não se revestem da mesma importância.

 

"A minha opinião é de que o impacto das agências de rating é extremamente limitado. Os anos de 2008/09 provaram que as agências não têm uma real perspetiva da qualidade do crédito nem da mecânica dos mercados. Para mim, enquanto gestor macro, as agências de rating foram uma moda de 2000", diz ao Negócios Steen Jakobsen, diretor de investimento do Saxo Bank. "Posto isto, compreendo o porquê de a decisão de uma agência ser um acontecimento para os media, mas garanto que não o é para os mercados", frisa.

 


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