O gelo começou a partir-se durante um almoço na sede do Banco Carregosa, no Porto. O edifício não é o mesmo onde nasceu a casa de câmbios que lhe deu origem, mas o peso da história continua a marcar presença naquelas paredes. Os títulos e cupões em papel são pedaços de história que espelham a evolução do Carregosa.
Seguiu-se uma curta viagem até ao Palácio da Bolsa, o local onde Maria Cândida Rocha e Silva ganhou papel de destaque como a primeira mulher corretora em Portugal e onde decorreu esta entrevista. O espaço que no passado acolheu o "floor" da Bolsa de Valores do Porto está hoje repleto de turistas. A mulher que cresceu ao lado do pai, que viveu a boémia de Coimbra, que passou alguns anos em Luanda, mas que se destacou no Porto diz-nos que a história não se irá preocupar consigo, mas deixa na história do sistema financeiro português um caminho de afirmação que poucas mulheres puderam alcançar. A presidente do conselho de administração do Banco Carregosa marca com esta entrevista de vida o arranque da 5.ª edição da iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30.
Estamos no Palácio da Bolsa, onde trabalhou como corretora quando a Bolsa de Valores do Porto aqui operava. Qual o melhor e pior momento que recorda aqui?
Acho que o melhor foi quando tudo começou. O Porto nunca tinha tido uma bolsa de valores e eu fui a primeira mulher que trabalhou aqui no "floor". Isso deu-me muito orgulho. De princípio foi uma vida um bocadinho difícil porque tinha havido uma revolução. Antes da revolução transacionavam-se os títulos de qualquer maneira. As pessoas não tinham realmente a noção, só sabiam que aquele papel que hoje valia 10, amanhã valia 20, depois valia 30, depois 40. Veio a revolução e aquilo não valia nada. Depois, muito tempo depois, o Estado deu as tais obrigações do Tesouro – houve nacionalizações e expropriações – que teriam maturidade em 2002. Estávamos em 1974. Era no fim do mundo. Os primeiros tempos foram muito difíceis sob o ponto de vista de negócio porque eu acho que as pessoas não acreditavam e não aderiam. Portugal nunca foi um país com tradição de bolsa e a revolução teve muita influência.
Depois entrou-se num momento de grande euforia quando as coisas estabilizaram.
Estabilizaram, eu estava lá e pude fazer parte desse momento. Ao mesmo tempo foi quebrar com uma... Nunca tinha acontecido, a bolsa nunca tinha funcionado. E eu fiz parte desses primeiros corretores e isso deu-me muito gosto. O momento mais triste foi quando Cavaco Silva e Miguel Cadilhe vieram dizer que nós estávamos a vender gato por lebre.