Notícia
Assim fala Malalai Joya
Não receia a morte, mas o silêncio político. E foi por isso que acaba de editar o livro "Raising My Voice", onde revela a verdade quotidiana num país em guerra, "ensanduichado" entre dois inimigos: o interno liderado pelo governo "palhaço" de Karzai e o externo encabeçado pelas forças de ocupação dos Estados Unidos e do Reino Unido. Malalai Joya tem 31 anos, a cabeça a prémio e é uma das mais jovens activistas do Afeganistão.
29 de Julho de 2009 às 13:21
Não receia a morte, mas o silêncio político. E foi por isso que acaba de editar o livro "Raising My Voice", onde revela a verdade quotidiana num país em guerra, "ensanduichado" entre dois inimigos: o interno – liderado pelo governo "palhaço" de Karzai e o externo – encabeçado pelas forças de ocupação dos Estados Unidos e do Reino Unido. Malalai Joya tem 31 anos, a cabeça a prémio e é uma das mais jovens activistas do Afeganistão
Aos 30 anos, já escapou a cinco tentativas de assassinato, um número mesmo assim inferior aos vários prémios, recebidos a nível internacional, de reconhecimento pela coragem que sempre tem demonstrado. A história de Joya, transcrita agora para livro, é dedicada a todos aqueles que acreditam que o regime Talibã no Afeganistão, destituído há quase oito anos pelas forças norte-americanas, foi substituído por uma sociedade livre e democrática. “É possível que o mundo tenha sido levado a acreditar que quando os Talibã foram afastados do poder, a justiça regressou ao meu país”, escreve, “mas, pelo contrário, permanecemos encarcerados num país sem acesso à justiça e ainda dominado por criminosos que odeiam, em particular, as mulheres”.
A vida de Malalai Joya sempre a obrigou a ter coragem. Durante a infância e grande parte da adolescência, ao longo da prolongada ocupação soviética, viveu em campos de refugiados no Irão e no Paquistão. Voltou ao Afeganistão em 1998 e, no início da sua vida adulta, desafiou as restrições impostas pelo regime Talibã à educação das mulheres, gerindo, na clandestinidade, uma escola para raparigas na província de Herat.
No rescaldo da invasão dos Estados Unidos, em 2001, sentiu-se na obrigação de erguer a sua voz contra o que apelida de regime fantoche, pró EUA, liderado pelo presidente Hamid Karzai, instalado em Kabul pela Administração Bush. Com 25 anos, foi seleccionada como delegada para a loya jirga, uma espécie de grande conselho tribal, que teve lugar em Dezembro de 2003 e que pretendia votar uma nova constituição para o Afeganistão. Só que Joya não se conteve e acabou por proferir um discurso agressivo no qual exigia que os “senhores da guerra” ou os líderes militares deveriam ser punidos devido aos inúmeros crimes e atrocidades cometidos e não estarem sentados em comités constitucionais ao mesmo tempo que ocupavam cargos governamentais. Bastaram dois minutos de discurso e o seu microfone foi desligado e Joya expulsa da convenção. Foi a partir daí que Malalai Joya se habituou a viver sob ameaças constantes. “A sala estava repleta dos homens que, nas últimas décadas, tinham destruído o Afeganistão, contribuído activamente para a guerra civil e morto dezenas de milhares de inocentes”, pode ler-se no livro.
Os seus comentários politicamente incorrectos tornaram-na persona non grata no seu país, mas uma heroína para muitos, especialmente para as mulheres, a quem deu igualmente coragem para contarem as atrocidades de que eram vítimas, nomeadamente no que respeita a violações e abusos vários. Em 2005, Joya foi eleita para o parlamento como representante da província ocidental de Farah, no qual, mais uma vez, tinha como companheiros de bancada os líderes militares e os seus aliados. “Em 2005, fui a mais jovem pessoa eleita para o novo parlamento afegão. A ideia é que mulheres como eu pudessem ser vistas como um exemplo de como a guerra no Afeganistão tinha libertado as mulheres. Mas esta democracia era apenas uma fachada e a denominada libertação uma enorme mentira”.
O assento na política do Afeganistão não demorou muito a ser-lhe retirado. Em 2007 e por maioria, o parlamento afegão afastou-a do cargo, utilizando uma cláusula constante na constituição que proíbe os membros parlamentares de “criticarem publicamente” algum dos seus pares. Tudo isto porque algum tempo antes, Joya tinha dado uma entrevista à televisão na qual acusava a assembleia de “ser pior do que um estábulo”. Quando lhe foi exigido um pedido de desculpas, Joya foi ainda mais longe e retorquiu dizendo: “um estábulo é melhor, porque pelo menos tem um burro que leva a carga e uma vaca que dá leite”.
Mais de dois anos mais tarde, Joya vive na sombra constante de ameaças de morte, tanto por parte das facções afegãs pró-americanas, como pelos próprios Talibãs. No seu casamento, celebrado recentemente, até os ramos de flores foram sujeitos a escrutínio apertado devido à possibilidade de conterem material explosivo. Mas, mesmo assim, Joya não desiste. E a sua voz ergue-se não só contra os líderes do seu país, como contra os do Ocidente, demasiado “interessados” no Afeganistão e em que nem o presidente Obama escapa às críticas.’
O silêncio dos bons é pior do que as acções dos maus
O que Malalai Joya pretende alcançar com o livro recentemente editado é, em síntese, dizer ao mundo que o Afeganistão precisa de libertação e não de ocupação. Numa entrevista à WSWS.org, Joya afirma: “depois da tragédia do 11 de Setembro, os Estados Unidos e os seus aliados invadiram o meu país em nome dos direitos humanos, das mulheres e da democracia”. Através dos media, tentaram promover esta ideia para que todo o mundo acreditasse. Mas é tudo propaganda e mentiras”.
Mais ainda, espera que o livro possa arrancar a máscara dos senhores da guerra fundamentalistas, dos senhores da droga e dos criminosos que, a seguir ao 11 de Setembro, chegaram ao poder em nome da democracia, mas que são ideologicamente iguais aos Talibã. “Hoje em dia no Afeganistão, vivemos num sistema de máfia que é especialmente impiedoso para com as mulheres”, sublinha.
Sem medo, acusa os Estados Unidos e os seus aliados de terem dado poder à Aliança do Norte (a aliança anti-talibã composta por ex-militares afegãos) para servir os seus próprios interesses. “Estes invadiram o meu país e impuseram estes elementos ao meu povo devido às suas próprias estratégias políticas e por causa da localização geopolítica do Afeganistão. As bases militares no Afeganistão podem ser utilizadas para controlar poderes asiáticos como a China, a Rússia, o Irão, o Paquistão e outras nações”, escreve, acusando ainda as forças aliadas de terem transformado o seu país num centro de droga, onde oficiais com alta patente no governo a traficam, sendo um deles Ahmed Wali Karzai, o irmão do presidente.
A acusação de que as forças aliadas continuam a negociar com os Talibã estende-se igualmente ao Presidente Obama que diz ser, em alguns casos, ainda pior que o seu antecessor Bush. “Depois de sete anos, não ganhámos absolutamente nada, apenas perdemos a nossa independência. E se as forças de ocupação não se retirarem voluntariamente do Afeganistão, elas irão encontrar uma forte resistência por parte do meu povo”, alerta.
Para Malalai Joya, o governo de Karzai é absolutamente controlado e um dos mais corruptos do mundo. “Hoje, 18 milhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia, enquanto o governo de Karzai recebeu 18 mil milhões de ajuda internacional para ajudar na reconstrução”, acusa, afirmando que a grande maioria deste dinheiro foi directamente para os bolsos dos líderes militares. E, no que respeita a ilusões para as próximas eleições, a terem lugar em Agosto, Malalai Joya não as tem. Sem pudor, afirma que, mais uma vez, “o fantoche será substituído por outro fantoche e que a sua escolha terá lugar por detrás das portas fechadas da Casa Branca e do Pentágono”.
As acusações mais fortes proferidas por Joya, são contudo, contra os fundamentalistas que não querem a emancipação por via da educação. “Estes assassinam os professores, ameaçam-nos e até atiram ácido para a cara das raparigas [15 raparigas de uma escola da província em Kandahar foram realmente atacadas com ácido e 100 raparigas estudantes nas províncias do norte foram envenenadas]. Sendo o nível de educação baixíssimo – de acordo com a ONG Oxfam, apenas uma em cada cinco raparigas frequenta a escola primária e uma em 20 o ensino secundário e são cerca de 200 mil as crianças, residentes nas áreas controladas pelos Talibã, que são absolutamente privadas de educação – Joya fala ainda da construção de escolas e universidades privadas para as famílias dos líderes militares, ao mesmo tempo que as escolas para o povo não reúnem o mínimo de condições e cujos salários dos professores rondam os 60 dólares mensais.
Malalai Joya não se cansa de repetir que só com a retirada das tropas e com a ajuda de activistas democratas do seu país será possível dar um novo futuro ao Afeganistão. “É muito mais fácil lutar contra um inimigo do que contra dois”, sublinha.
Aos 30 anos, já escapou a cinco tentativas de assassinato, um número mesmo assim inferior aos vários prémios, recebidos a nível internacional, de reconhecimento pela coragem que sempre tem demonstrado. A história de Joya, transcrita agora para livro, é dedicada a todos aqueles que acreditam que o regime Talibã no Afeganistão, destituído há quase oito anos pelas forças norte-americanas, foi substituído por uma sociedade livre e democrática. “É possível que o mundo tenha sido levado a acreditar que quando os Talibã foram afastados do poder, a justiça regressou ao meu país”, escreve, “mas, pelo contrário, permanecemos encarcerados num país sem acesso à justiça e ainda dominado por criminosos que odeiam, em particular, as mulheres”.
No rescaldo da invasão dos Estados Unidos, em 2001, sentiu-se na obrigação de erguer a sua voz contra o que apelida de regime fantoche, pró EUA, liderado pelo presidente Hamid Karzai, instalado em Kabul pela Administração Bush. Com 25 anos, foi seleccionada como delegada para a loya jirga, uma espécie de grande conselho tribal, que teve lugar em Dezembro de 2003 e que pretendia votar uma nova constituição para o Afeganistão. Só que Joya não se conteve e acabou por proferir um discurso agressivo no qual exigia que os “senhores da guerra” ou os líderes militares deveriam ser punidos devido aos inúmeros crimes e atrocidades cometidos e não estarem sentados em comités constitucionais ao mesmo tempo que ocupavam cargos governamentais. Bastaram dois minutos de discurso e o seu microfone foi desligado e Joya expulsa da convenção. Foi a partir daí que Malalai Joya se habituou a viver sob ameaças constantes. “A sala estava repleta dos homens que, nas últimas décadas, tinham destruído o Afeganistão, contribuído activamente para a guerra civil e morto dezenas de milhares de inocentes”, pode ler-se no livro.
Os seus comentários politicamente incorrectos tornaram-na persona non grata no seu país, mas uma heroína para muitos, especialmente para as mulheres, a quem deu igualmente coragem para contarem as atrocidades de que eram vítimas, nomeadamente no que respeita a violações e abusos vários. Em 2005, Joya foi eleita para o parlamento como representante da província ocidental de Farah, no qual, mais uma vez, tinha como companheiros de bancada os líderes militares e os seus aliados. “Em 2005, fui a mais jovem pessoa eleita para o novo parlamento afegão. A ideia é que mulheres como eu pudessem ser vistas como um exemplo de como a guerra no Afeganistão tinha libertado as mulheres. Mas esta democracia era apenas uma fachada e a denominada libertação uma enorme mentira”.
O assento na política do Afeganistão não demorou muito a ser-lhe retirado. Em 2007 e por maioria, o parlamento afegão afastou-a do cargo, utilizando uma cláusula constante na constituição que proíbe os membros parlamentares de “criticarem publicamente” algum dos seus pares. Tudo isto porque algum tempo antes, Joya tinha dado uma entrevista à televisão na qual acusava a assembleia de “ser pior do que um estábulo”. Quando lhe foi exigido um pedido de desculpas, Joya foi ainda mais longe e retorquiu dizendo: “um estábulo é melhor, porque pelo menos tem um burro que leva a carga e uma vaca que dá leite”.
Mais de dois anos mais tarde, Joya vive na sombra constante de ameaças de morte, tanto por parte das facções afegãs pró-americanas, como pelos próprios Talibãs. No seu casamento, celebrado recentemente, até os ramos de flores foram sujeitos a escrutínio apertado devido à possibilidade de conterem material explosivo. Mas, mesmo assim, Joya não desiste. E a sua voz ergue-se não só contra os líderes do seu país, como contra os do Ocidente, demasiado “interessados” no Afeganistão e em que nem o presidente Obama escapa às críticas.’
O silêncio dos bons é pior do que as acções dos maus
O que Malalai Joya pretende alcançar com o livro recentemente editado é, em síntese, dizer ao mundo que o Afeganistão precisa de libertação e não de ocupação. Numa entrevista à WSWS.org, Joya afirma: “depois da tragédia do 11 de Setembro, os Estados Unidos e os seus aliados invadiram o meu país em nome dos direitos humanos, das mulheres e da democracia”. Através dos media, tentaram promover esta ideia para que todo o mundo acreditasse. Mas é tudo propaganda e mentiras”.
Mais ainda, espera que o livro possa arrancar a máscara dos senhores da guerra fundamentalistas, dos senhores da droga e dos criminosos que, a seguir ao 11 de Setembro, chegaram ao poder em nome da democracia, mas que são ideologicamente iguais aos Talibã. “Hoje em dia no Afeganistão, vivemos num sistema de máfia que é especialmente impiedoso para com as mulheres”, sublinha.
Sem medo, acusa os Estados Unidos e os seus aliados de terem dado poder à Aliança do Norte (a aliança anti-talibã composta por ex-militares afegãos) para servir os seus próprios interesses. “Estes invadiram o meu país e impuseram estes elementos ao meu povo devido às suas próprias estratégias políticas e por causa da localização geopolítica do Afeganistão. As bases militares no Afeganistão podem ser utilizadas para controlar poderes asiáticos como a China, a Rússia, o Irão, o Paquistão e outras nações”, escreve, acusando ainda as forças aliadas de terem transformado o seu país num centro de droga, onde oficiais com alta patente no governo a traficam, sendo um deles Ahmed Wali Karzai, o irmão do presidente.
A acusação de que as forças aliadas continuam a negociar com os Talibã estende-se igualmente ao Presidente Obama que diz ser, em alguns casos, ainda pior que o seu antecessor Bush. “Depois de sete anos, não ganhámos absolutamente nada, apenas perdemos a nossa independência. E se as forças de ocupação não se retirarem voluntariamente do Afeganistão, elas irão encontrar uma forte resistência por parte do meu povo”, alerta.
Para Malalai Joya, o governo de Karzai é absolutamente controlado e um dos mais corruptos do mundo. “Hoje, 18 milhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia, enquanto o governo de Karzai recebeu 18 mil milhões de ajuda internacional para ajudar na reconstrução”, acusa, afirmando que a grande maioria deste dinheiro foi directamente para os bolsos dos líderes militares. E, no que respeita a ilusões para as próximas eleições, a terem lugar em Agosto, Malalai Joya não as tem. Sem pudor, afirma que, mais uma vez, “o fantoche será substituído por outro fantoche e que a sua escolha terá lugar por detrás das portas fechadas da Casa Branca e do Pentágono”.
As acusações mais fortes proferidas por Joya, são contudo, contra os fundamentalistas que não querem a emancipação por via da educação. “Estes assassinam os professores, ameaçam-nos e até atiram ácido para a cara das raparigas [15 raparigas de uma escola da província em Kandahar foram realmente atacadas com ácido e 100 raparigas estudantes nas províncias do norte foram envenenadas]. Sendo o nível de educação baixíssimo – de acordo com a ONG Oxfam, apenas uma em cada cinco raparigas frequenta a escola primária e uma em 20 o ensino secundário e são cerca de 200 mil as crianças, residentes nas áreas controladas pelos Talibã, que são absolutamente privadas de educação – Joya fala ainda da construção de escolas e universidades privadas para as famílias dos líderes militares, ao mesmo tempo que as escolas para o povo não reúnem o mínimo de condições e cujos salários dos professores rondam os 60 dólares mensais.
Malalai Joya não se cansa de repetir que só com a retirada das tropas e com a ajuda de activistas democratas do seu país será possível dar um novo futuro ao Afeganistão. “É muito mais fácil lutar contra um inimigo do que contra dois”, sublinha.