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Assim fala Malalai Joya

Não receia a morte, mas o silêncio político. E foi por isso que acaba de editar o livro "Raising My Voice", onde revela a verdade quotidiana num país em guerra, "ensanduichado" entre dois inimigos: o interno liderado pelo governo "palhaço" de Karzai e o externo encabeçado pelas forças de ocupação dos Estados Unidos e do Reino Unido. Malalai Joya tem 31 anos, a cabeça a prémio e é uma das mais jovens activistas do Afeganistão.

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Não receia a morte, mas o silêncio político. E foi por isso que acaba de editar o livro "Raising My Voice", onde revela a verdade quotidiana num país em guerra, "ensanduichado" entre dois inimigos: o interno – liderado pelo governo "palhaço" de Karzai e o externo – encabeçado pelas forças de ocupação dos Estados Unidos e do Reino Unido. Malalai Joya tem 31 anos, a cabeça a prémio e é uma das mais jovens activistas do Afeganistão

Aos 30 anos, já escapou a cinco tentativas de assassinato, um número mesmo assim inferior aos vários prémios, recebidos a nível internacional, de reconhecimento pela coragem que sempre tem demonstrado. A história de Joya, transcrita agora para livro, é dedicada a todos aqueles que acreditam que o regime Talibã no Afeganistão, destituído há quase oito anos pelas forças norte-americanas, foi substituído por uma sociedade livre e democrática. “É possível que o mundo tenha sido levado a acreditar que quando os Talibã foram afastados do poder, a justiça regressou ao meu país”, escreve, “mas, pelo contrário, permanecemos encarcerados num país sem acesso à justiça e ainda dominado por criminosos que odeiam, em particular, as mulheres”.

A vida de Malalai Joya sempre a obrigou a ter coragem. Durante a infância e grande parte da adolescência, ao longo da prolongada ocupação soviética, viveu em campos de refugiados no Irão e no Paquistão. Voltou ao Afeganistão em 1998 e, no início da sua vida adulta, desafiou as restrições impostas pelo regime Talibã à educação das mulheres, gerindo, na clandestinidade, uma escola para raparigas na província de Herat.

No rescaldo da invasão dos Estados Unidos, em 2001, sentiu-se na obrigação de erguer a sua voz contra o que apelida de regime fantoche, pró EUA, liderado pelo presidente Hamid Karzai, instalado em Kabul pela Administração Bush. Com 25 anos, foi seleccionada como delegada para a loya jirga, uma espécie de grande conselho tribal, que teve lugar em Dezembro de 2003 e que pretendia votar uma nova constituição para o Afeganistão. Só que Joya não se conteve e acabou por proferir um discurso agressivo no qual exigia que os “senhores da guerra” ou os líderes militares deveriam ser punidos devido aos inúmeros crimes e atrocidades cometidos e não estarem sentados em comités constitucionais ao mesmo tempo que ocupavam cargos governamentais. Bastaram dois minutos de discurso e o seu microfone foi desligado e Joya expulsa da convenção. Foi a partir daí que Malalai Joya se habituou a viver sob ameaças constantes. “A sala estava repleta dos homens que, nas últimas décadas, tinham destruído o Afeganistão, contribuído activamente para a guerra civil e morto dezenas de milhares de inocentes”, pode ler-se no livro.

Os seus comentários politicamente incorrectos tornaram-na persona non grata no seu país, mas uma heroína para muitos, especialmente para as mulheres, a quem deu igualmente coragem para contarem as atrocidades de que eram vítimas, nomeadamente no que respeita a violações e abusos vários. Em 2005, Joya foi eleita para o parlamento como representante da província ocidental de Farah, no qual, mais uma vez, tinha como companheiros de bancada os líderes militares e os seus aliados. “Em 2005, fui a mais jovem pessoa eleita para o novo parlamento afegão. A ideia é que mulheres como eu pudessem ser vistas como um exemplo de como a guerra no Afeganistão tinha libertado as mulheres. Mas esta democracia era apenas uma fachada e a denominada libertação uma enorme mentira”.

O assento na política do Afeganistão não demorou muito a ser-lhe retirado. Em 2007 e por maioria, o parlamento afegão afastou-a do cargo, utilizando uma cláusula constante na constituição que proíbe os membros parlamentares de “criticarem publicamente” algum dos seus pares. Tudo isto porque algum tempo antes, Joya tinha dado uma entrevista à televisão na qual acusava a assembleia de “ser pior do que um estábulo”. Quando lhe foi exigido um pedido de desculpas, Joya foi ainda mais longe e retorquiu dizendo: “um estábulo é melhor, porque pelo menos tem um burro que leva a carga e uma vaca que dá leite”.

Mais de dois anos mais tarde, Joya vive na sombra constante de ameaças de morte, tanto por parte das facções afegãs pró-americanas, como pelos próprios Talibãs. No seu casamento, celebrado recentemente, até os ramos de flores foram sujeitos a escrutínio apertado devido à possibilidade de conterem material explosivo. Mas, mesmo assim, Joya não desiste. E a sua voz ergue-se não só contra os líderes do seu país, como contra os do Ocidente, demasiado “interessados” no Afeganistão e em que nem o presidente Obama escapa às críticas.’

O silêncio dos bons é pior do que as acções dos maus

O que Malalai Joya pretende alcançar com o livro recentemente editado é, em síntese, dizer ao mundo que o Afeganistão precisa de libertação e não de ocupação. Numa entrevista à WSWS.org, Joya afirma: “depois da tragédia do 11 de Setembro, os Estados Unidos e os seus aliados invadiram o meu país em nome dos direitos humanos, das mulheres e da democracia”. Através dos media, tentaram promover esta ideia para que todo o mundo acreditasse. Mas é tudo propaganda e mentiras”.

Mais ainda, espera que o livro possa arrancar a máscara dos senhores da guerra fundamentalistas, dos senhores da droga e dos criminosos que, a seguir ao 11 de Setembro, chegaram ao poder em nome da democracia, mas que são ideologicamente iguais aos Talibã. “Hoje em dia no Afeganistão, vivemos num sistema de máfia que é especialmente impiedoso para com as mulheres”, sublinha.

Sem medo, acusa os Estados Unidos e os seus aliados de terem dado poder à Aliança do Norte (a aliança anti-talibã composta por ex-militares afegãos) para servir os seus próprios interesses. “Estes invadiram o meu país e impuseram estes elementos ao meu povo devido às suas próprias estratégias políticas e por causa da localização geopolítica do Afeganistão. As bases militares no Afeganistão podem ser utilizadas para controlar poderes asiáticos como a China, a Rússia, o Irão, o Paquistão e outras nações”, escreve, acusando ainda as forças aliadas de terem transformado o seu país num centro de droga, onde oficiais com alta patente no governo a traficam, sendo um deles Ahmed Wali Karzai, o irmão do presidente.

A acusação de que as forças aliadas continuam a negociar com os Talibã estende-se igualmente ao Presidente Obama que diz ser, em alguns casos, ainda pior que o seu antecessor Bush. “Depois de sete anos, não ganhámos absolutamente nada, apenas perdemos a nossa independência. E se as forças de ocupação não se retirarem voluntariamente do Afeganistão, elas irão encontrar uma forte resistência por parte do meu povo”, alerta.

Para Malalai Joya, o governo de Karzai é absolutamente controlado e um dos mais corruptos do mundo. “Hoje, 18 milhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia, enquanto o governo de Karzai recebeu 18 mil milhões de ajuda internacional para ajudar na reconstrução”, acusa, afirmando que a grande maioria deste dinheiro foi directamente para os bolsos dos líderes militares. E, no que respeita a ilusões para as próximas eleições, a terem lugar em Agosto, Malalai Joya não as tem. Sem pudor, afirma que, mais uma vez, “o fantoche será substituído por outro fantoche e que a sua escolha terá lugar por detrás das portas fechadas da Casa Branca e do Pentágono”.

As acusações mais fortes proferidas por Joya, são contudo, contra os fundamentalistas que não querem a emancipação por via da educação. “Estes assassinam os professores, ameaçam-nos e até atiram ácido para a cara das raparigas [15 raparigas de uma escola da província em Kandahar foram realmente atacadas com ácido e 100 raparigas estudantes nas províncias do norte foram envenenadas]. Sendo o nível de educação baixíssimo – de acordo com a ONG Oxfam, apenas uma em cada cinco raparigas frequenta a escola primária e uma em 20 o ensino secundário e são cerca de 200 mil as crianças, residentes nas áreas controladas pelos Talibã, que são absolutamente privadas de educação – Joya fala ainda da construção de escolas e universidades privadas para as famílias dos líderes militares, ao mesmo tempo que as escolas para o povo não reúnem o mínimo de condições e cujos salários dos professores rondam os 60 dólares mensais.

Malalai Joya não se cansa de repetir que só com a retirada das tropas e com a ajuda de activistas democratas do seu país será possível dar um novo futuro ao Afeganistão. “É muito mais fácil lutar contra um inimigo do que contra dois”, sublinha.

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