Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

O espectro de Trump ronda a União Europeia

A implosão de Joe Biden como candidato credível por manifesta debilidade física e mental e o espectro do retorno de Trump reforçam o peso de partidos da direita radical e da extrema-direita que lideram governos na Itália, Hungria e Eslováquia.

28 de Junho de 2024 às 18:48
  • ...

Uma série improvável de nomes ganhou importância para a maior parte dos líderes dos 27 e todos eles são também pouco conhecidos entre grande parte dos eurodeputados que irão votar a nomeação de Ursula von der Leyen.

Da lista constam o bilionário Jay Pritzker e Gavin Newsom, governadores do Illinois e da Califórnia, respetivamente, Gretchen Whitmer, governadora do Michigan, ou Sherrod Brown, senador pelo Ohio.

Há, ainda, outros ainda a considerar, como o senador negro da Geórgia Raphael Warnock, e a vice-presidente Kamala Harris, bem conhecida dos parceiros europeus, mas tudo depende de os familiares próximos de Joe Biden, os financiadores e notáveis do partido, entre eles Obama e os Clinton, convencerem o presidente a abandonar a candidatura à reeleição.

Von der Leyen irá a votos possivelmente a 18 de julho e por essa altura continuará a incerteza em torno do que possa acontecer na Convenção do Partido Democrático, marcada para 19-22 de agosto, em Chicago.

O certo é que as hipóteses de triunfo de Donald Trump, caso Biden persista na candidatura, aumentaram muito após o debate de Atlanta e a promoção de uma alternativa presidencial do Partido Democrático não será nada fácil.

Isto importa muito para os equilíbrios de poder na União Europeia porque a partir de 7 de julho a França já terá mergulhado num impasse.

O cenário é a Convergência Nacional ou coligação rival sem conseguirem formar governo minimamente estável ou uma coabitação em que a extrema-direita entrará em guerra surda com Emmanuel Macron para assegurar a eleição presidencial de Marine Le Pen em 2027.

Exigências à direita

A implosão de Joe Biden como candidato credível por manifesta debilidade física e mental e o espectro do retorno de Trump reforçam o peso de partidos da direita radical e da extrema-direita que lideram governos na Itália, Hungria e Eslováquia e integram coligações governamentais na Suécia e Finlândia e dentro em breve nos Países Baixos.

Assim que se viu satisfeita uma das ambições de socialistas e social-democratas com a escolha de António Costa para um mandato de dois anos e meio como presidente do Conselho a partir de dezembro, logo se complicou a concretização do compromisso de repartição de cargos e muito por culpa do que aconteceu em Atlanta. 

A liberal estoniana Kaja Kallas, indigitada para Alta-Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, irá a votos quando o Parlamento Europeu apreciar a composição da Comissão, mas antes disso von der Leyen terá de ultrapassar a barreira dos 361 sufrágios na votação secreta dos 720 eurodeputados.

O entendimento entre as direções dos grupos políticos do Partido Popular Europeu (188 deputados), de socialistas e social-democratas (136 mandatos), além dos 75 liberais poderia garantir 399 votos, mas a recusa em apoiar um segundo mandato da alemã é clara entre conservadores franceses, irlandeses e eslovenos e o voto secreto roubará ainda mais apoios a von der Leyen.

Se a primeira mulher a liderar a Comissão Europeia falhar a aprovação, os chefes de Estado e de governo dos 27 terão de voltar, em agosto, a Bruxelas em busca de alternativa.

Em julho de 2019, Ursula von der Leyen conseguiu apenas mais 9 votos do que os necessários – 383 sufrágios a favor, 327 contra e 22 abstenções – quando o Parlamento Europeu contava com 747 deputados.

Para a reeleição a conservadora alemã irá necessitar de angariar votos sobretudo entre os deputados Verdes (74) ou do Grupo Conservadores e Reformistas (83) em que se encontram os Irmãos de Itália, de Giorgia Meloni, e o muito pouco frequentável Vox espanhol.

Compromissos contraditórios

Guinar à direita ou aplacar os ecologistas alienará apoios na aliança que sustenta a candidatura de von der Leyen e obriga a opções mutuamente exclusivas e compromissos prévios sobre linhas programáticas e questões sensíveis como a eventual revisão da estratégia de agricultura verde e da regulamentação de migrações e imigração ilegal.

A probabilidade acrescida de uma vitória de Trump implica, contudo, procurar garantir compromissos ainda mais alargados sobre financiamento e articulação no sector da defesa.

Presentemente, von der Leyen estima serem necessários investimentos na ordem de 500 mil milhões de euros nos próximos dez anos, estando apenas disponíveis 20 mil milhões de euros. Para isso haverá que recorrer ao aumento de contribuições nacionais, criação de novos recursos próprios e empréstimos com emissão de dívida.

Olaf Scholz e o primeiro-ministro cessante dos Países Baixos, Mark Rutte, que paradoxalmente irá ocupar o cargo de secretário-geral da NATO em outubro, opuseram-se uma vez mais na cimeira desta quinta-feira a um aumento da despesa conjunta dos 27 no sector de defesa o que dá uma ideia da divisão que reina na União Europeia.

Vislumbram-se, igualmente, um previsível aumento de conflitualidade comercial com Washington e desacordos de fundo sobre política ambiental o que aconselha a tomar desde já algumas precauções que estarão longe de reunir consenso dado o peso crescente de simpatizantes de Trump entre os 27.

Meloni apoia o esforço de guerra da Ucrânia, mas a votação da Convergência Nacional de Marine Le Pen reforça a tendência de compromisso com a Rússia.

Por mais que nacionalismos e reivindicações de soberania nacional entre os 27 choquem com o exclusivismo de Trump, o reforço de controlo de migrações e pedidos de asilo, bem como a contestação por uma Casa Branca republicana de acordos internacionais de medidas de proteção ambiental, calará fundo em muitos países da União Europeia.

Numa altura em que a presidência de Macron claudica e a coligação governamental de Berlim se mostra cada vez mais inoperante e sob ameaça de derrota pesada nas legislativas de outubro de 2025, cresce a importância da Itália.

Meloni não votou contra von der Leyen, ao contrário de Viktor Orbán, ainda que se tenha oposto, tal como o húngaro, à nomeação de Kallas e de Costa que tinha, no entanto, garantido o apoio dos demais 25 chefes de Estado e governo, superior à maioria qualificada requerida de 15 países, representando 65% dos 448,8 milhões de habitantes recenseados pelo Eurostat.

Na negociação de apoios no Parlamento Europeu, a que a conservadora maltesa Roberta Metsola continuará a presidir, von der Leyen está obrigada a ter em conta a distribuição de pastas no colégio de comissários e outros altos cargos nas instituições europeias.

A Itália, a par da França, da Alemanha e da Polónia, exige uma pasta relevante e título de vice-presidente pelo que o equilíbrio será difícil quando cada estado, excluindo a Alemanha e a Estónia, apresentar os seus candidatos – uma mulher e um homem – às 25 pastas disponíveis.

Da coerência da Comissão e dos compromissos possíveis dependerá a aprovação dos comissários propostos, incluindo Kallas, pelo Parlamento Europeu e tudo isto com os olhos postos no espectro que se agiganta do outro lado do Atlântico.

Ver comentários
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio