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Entrevista: Vitor Baía entra no campeonato da moda

São 186 centímetros esguios, de linhas direitas e elegantes no trajar. Fato escuro e discretamente riscado, camisa branca. Tão sóbrio quanto moderno, impecável da cabeça aos pés. Um verdadeiro “must”, justifica-se dizer.

04 de Abril de 2008 às 12:49
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São 186 centímetros esguios, de linhas direitas e elegantes no trajar. Fato escuro e discretamente riscado, camisa branca. Tão sóbrio quanto moderno, impecável da cabeça aos pés. Um verdadeiro "must", justifica-se dizer.

Vítor Baía chegou meio circunspecto. Pela primeira tinha aceite dar uma entrevista para falar da sua vida de empresário. Mas parecia temer a possibilidade de vir a arrepender-se. "Escrevem-se as coisas mais incríveis sobre mim...", solta o desabafo. Decidi quebrar o gelo com uma confissão inicial. "Não percebo nada de moda", digo-lhe. "Não faz mal, não é um mundo que eu também domine", responde-me, ri-se e começa a descontrair-se.

Mas não é bem verdade. Vítor Baía, o mítico guarda-redes dos dragões e da selecção nacional e hoje director de relações externas da Porto SAD, pode não ser um craque da moda. Mas decidiu ir a jogo e, como tal, espera ganhar.

Numa parceria 50-50 com o médico portista Fernando Póvoas, o futebolista é responsável pela Just Fashion, empresa de importação e distribuição de marcas de vestuário e acessórios que gere, a título exclusivo para o mercado português, um portfolio de 11 marcas internacionais. Cerruti 1881, Christian Lacroix, Rock & Republic, Seventy e Victoria Beckham são algumas das cabeças de cartaz do negócio. E, mais recentemente, a milanesa Daniele Alessandrini, a última aquisição do plantel e a preferida de Baía.

"É marca que tem mais a ver com o meu estilo. Rivaliza com uma Dolce&Gabbana, uma Gucci ou uma Prada, mas acho-a melhor e mais barata. E muito transversal, pois tem tudo desde sapatos a sportsware e acessório, É completíssima, garante um look total", explica. Nesse dia, o ex-jogador era Daniele Alessandrini da cabeça aos pés. E aqui começa a esboçar-se o jeito de Baía para o negócio. Habituado a adquirir peças desta marca nas Lojas Fashion Clinic, no dia em que as deixou de encontrar soou-lhe a oportunidade. A marca estava livre e a aquisição do passe foi mais fácil do que previa. "Quando dei por ela, já era eu o representante. Nem hesitei e tem sido um sucesso", conta. Ou seja, Baía agora veste-se em casa. "Mas que fique bem claro que compro a roupa na mesma, mas com um descontozinho porque o patrão é simpático", brinca.

A ligação de Vítor da Baía aos negócios da moda aconteceu quase por acaso. Nunca esteve nos seus planos. "Apesar de gostar do que é belo e de ser uma pessoa que cuida da imagem, – gosto de me vestir bem de acordo com os meus padrões – este tipo de negócio nunca fez parte do meu objectivo", conta. Mas uns amigos que estavam ligados à representação de marcas apresentaram-lhe o projecto e o jogador acabou por ficar com o negócio, numa estratégia de diversificação do seu património.

Adquiriu uma primeira empresa a partir da qual começou a esboçar a Just Fashion, que viria a ser constituída em 2004. Durante dois anos, o negócio foi quase incipiente e à base de uma carteira de apenas quatro marcas, entre as quais Christian Lacroix (senhora e acessórios) e Monnalisa (criança). Para crescer, a Just Fashion teria que conseguir a representação de mais insígnias e impor-se num sector difícil, com muita concorrência, "às vezes até desleal".

Para o apoiar na gestão, Vítor Baía aliciou António Esteves, que trocou uma carreira na banca para ser hoje seu sócio e braço direito nos negócios, organizados em cinco empresas que respondem à holding Ambigrama, e das quais a Just Fashion é a única que não actua no sector do imobiliário.

Em conjunto, começaram a construir a casa. Através dos contactos com fornecedores internacionais, a empresa conseguiu garantir a representação de mais marcas para o mercado nacional. E através delas foi ganhando capacidade comercial. A reputação do guarda-redes acabaria por revelar-se um verdadeiro trunfo negocial, em especial junto dos italianos, que gostam tanto de futebol como de pasta.

Em 2006, a Just Fashion fez o seu ponto de viragem. "Neste momento, somos uma empresa com lucro", sublinha Baía. E é esse o gozo. "Costumo dizer, meio a brincar meio a sério, que a Just Fashion, apesar de nos dar muito prazer, é também a empresa que nos dá mais trabalho e menos rentabilidade. Mas como gestor, o desafio de conseguir pôr algo a funcionar deu-me um grande gozo", explica.

As 11 marcas que a empresa hoje representa traduzem-se em cerca de 50 pontos de venda a nível nacional. Escolhidos cuidadosamente para evitar situações de exposição prejudicial para as marcas, mas também de não pagamento. É que não compensa vender de forma desenfreada a tudo e todos para contabilizar vendas de milhões que depois não entram em caixa. Aqui, sempre se jogou à defesa. Em 2008, apontando para uma facturação de 2,8 milhões de euros, a Just Fashion prevê obter lucros de 50 a 60 mil euros. Nada de megalómano, até mesmo num sector onde as margens são reduzidas? "Estamos a crescer de forma sustentada. Pusemos o nosso patamar de crescimento nos 3,5 milhões de euros, porque acima disso já estamos a entrar numa linha de risco", contabiliza Baía. É que nesta área, a aleatoriedade climatérica é um perigo e a gestão dos stocks uma verdadeira dor de cabeça. "O que não se vende ao fim de um ano acabou, é um mono", analisa o jogador empresário, reclamando de um Inverno escasso em chuva e frio.

Não quer nomear marcas. As que mais e menos vendem, as que mais podem crescer. Seria indelicado para com as restantes, justifica. Mas contra números não há argumentos. Poucas marcas como uma Cerruti conseguem ter uma grande dispersão no mercado. No extremo oposto, por exemplo, está a Lacroix, uma primeira linha que, em Portugal, não pode ambicionar a mais do que meia mão cheia de clientes. Teria sido o mesmo com a francesa Daniel Cremieux, uma das marcas cuja representação a Just Fashion acabou por recusar. Cerruti, Seventy e Celyn B, esta última uma aquisição recente, são as três marcas que mais contribuem para as vendas da empresa. "Estamos muito satisfeitos com o nosso portfolio", garante Baía. Satisfeitos, mas não de braços cruzados. "Recebemos muitas propostas, mas tem que haver uma lógica de harmonia e complementariedade nas marcas que representamos de forma a que não colidam entre si e que reflictam o conceito de qualidade da empresa. Mas há sempre marcas que faltam e eu estou atento.", diz Baía a sorrir.

Na equipa de 15 pessoas que constituem a Just Fashion há um núcleo de especialistas para fazer a prospecção do mercado e a empresa conta com o apoio de consultoras para garantir que a entrada em novas áreas de negócio é consistente. Mas costuma-se dizer que o segredo é a alma do negócio, e se Baía já tem trunfos na manga não os revela. Até porque uma das coisas que já aprendeu é a enfrentar o "aliciamento diário" às marcas por parte de outros concorrentes. Mas 2008 será um ano de decisões e a entrada no retalho é uma das hipóteses que está em cima da mesa, até porque é possível ter aí margens de lucro mais interessantes do que na distribuição. A vontade está a ser impulsionada por propostas que começam a surgir por parte de fabricantes internacionais. Baía não é adepto da lógica monomarca, explica, mas quem sabe se o caminho não será esse. "Dependendo da marca em questão, pode justificar-se ir por aí, mas é preciso analisar as parcerias com muito cuidado?".

Uma marca própria é que nunca. As histórias de futebolistas que fracassaram ao fazê-lo são já muitas e os exemplos são dissuasores. É o caso de Paolo Maldini, o eterno lateral esquerdo do AC Milan, que deu alguns pontapés ao lado antes de lançar, em 2003, a bem sucedida "Sweet Years", em parceria com o seu ex-companheiro de equipa Christian Vieri. Por cá, o problema adensa-se. "Portugal não tem mercado para esse tipo de aventuras porque, infelizmente, as pessoas não conseguem dissociar-se dos seus partidarismos clubísticos.

Veja-se o caso das grandes marcas multinacionais que, quando fazem publicidade associada ao futebol, fazem-no obrigatoriamente com os 3 grandes para não correr o risco de gerar hostilidade", diz Baía. No seu caso, acrescenta, embora tenha feito carreira num clube "que não é adorado por muitos", conseguiu projectar uma imagem consensual. "Nunca houve em relação a mim qualquer animosidade". Clubes à parte, há ainda um outro problema. "Em Portugal, as pessoas não aceitam bem ver a imagem de um futebolista profissional ligada à moda. Que o diga o sportinguista Miguel Veloso, que passou a ser encarado como um caso bicudo desde que aceitou associar a sua imagem à estilista Fátima Lopes, participando em desfiles de moda. "É uma questão de cultura. Se formos a Itália ou a Espanha, há vários futebolistas que desfilam e isso não gera qualquer tipo de problemas. Se o Beckham fosse português estava tramado!".

Vítor Baía não é David Beckham. Nem nada que se pareça. Aceitou, reticente, dar esta entrevista, mas tenciona manter discrição. Afastado dos relvados em 2007, reparte agora o seu tempo entre o cargo que ocupa na SAD, a gestão dos negócios e a Fundação que criou para apoiar crianças e adolescentes carenciados e à qual deu o seu nome. Está também a frequentar o curso de Gestão do Desporto no Instituto Superior da Maia e é aluno assíduo. Do currículo fazem parte disciplinas como contabilidade e cálculo financeiro, ferramentas que lhe são úteis na gestão dos negócios da holding. "Requer um grande esforço, mas está a ser uma mais valia tremenda", diz.

Conceitos como estratégia, marketing e recursos humanos, aprendeu-os em campo. Trabalho e disciplina, também. Da mesma maneira como sempre jogou, posiciona-se agora no mundo empresarial. Com competência, visão e estilo. Espírito de líder. "Não andamos a brincar aos negócios", garante. "Neste momento não tenho qualquer tipo de problema em assumir esta vertente empresarial. Enquanto joguei, foi opção minha concentrar-me na profissão. Não há negócio no mundo que dê a rentabilidade que dá o futebol profissional, por isso investir na minha carreira foi uma questão de inteligência", conta.

Mas dinheiro atrai negócio, do bom e do mau. E à volta dos jogadores de futebol, em especial dos mais novos, rondam verdadeiros oportunistas. "Sempre tive muito cuidado, e algum medo, ao fazer investimentos, porque o que era proposto era muito macabro, Vi colegas meus de gerações anteriores que ficaram sem nada por confiar nas pessoas erradas. Por isso, sempre evitei precipitar-me e é esse o conselho que dou sempre aos jogadores mais novos. Vivemos num mundo de chicos espertos que se querem aproveitar da nossa falta de experiência de negócio. Tive sempre isso em mente".

Até aos 30 anos, Baía investiu muito pouco, através da compra de alguns imóveis e terrenos. Quando achou que tinha junto a si as pessoas certas, capazes de o ajudar, começou a apostar na área do imobiliário industrial.

A organização empresarial do seu património acabaria por justificar a criação da holding Ambigrama que, a par da Just Fashion, está presente no mercado através de empresas como a Storehouse, responsável pelo loteamento do parque industrial de Vila Nova do Conde, e a Perdiganito, que está a gerir a construção de um hotel e spa junto à barragem de Monte Novo, no distrito de Évora. Na área do imobiliário, somam-se ainda as empresas Sunderel e Cleal.

Mas mais uma vez, a megalomania não é para aqui chamada. "O nosso conceito não é crescer muito. Por feitio, temos uma grande necessidade de ter as coisas muito controladas e às vezes, quando se começa a ter uma certa dimensão, entra-se numa espiral que nos pode levar a perder o rumo. É por isso que gostamos de estar sempre em maioria e com parcerias tranquilas", explica Baía.

Na moda, a aventura deverá ficar pela Just Fashion. "Sempre disse que não queria fazer desta área o ‘core business’. Não aí que vou ganhar dinheiro. Mas, como gestor, é onde tenho hoje mais prazer". No papel fazem-se contas a novos negócios que parecem ter potencial, como é o caso das energias renováveis. "Mas como não somos gananciosos, não entramos à maluca em nada do que fazemos. Jogamos sempre à defesa, até porque não estamos para competir desenfreadamente e sem regras", defende. Porque é preferível perder um bom negócio do que ganhar um mau – este é o seu lema. No campo, como nos negócios, sempre com "fair play".

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