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E se fosses tu a fazer a mochila e partir?

Os alunos de todas as escolas do ensino básico e secundário em Portugal foram ontem convidados a aderir à campanha "E se fosse eu?". Colocaram-se por um dia na pele de um refugiado, numa iniciativa conjunta entre a Direcção-Geral de Educação, o Alto Comissariado para as Migrações, o Conselho Nacional de Juventude e a Plataforma de Apoio aos Refugiados.

07 de Abril de 2016 às 19:41
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"E se fosse eu? Fazer a mala e partir?" Por cá, alunos, professores e muitos pais participaram nesta iniciativa à escala nacional, no dia 6 de Abril, que teve como objectivo sensibilizar a comunidade para a realidade dos refugiados. Um dia depois, na página online deste projecto, podem ler-se muitas mensagens, colocadas num mural onde a hashtag  ?#‎esefosseeu foi o grande tema do dia.

 

A campanha foi inspirada no projecto "What’s In My Bag?" desenvolvido pelo International Rescue Comitee (https://www.rescue.org/) em colaboração com o fotógrafo Tyler Jump, que fotografou um grupo de refugiados que chegou à ilha de Lesbos (Grécia) – uma mãe, uma criança, um adolescente, uma família, um farmacêutico e um artista – e que partilharam o que levaram nas suas mochilas quando tiveram de fugir.

 

Em Lisboa, o Presidente da República e o Ministro da Educação marcaram presença na sessão de lançamento da iniciativa, na Escola Secundária Eça de Queirós.

 

Na maioria das reflexões, os alunos dizem levar itens comuns, como os seus documentos, dinheiro, telemóvel, carregador, fotografias da família, roupa, produtos de higiene, kit de primeiros socorros, comida e medicamentos. Muitos outros não esquecem os seus animais de estimação e há mesmo quem tenha dito que levaria o seu computador Magalhães. Porquê? "Para me distrair dos momentos de sofrimento por que estaria a passar!"

 



"Eu levaria dois agasalhos (um para chuva e outro mesmo para aquecer), cantil para ter sempre água, prato com talheres, os meus medicamentos para a asma, os meus 2 livros preferidos para manter a esperança e a motivação para conseguir chegar a um lugar seguro, duas refeições enlatadas para quando fosse necessário e uma recordação da melhor altura da minha infância (o gato de peluche)", escreveu Claúdia Leite, dos Escoteiros de Carcavelos.

 

E se fosse eu? A mochila do Corpo Nacional de Escutas
E se fosse eu? A mochila do Corpo Nacional de Escutas



Também do mesmo corpo de escuteiros, e também com 18 anos, Sybil Vachaudez diz que "levaria uma garrafa de água/recipiente onde pudesse guardar água (…); bolachas de água e sal por serem um alimento que tira a fome e é fácil de digerir; lanterna para ter luz em alturas muito críticas; uma manta para me aquecer caso necessário; papel e caneta para anotar os dias e pensamentos que ocorressem; enlatados por durarem muito tempo; um saco de plástico para proteger as coisas da chuva ou armazenar eventuais objectos que aparecessem; um livro para ir lendo aos poucos e não me esquecer da língua; BP [chapéu Baden-Powell] para proteger a cabeça e em último caso usar como cesto; e uma faca ou outro objecto contundente para me defender e cortar coisas no geral".

 

"Eu levaria uma garrafa de água, latas de atum, lenços de papel, uma toalha, leite, uma t-shirt, um par de meias e a minha gata", diz um aluno mais novo.

 

Um outro refere que com ele levaria "fotografias, cartas, e uma t-shirt da Académica (para não me esquecer de quem sou)".

 

Já uma aluna, também mais nova, diz que na sua mochila estaria "água, alimentos (snacks), medicamentos e creme gordo, carteira, roupa e ténis, produtos de higiene oral e uma manta".

Esta actividade, apresentada pelos professores das mais variadas disciplinas, como Português, Tecnologias da Informação e Comunicação, Filosofia ou Inglês, marcou de forma positiva aqueles que desconheciam a profundidade deste problema.

"
Este ano, cerca de 100.000 homens, mulheres e crianças de países em guerra no Oriente Médio, Norte da África, e Sul da Ásia fugiram de suas casas e aventuraram-se em barcos de borracha pelo Mar Egeu para Lesbos, na Grécia. Infelizmente poucos chegam ao seu destino com mais do que os seus bens essenciais. Os seus bens contam as histórias sobre seu passado e as esperanças que têm para o futuro", explicava a organização comunitária Velas da Juventude, que também participou no projecto, a par com muitas outras organizações no país.

E foi essa realidade que tantos marcou: "Fiz e percebi o quão terrível é ter que deixar tudo para trás e pôr a nossa vida numa mochila" e "Isto mete uma pessoa a pensar, meu", são algumas das reacções deixadas por quem ontem sentiu na pele o que é ter de deixar tudo para trás.

 

"Hoje na minha escola fizemos o #esefosseeu e o meu stôr de filosofia ficou com lágrimas nos olhos... aquilo deu-me bué que pensar", relata um outro jovem.

 

Em destaque, um texto um pouco maior descreve uma realidade de alguém que diz já ter passado por isto. E que conta como preencheria a sua mochila, com base da experiência do que já viveu:

 

"Já fui eu... há alguns anos atrás, não me lembro o que os meus pais trouxeram nas mochilas, mas as más memórias estão cá guardadas... isto só para relembrar os mais esquecidos que em qualquer momento das nossas vidas podemos ser nós....

E se fosse eu? ?#‎esefosseeu

Levaria uma mochila pequena, porque assim evitava ser assaltada por traficantes, militares, polícias sem escrúpulos... os meus documentos e dinheiro, bem escondidos no meu corpo, nunca dentro da minha pequena mochila, para que mais uma vez não me roubassem...


Não levaria produtos de higiene nenhuns, porque sabia que dificilmente teria condições para realizar a minha higiene pessoal, por mais básica que fosse, nos sítios onde tivesse que ficar...


Levaria uma câmara de filmar bem pequena e escondida, para poder registar todas as atrocidades que iria passar e ter como documentá-las depois no tribunal dos direitos humanos...


Levaria um Mp3 com as minhas músicas preferidas, para poder ouvir quando os guardas gritassem para me pôr na fila para registo, para apanhar um autocarro, um comboio, para comida, ou até para entrar num campo... à noite partilharia essa mesma música com os ‘meus irmãos de viagem’ para os sossegar e lhes acalmar a alma gelada pelo frio, pela fome pela impotência de não poder fazer nada, a não ser esperar... para ajudar as crianças a dormir...

Levaria um frasco de bolas de sabão para durante a viagem ir brincando com essas mesmas crianças...


Levaria um cantil, para ir enchendo com água...


Levaria muitos sacos plásticos, para calçar nos pés... e um par de botas de caminhada...


Levaria papel de jornal, para me embrulhar durante a noite e minimizar o frio... levaria um impermeável e duas camisolas polares...


Levaria a declaração dos direitos humanos, para relembrar a quem de direito o que entretanto esqueceram...


Levaria ainda um poema de Ary dos Santos, traduzido para várias línguas e que diz assim: 

"Todos sofremos. 
O mesmo ferro oculto 
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta 
O mesmo sal nos queima os olhos vivos. 
Em todos dorme 
A humanidade que nos foi imposta. 
Onde nos encontramos, divergimos. 
É por sermos iguais que nos esquecemos 
Que foi do mesmo sangue, 
Que foi do mesmo ventre que surgimos."

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