Notícia
O 1º de Maio há 40 anos
O Dia do Trabalhador foi celebrado em separado pelo PCP e PS em 1976. O Estado era agora detentor de mais de 1.300 empresas por causa das nacionalizações e a lei da unicidade sindical, que dava força à CGTP, não agradava ao PS.
Nos cartazes lia-se: "Os trabalhadores dão a mão, não avança a reacção" ou "Reforma agrária sim, latifúndios não". Entre canções a multidão gritava: "viva Portugal" e "o povo unido jamais será vencido". Foi assim há precisamente quarenta anos, quando o Dia do Trabalhador foi comemorado após uma onda de nacionalizações que varreu o país e mudou por completo o tecido empresarial português. Um processo em que os sindicatos tiveram um papel determinante. Começou pela banca e depois abrangeu os principais sectores da economia. PCP e PS tinham ideias bem diferentes quanto à forma como os sindicatos deveriam estar organizados. Divergências que levaram mais tarde ao surgimento da União Geral de Trabalhadores (UGT).
Desfile na cidade piquenique no campo
No 1º de Maio de 1976 a CGTP-IN organizou um desfile em Lisboa que mobilizou milhares de pessoas e percorreu a Avenida Almirante Reis. As imagens da RTP mostram que na frente seguiam os músicos. A multidão cantava "uma gaivota voava, voava…"e segurava cartazes e bandeiras de Portugal. Havia famílias inteiras. Pais com os filhos às cavalitas ou a empurrar carrinhos de bebé. Jovens e idosos. Operários, trabalhadores agrícolas e bancários. Mais tarde, numa concentração no Estádio 1º de Maio, a multidão cantou em coro "Grândola Vila Morena", de Zeca Afonso.
No Alentejo, um dos palcos da Reforma Agrária, a festa fez-se no campo, em convívios informais ao ar livre, à volta de mesas improvisadas, "sem esquemas nem programas", escreveu o Diário de Lisboa. Mas também houve concentrações e manifestações nas ruas de Évora, em que estiveram presentes trabalhadores agrícolas e operários. Um grupo de agricultores de Portel levou cartazes onde se podia ler: "Ficámos fartos da fome, não queremos voltar atrás".
A reportagem do Diário de Lisboa esteve nesse dia numa propriedade de cerca de 500 hectares, que pertenceu à família Espírito Santo - a Herdade do Vale das Dúvidas - ocupada e transformada em "herdade colectiva". Nestas terras, em Portel, onde a família de banqueiros passava fins-de-semana, o almirante Américo Tomás e "outras relíquias do fascismo português" costumavam fazer caçadas, dizia o jornal. Mas agora, onde havia "pastos de perdizes e coelhos", estavam "belas searas de trigo". E acrescentava: "está tudo num brinquinho".
Guerra pelos sindicatos
Um ano antes no Estádio 1º de Maio, em Lisboa, as divergências entre o PS e o PCP ficaram à vista de todos. Os dirigentes socialistas foram impedidos de chegar à tribuna e quando Vasco Gonçalves estava a discursar ouviram-se apupos. As imagens da televisão pública mostram a surpresa no rosto de Álvaro Cunhal, que estava ao lado o primeiro-ministro e revelam também que Mário Soares ficou misturado na multidão. Os líderes socialistas acabaram por abandonar o estádio. No dia seguinte o PS organizou uma manifestação de protesto. O mau-estar era crescente. E foi "aquecendo" com a chegada do Verão.
Nessa altura o PS tinha acabado de ganhar as primeiras eleições livres em Portugal, para a Assembleia Constituinte. E não concordava com a Lei da Unicidade Sindical, publicada na véspera. Salgado Zenha chamou-lhe meses antes, num comício do Partido Socialista no Pavilhão dos Desportos, um "manietamento da classe operária" e Mário Soares avisou num discurso inflamado: "Seja qual for a opção do Partido Comunista, nós não nos deixaremos satelizar. Nós defenderemos a liberdade, como a defendemos no tempo do fascismo".
Os sindicatos acabaram por ser um dos temas centrais do debate político no Processo Revolucionário em Curso (PREC), que terminou a 25 de Novembro de 1975. As divergências entre os dois partidos foram fracturantes. A unicidade defendida pelo PCP impunha que os sindicatos existentes se unissem numa frente unitária liderada pela CGTP, que dominava os sindicatos. O PS defendia a unidade sindical, em que diferentes centrais sindicais se unissem para lutar por causas comuns. Mas este pluralismo era visto pela CGTP como "introdução de ideologia burguesa nos sindicatos portugueses".
Desde 1 de Maio de 1975 que PS e PCP passaram a celebrar o Dia do Trabalhador em separado. Um ano antes, poucos dias após a Revolução dos Cravos, os dois líderes históricos Soares e Cunhal não só estiveram juntos na tribuna como se abraçaram.