Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Dois olhares opostos sobre o SNS

O Negócios falou com João Semedo e Teófilo Leite a propósito do Serviço Nacional de Saúde. Saiba o que pensam sobre o assunto.

26 de Abril de 2012 às 12:00
  • ...
O Negócios falou com João Semedo e Teófilo Leite a propósito do Serviço Nacional de Saúde. Saiba o que pensam sobre o assunto.

João Semedo: "Entre a qualidade e a poupança, o Governo escolhe a poupança"

1. Acha que é possível manter o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tendencialmente gratuito?

Num contexto de crescimento económico, mesmo mantendo a reduzida percentagem do PIB que é destinada à despesa pública de saúde, o financiamento do SNS por via do Orçamento do Estado seria mais que suficiente. Mas, mesmo no ponto em que se encontram quer a economia quer as contas públicas, não há necessidade de sobrecarregar os cidadãos se o OE afectar mais verbas à saúde e se forem eliminadas despesas supérfluas (PPP, sub-sistemas, outsourcing, falsa inovação, ). Financiamento em função da despesa, contratualização da produção, gestão rigorosa e eliminação da transferência de fundos públicos para os prestadores privados são medidas capazes de garantir nesta conjuntura o equilíbrio das contas do SNS.

2. A liberdade de escolha na Saúde traria vantagens para os cidadãos? E para o Estado?

Já há liberdade de escolha em Portugal, mas apenas para quem tem dinheiro para poder escolher. A liberdade de escolha é uma armadilha da direita. Em abono da verdade, o que motiva a direita não é dar possibilidade de escolha às pessoas mas, sim, conseguir que o Estado pague essa opção, isto é, a pessoa escolhe um médico ou um hospital privado e o Estado paga. Paga o Estado e pagamos todos nós. Este sistema, a impor-se em Portugal, seria um seguro de vida para o sector privado e a ruína financeira do SNS. Portugal não dispõe de recursos financeiros suficientes para alimentar dois sistemas em paralelo: um privado e outro público, ambos financiados pelo Estado. Num prazo muito curto, o SNS seria residual e assistencialista.

3. Como avalia a política que está a ser seguida pelo ministro da Saúde?

A política de Paulo Macedo está completamente dominada pela obsessão da redução da despesa. O encerramento da Alfredo da Costa ilustra particularmente bem as opções do Governo: entre a qualidade e a poupança, o Governo escolhe sempre a poupança, mesmo que signifique piores cuidados.

4. O que vai resultar da aplicação das medidas do memorando da troika?

O resultado já hoje está à vista: um SNS fortemente amputado, de difícil acesso, cuja qualidade está em perda. Vamos assistir ao aumento das listas de espera e à sobrelotação das urgências. Nos centros de saúde a falta de médicos vai continuar a sentir-se, apesar dos truques de magia para criar a ilusão de que se está a dar médico de família a todos. A revisão do regime de comparticipação vai tornar os medicamentos mais caros. As mudanças decididas em certas áreas de excelência – Maternidade Alfredo da Costa, Centro de Genética, IDT – traduzem-se no seu desmantelamento. A promiscuidade entre interesses públicos e privados, que tanto tem prejudicado o SNS, vai aprofundar-se.

5. Está hoje o SNS melhor do que há dez anos?

Apesar dos mau tratos a que tem sido sujeito, o SNS é uma história de sucesso, dispondo hoje de uma excelente e articulada rede de serviços e dos mais modernos equipamentos e tecnologias. O SNS avançou na última década, tal como na anterior: na acessibilidade, proximidade, qualidade, diferenciação e excelência. Mas, também, na humanização e no respeito pelos direitos dos doentes. O SNS melhorou e podia ter melhorado ainda mais se as políticas prosseguidas tivessem eliminado alguns dos seus maiores "pecados": a promiscuidade entre público e privado, a partidarização dos cargos dirigentes, o desrespeito pelas carreiras e a desregulação das relações de trabalho provocada pela empresarialização dos hospitais.


Teófilo Leite: "Precisamos de um ministro de Saúde e não um ministro do SNS"

1. Acha que é possível manter o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tendencialmente gratuito?

Acho que é possível manter os actuais níveis de comparticipação do cidadão, desde que se introduza concorrência na prestação de cuidados de saúde e concorrência no financiamento. O que é preciso é atacar o problema de fundo que é o desenho do Sistema de Saúde Português. A propósito, conviria acabar com a confusão entre o que é o Sistema de Saúde Português e o Serviço Nacional de Saúde tão injustamente chamado também de Sistema Nacional de Saúde. É preciso colocar o cidadão no centro do sistema e conferir-lhe maior poder de decisão e maior responsabilidade na gestão da sua própria saúde.

2. A liberdade de escolha na Saúde traria vantagens para os cidadãos? E para o Estado?

Portugal precisa de efectivar o seu Sistema de Saúde Português, sob as bases da liberdade de escolha do cidadão e à luz do princípio do Estado Garantia. É ao maximizar a liberdade de escolha de todos os cidadãos que se potencia o bem-estar de cada um. É tempo de potenciar o Sistema de Saúde Português, ou seja, as sinergias e as complementaridades entre unidades de saúde, qualquer que seja a sua natureza, com capacidade instalada e recursos humanos adequados . É tempo de dar a devida atenção à amplitude total da oferta hospitalar em Portugal, bem como aos potenciais benefícios (económico-financeiros, sociais e de saúde) de uma rede hospitalar mais ampla e mais articulada, em que o dinheiro segue o doente, num quadro de total liberdade de escolha. Não seria este o melhor cenário para libertar o SNS de custos fixos e assentar os novos acordos em produção variável?

3. Como avalia a política que está a ser seguida pelo ministro da Saúde?

A política actual tem o mérito de procurar rectificar os desvios existentes, mas infelizmente continua a olhar para uma única árvore, o SNS, como se ela fosse toda a floresta. Precisamos de um ministro da Saúde e não um ministro do SNS. A sustentabilidade da Saúde só se alcançará com a participação activa e complementar dos prestadores privados, que são hoje centros de excelência em diversos domínios e têm capacidade instalada que pode ser rentabilizada.

4. O que vai resultar da aplicação das medidas do memorando da troika?

Espero que dê origem à modernização e à racionalização do modelo de Saúde em Portugal; que introduza concorrência, eficiência e competitividade no sistema; que favoreça a existência de um Estado Garantia no domínio da Saúde e coloque um travão nos desperdícios do actual Estado Quadrivalente (proprietário/accionista, prestador, financiador e regulador). Não consigo perceber porque se continua a defender um SNS que é um sorvedouro de dinheiro público, quando se pode ter um SNS que, em articulação com os privados, no âmbito do Sistema de Saúde Português, pode prestar serviços de melhor qualidade e com maior eficiência. No âmbito do SIGIC, por exemplo, uma cirurgia custa em média menos 30% quando é realizada num hospital privado.

5. Está hoje o SNS melhor do que há dez anos?

Genericamente, está melhor no domínio da prestação, também com o contributo dos hospitais privados, no âmbito do SIGIC, por exemplo. Contudo, apesar da evolução registada, o seu lugar no ranking europeu, de acordo com uma entidade internacional e independente, a Health Consumer Powerhouse, tem vindo a descer. Está claramente pior no domínio da gestão dos recursos. A transformação dos hospitais SA em hospitais EPE foi um claro retrocesso.

Ver comentários
Saber mais saúde Portugal João Semedo Teófilo Leite
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio