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Como a captura do navio português no Estreito de Ormuz põe em causa o comércio mundial
O apresamento do navio português no Estreito de Ormuz evidencia o quão o comércio mundial pode sair fragilizado com um aumento das tensões entre Israel e o Irão. Mudança de rotas, custos mais elevados de transporte e um intensificar de ataques a navios de mercadorias são os principais riscos.
A captura de um navio com bandeira portuguesa, o MSC Aries, no Estreito de Ormuz pela Guarda Revolucionária Iraniana está a evidenciar o quão as relações tensas entre o Irão e Israel podem afetar o comércio a nível mundial. Com uma capacidade de transportar seis mil contentores, cuja carga - segundo a Bloomberg - se reparte entre produtos de uso comum e mercadorias de alto risco, o navio foi intercetado no passado sábado, dia 13 de abril, e, até agora, as negociações para a libertação da sua tripulação e mercadoria ainda não deram frutos.
O que é possível concluir é que o ressurgir das tensões entre o Irão e Israel, a que se pode ainda acrescentar os ataques dos houthis do Iémen a embarcações no Mar Vermelho, podem atrasar ou até mesmo deixar o fluxo mundial de mercadorias em xeque. "Não é claro se, neste momento, a disrupção vai durar algum tempo ou se é só este navio", afirma Kyle Henderson, CEO da Vizon, à Bloomberg. O que é claro, no entanto, e tal como aconteceu com os ataques dos houthis, é que várias empresas transportadoras de mercadorias vão começar a evitar este Estreito, com receio que os seus navios sejam apresados, o que pode levar a um aumento dos custos de transporte.
No entanto, nem todas as empresas têm a opção de mudar as suas rotas. Devido à importância da região do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho como centros de transbordo de fluídos e componentes industriais, estas rotas tornam-se imprescindíveis para o fornecimento mundial. "O Estreito de Ormuz é mais do que um checkpoint de energia – especialmente para as economias do Golfo Pérsico – e a carga do Aries [navio com bandeira portuguesa] é um exemplo da complexidade das cadeias de fornecimento", explica Gerard DiPippo, analista geoeconómico, à Bloomberg.
Além disso, este Estreito também funciona como uma rota extremamente importante para o transporte do petróleo, cuja disrupção pode fazer aumentar ainda mais os preços desta matéria-prima, que já negoceia em máximos de cinco meses no mercado europeu e norte-americano.
O MSC Aries
A narrativa oficial que o Irão adotou para apreender o MSC Aries centra-se numa alegada violação de regulações marítimas. No entanto, vários analistas contestam esta ideia, apontando para a conexão do navio com Israel como o real motivo para o seu desvio e captura. De acordo com dados obtidos pela Bloomberg, dos seis mil contentores presentes no barco, o valor de apenas mil ultrapassa os 174 milhões de euros – sendo que mais de 50 estavam explicitamente classificados como produtos nocivos para o ambiente, perigosos ou, até mesmo, tóxicos.
A tripulação, composta por 25 pessoas, ainda não foi resgatada, embora estejam em curso negociações com as autoridades iranianas - e a empresa que opera o navio confirmou que estão todos a salvo. O embaixador de Portugal em Teerão reuniu-se no passado domingo com o chefe de diplomacia do Irão para discutir a captura do MSC Aries; e, na sequência desse encontro, uma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) disse à Lusa que "o Governo continua a desenvolver todas as diligências previstas e adequadas", optando, no entanto, por uma posição de "reserva", não excluindo um agravar de medidas diplomáticas face ao incidente. Na terça-feira, Paulo Rangel, ministro português dos Negócios Estrangeiros, chamou o embaixador do Irão ao Palácio das Necessidades para reiterar a condenação à captura do navio pelas forças iranianas e pedir a libertação imediata da tripulação a bordo.
A carga do navio tinha quase 60 destinos finais, envolvendo, por exemplo, as americanas Exxon Mobil Corp. e a Dow Inc., mas também nomes menos reconhecidos espalhados por toda a Europa, Canadá e América do Sul. Mais de 90 contentores dirigiam-se para os Estados Unidos, mas os principais destinos eram a Turquia, a Itália e a Bélgica. O MSC Aries tem registo na Região Autónoma da Madeira, propriedade da empresa Zodiac Maritime Limited, que confirmou que vai manter um "serviço regular e ininterrupto" em todas as rotas da região.