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Como uma farmacêutica chinesa avançou na corrida à vacina contra a covid-19

Quando um grupo de cientistas chineses se reuniu para um churrasco em Toronto há uma década, as conversas giraram em torno das vacinas da sua terra natal, que estavam há muito tempo aquém do mundo desenvolvido em termos de qualidade e segurança. Quatro deles decidiram agir.

EPA
04 de Julho de 2020 às 12:00
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Os cientistas deixaram os seus cargos em farmacêuticas globais no Canadá para estabelecer uma empresa de biotecnologia a meio mundo de distância em Tianjin, na China, na esperança de produzir vacinas ao nível das dos países ocidentais.

Agora, essa empresa, a CanSino Biologics, está no centro das atenções globais, figurando entre os líderes na corrida por uma vacina contra o coronavírus.

O CEO da CanSino, Yu Xuefeng, nascido na China e ex-executivo da unidade canadiana de vacinas da farmacêutica Sanofi, mantém contactos no Canadá e na China, mesmo numa altura em que as divergências geopolíticas polarizam os dois países. Yu reforçou as proezas científicas da sua empresa ao associar-se à maior organização de pesquisa do governo canadiano. Na terra natal, trabalhou com uma destacada cientista militar chinesa, primeiro com uma vacina contra o ébola, e agora, com a vacina experimental para o coronavírus da CanSino.

Em maio, a CanSino tornou-se a primeira empresa, a nível global, a publicar um estudo científico completo sobre os seus primeiros testes em humanos, um passo importante porque permite que investigadores de todo o mundo avaliem o potencial da vacina.

A empresa - que ainda não gera receitas e registou prejuízos de 22 milhões de dólares no ano passado - conseguiu até agora acompanhar e, por vezes, superar gigantes farmacêuticas ocidentais com a velocidade dos seus testes iniciais à vacina contra o coronavírus. A pesquisa ainda é muito incipiente para saber se a vacina da CanSino, ou mesmo de qualquer empresa, será a bala de prata que os países procuram para reabrir as economias no contexto da pandemia. Mas as incursões da CanSino mostram que a jovem indústria de biotecnologia da China é uma concorrente global e uma ferramenta poderosa para o presidente Xi Jinping.

A CanSino "tem mérito pela velocidade com que avançou com a vacina em estudos pré-clínicos e testes em humanos", disse Wang Ruizhe, analista do setor farmacêutico da Capital Securities, em Xangai. "Isso diz algo sobre a capacidade deles de mobilizar e alavancar os recursos necessários para realizar tudo isso. Os recursos necessários são significativos".

Um porta-voz da empresa chinesa disse, em maio, que o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, apoia os investigadores canadianos que trabalham em ensaios clínicos para uma vacina contra o coronavírus com a CanSino.

A indústria farmacêutica da China tem sido perseguida por incidentes de segurança e escândalos relacionados com a qualidade. Mas, nos últimos anos, partes dessa indústria tornaram-se com o regresso ao país de centenas de cientistas chineses treinados no Ocidente.

Chamados de hai gui, ou "tartarugas marinhas", esses retornados capitalizaram os relacionamentos e a experiência adquirida em países como os EUA e o Canadá e criaram novas empresas. O CEO da CanSino, Yu, de 57 anos - doutorado em microbiologia pela Universidade McGill do Canadá e chefe do desenvolvimento e produção de vacinas da Sanofi Pasteur no Canadá - pertence a essa nova geração de executivos.

No prospeto da oferta pública de 2019 da CanSino em Hong Kong, Yu descreveu as escolhas difíceis que ele e os seus colegas fizeram para criar o seu caminho de volta à China.

"A maioria das nossas famílias ficou no Canadá e só podíamos vê-las algumas vezes por ano", escreveu. "Quando pensas nos filhos pequenos e adolescentes a crescer sem pais, quando sabes que a tua mulher teve de tirar sozinha mais de 20 centímetros de neve ao início da manhã com o vento a -20 ° C - esses foram os momentos difíceis."

O nome CanSino representa os caracteres chineses da saúde, esperança e promessas, enquanto em inglês é uma combinação de Canadá e China. Além de Yu, há outros altos funcionários da empresa com ligações ao Canadá. O Diretor Científico Zhu Tao também foi cientista da Sanofi Pasteur no Canadá.

Em fevereiro de 2014, cerca de cinco anos após o regresso à China, Yu licenciou uma tecnologia do Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá chamada linhas de células HEK 293, necessária para produzir grandes quantidades de uma vacina de forma confiável. Essa ciência passou a sustentar em parte a tecnologia de vetores virais da CanSino.

Um vetor viral é um vírus geneticamente modificado que já não é prejudicial aos seres humanos, mas que pode servir como um veículo para transportar os genes de outro germe para preparar o sistema imunológico para o ataque. Poucas empresas chinesas possuíam essa tecnologia em 2014, quando uma investigadora do exército chinês chamada Chen Wei começou a pesquisar mais sobre vetores virais para produzir uma vacina que pudesse conter o surto de Ébola em África.

Chen chefiou o Instituto de Biotecnologia da Academia de Ciências Médicas Militares do país. Depois, passou a trabalhar com a CanSino para desenvolver uma vacina contra o Ébola que, em 2017, foi aprovada na China para uso de emergência e armazenamento nacional.

O longo relacionamento da CanSino com Chen foi frutífero, mais uma vez, este ano. A CanSino e aequipa de Chen realizaram estudos pré-clínicos da vacina contra o coronavírus - chamada Ad5-nCoV – e garantiram a ajuda de Pequim em tudo, desde o isolamento de estirpes do vírus até testes em animais.

 

A equipa iniciou testes clínicos em humanos em Wuhan, a cidade chinesa onde o coronavírus surgiu pela primeira vez, a 16 de março. A Moderna Inc., com sede em Massachusetts, considerada um dos melhores candidatos a produzir uma vacina americana, iniciou os seus testes nos EUA no mesmo dia. Menos de um mês depois, a CanSino iniciou a segunda fase de testes em larga escala em humanos. A 22 de maio, quando publicou um estudo na revista médica The Lancet, os resultados foram mistos: a vacina parecia segura e gerou alguma resposta imune, mas houve algumas deficiências.

A tecnologia do vetor viral pode ter limitações quando algumas pessoas já têm imunidade pré-existente ao vírus do vetor usado para criar a vacina. Foi o caso do adenovírus, um vírus geneticamente alterado que a CanSino usou para a sua vacina. Muitos dos pacientes com imunidade ao adenovírus pré-existente apresentaram uma resposta reduzida à injeção de coronavírus no estudo da Lancet.

Os laços dos fundadores da CanSino com o Canadá estão mais uma vez mais a revelar-se proveitosos, numa altura em que a empresa se prepara para começar a fase três de testes à sua vacina. Ainda assim, pode haver desafios na realização dos vários estudos que são necessários nos estágios finais, se as novas infeções por coronavírus continuarem a diminuir no Canadá. A China acabou com o surto.

Investigadores do Centro Canadiano de Vaccinologia da Universidade Dalhousie, que lideram os ensaios clínicos, disseram que esperam iniciar os estudos da Fase III da vacina da CanSino já neste outono. O Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá disse que, se a vacina for aprovada pelas autoridades locais, poderão ser produzidas doses para uso de emergência no Canadá.

A CanSino não é, porém, a única empresa bem posicionada na corrida pela vacina. A Moderna tem planos para testar a sua vacina em 30.000 pessoas nos EUA em julho, enquanto um estudo em estágio inicial da Pfizer Inc. e da BioNtech SE mostrou que a sua vacina é segura e que levou os pacientes a produzirem anticorpos contra o coronavírus. Uma vacina co-desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca Plc também iniciou a etapa final dos testes em humanos no Brasil em junho.

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