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Mais de um terço do emprego em Portugal depende de outros países

Aquilo que os consumidores de outros países decidem fazer tem uma influência decisiva numa grande fatia da mão-de-obra nacional. Os dados da OCDE mostram que mais de um terço dos empregos do sector empresarial privado é suportado, directa ou indirectamente, pela procura externa.

Bruno Simão
04 de Maio de 2017 às 19:12
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A globalização já não é o que era. Em vez de se especializarem em produtos, os países optam, cada vez mais, por se focarem em tarefas, um pouco como uma linha de montagem, mas à escala mundial. A OCDE chama-lhe cadeias de valor globais. Esta realidade mais fragmentada substituiu a lógica "made in". Um produto tem hoje várias nacionalidades, numa espécie de paternidade repartida. Isso envolve também consequências directas para os trabalhadores que, para o bem e para o mal, ficam mais dependentes daquilo que se passa lá fora. Estas conclusões fazem parte do "Skills Outlook" da OCDE, publicado esta quinta-feira, 4 de Maio.

Uma forma de aferir o nível de integração de um país nessas cadeias globais é avaliar quantos postos de trabalho são suportados pela procura externa. Em 2011, 36% dos empregos do sector empresarial privado dependiam do comportamento dos consumidores de outros países, seja através de exportações directas ou fornecendo países terceiros que depois exportam o produto final. Um crescimento face aos 30,8% de 2000 e um pouco acima da média da OCDE, instituição que integra os países mais desenvolvidos do mundo. É provável que este valor tenha continuado a crescer nos últimos anos.

 

(Este emprego do sector empresarial privado exclui a Administração Pública, a agricultura e as pescas, a saúde, a educação e os serviços sociais.)


 

"Muitos empregos estão ligados a cadeias de valor globais (CVG) e por isso dependem dos consumidores de outros países. O desenvolvimento das CVG aprofundou a interdependência entre as economias", pode ler-se no documento da OCDE. "Em 2011, mais de 30% dos postos de trabalho no sector empresarial na maior parte dos países da OCDE eram apoiados por consumidores em mercados estrangeiros. Em alguns países europeus mais pequenos, esta fatia superava os 50%. No Japão e nos EUA, as percentagens são mais baixas, reflectindo a maior dimensão das suas economias e menor dependência de exportações e importações."

 

No caso português, a sua dependência da procura externa vem essencialmente da União Europeia. 22% do emprego é apoiado por esses 28 mercados. A América do Norte (México, EUA e Canadá) representa 3,3%, o Este e Sudeste Asiático 1,7% e a China, sozinha, tem 0,7%. O resto do mundo é decisivo para 8,2% da mão-de-obra nacional.

 

Comprar, montar, vender

 

"O mundo entrou numa nova fase da globalização nas últimas duas décadas que traz aos países e trabalhadores novos desafios e oportunidades", refere a OCDE. "Ajudada pelo desenvolvimento da tecnologia de informação e das inovações nos transportes, a produção tornou-se globalizada e fragmentada nas cadeias de valor globais: trabalhadores em diferentes países agora contribuem para o design, produção, marketing e vendas do mesmo produto."

 

Portugal importa alguns produtos para poder depois exportar. Alguns ciclos são relativamente simples – importamos petróleo para exportar combustíveis refinados – outros são muito mais complexos. Por exemplo, a Autoeuropa importa peças de 26 países diferentes, entre os quais Marrocos e Liechtenstein. Esses componentes são depois combinadas por trabalhadores portugueses para fabricar carros alemães, que são exportados para 56 países, do Brunei ao Líbano.

 

Mais de 43% das exportações portuguesas incorporam valor acrescentado estrangeiro, via bens intermédios ou serviços. É um dos valores mais elevados da OCDE (provavelmente influenciado pelo peso elevado das exportações de combustíveis, que necessitam de importação prévia de petróleo). Se olharmos apenas para as exportações de serviços – onde está incluído o turismo – Portugal está a meio da tabela com um valor acrescentado de origem estrangeira de 15%. Na OCDE, a média ronda os 30%.

 

Menos de 1 em 4 portugueses tem tarefas pouco repetitivas

 

Esta nova fase da globalização traz obviamente desafios aos trabalhadores. Embora a OCDE sublinhe que os efeitos são complexos e nem sempre no mesmo sentido, é hoje bastante claro, por exemplo, que a concorrência da China levou a uma quebra significativa do emprego na indústria dos EUA. Por outro lado, a integração nas cadeias globais pode permitir às empresas desenvolver novas actividades e criar postos de trabalho. "Países da OCDE importam serviços e intermediários de indústrias de tecnologia de ponta, mas também exportam estes produtos, o que torna difícil de avaliar o impacto global no emprego", pode ler-se no documento.

 

A OCDE refere ainda que não parece existir uma ligação entre uma maior integração no comércio internacional e as desigualdades internas dos países. Para esses indicadores – que se têm agravado nos últimos anos - são mais relevantes as mudanças tecnológicas e as instituições.

 

No entanto, há empregos e empregos. E alguns são mais susceptíveis a poderem ser deslocalizados para o estrangeiro, especialmente quando envolvam tarefas mais repetitivas. Pense, por exemplo, numa linha de montagem. Quanto mais mecânico for o trabalho, mais fácil será transferi-lo.

 

E isso é um problema para os trabalhadores portugueses. É que, entre os 25 países analisados pela OCDE, apenas Itália tinha uma percentagem mais baixa de trabalho nada ou pouco repetitivo. Em Portugal, apenas 23% da mão-de-obra está nessa situação. O que compara com 55% na Holanda, 50% na Grécia e 47% na Alemanha, por exemplo.

 

É outro debate, mas estes dados também significam que uma grande fatia dos empregos é permeável à robotização. Como já escrevemos aqui no Negócios, Portugal tem o maior risco de automatização da Zona Euro.

 

Ainda assim, apesar destas vulnerabilidades, importa apontar que, segundo os dados da OCDE, entre 2000 e 2015, Portugal foi o país que mais desenvolveu as qualificações necessárias para competir nestas cadeias de valor globais. 

A conclusão central do relatório da OCDE é que se os Governos conseguirem ajudar os trabalhadores a desenvolver as qualificações certas para enfrentar este novo ambiente internacional, a globalização pode significar mais emprego e ganhos de produtividade. 


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