O salão estava cheio. Já não restavam lugares sentados, por isso havia pessoas sentadas no chão. Alunos e professores da Faculdade de Letras da Universidade do Porto esperavam ansiosamente ouvir o grande filósofo francês Jean-Paul Sartre. Estávamos no início de abril de 1975. Poucos dias antes, tinha sido a intentona do 11 de março. O país fervilhava. Estava em andamento o Processo Revolucionário em Curso (PREC), que pôs em marcha a nacionalização de vários setores, a expulsão de inúmeros patrões e gestores de empresas, e a ocupação de herdades por camponeses. Tudo isso interessava Sartre.
"Ele estava numa fase muito ligada ao maoismo. Veio para entender a revolução e ver novas possibilidades do progresso revolucionário. Dizia que o caso português tinha sido uma lição para o mundo", recorda Arnaldo Saraiva, na altura professor assistente naquela faculdade e um dos responsáveis pela vinda do filósofo ao país. Numa conversa com Jacques D’Arthuys, então diretor do Instituto francês no Porto, surgiu a ideia de trazer Sartre a Portugal. "Soubemos que ele gostaria de vir ver o clima da revolução. E o Jacques D’Arthuys, que pertencia a uma família aristocrática e tinha muito poder no Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, pôs-se em campo". Não só veio Sartre como também a companheira, Simone de Beauvoir, romancista e ensaísta, e um ícone do feminismo.
Naquele dia, Arnaldo Saraiva apresentou o filósofo ao auditório. Mas ele não vinha para falar, "vinha para ouvir". "Toda a gente estava à espera da palavra ‘sagrada’ dele. Mas Sartre dececionou completamente porque falou pouco e disse coisas que, de alguma maneira, já sabíamos." No breve discurso que fez, defendeu a autogestão das empresas que considerava ser uma contribuição do proletariado industrial para o processo de luta pelo socialismo e "insistiu sobre a necessidade de mudar aquilo a que chamava a ‘democracia burguesa’".
Talvez a assistência estivesse à espera "de palavras de ordem, soluções definitivas, ou caminhos muito claros a percorrer". Mas o filósofo disse que, "feita a revolução, era preciso ir devagar e ter cuidados". Apesar de, ao tempo, estar muito influenciado pelo maoismo, "ele era um homem democrático, um intelectual que prezava a democracia", sublinha o académico.