A proliferação das criptomoedas e a mudança de paradigma na área dos pagamentos tornaram inevitável o aparecimento de uma versão digital do Euro, mesmo que a sua concretização esteja ainda a alguma distância de ocorrer.
A recente resposta de alguns bancos centrais asiáticos, com versões desmaterializadas das suas moedas, apenas confirmou uma tendência que já poderá chegar tarde, pelo menos a avaliar pela adesão dos consumidores e pelos valores associados à sua utilização.
Só em novembro último, a capitalização do mercado global das moedas digitais era de cerca de 2.8 triliões de USD¹, representando um volume diário de transações na ordem dos 130 mil milhões de USD¹…
A verdade é que existem diversas vantagens associadas às moedas digitais, enquanto instrumentos desmaterializados de investimento e pagamento. A sua imutabilidade e garantia de veracidade, que tornam uma falsificação praticamente impossível, são duas das virtudes associadas à tecnologia subjacente, sem esquecer a velocidade de emissão, substancialmente mais rápida do que no sistema financeiro tradicional.
Em contraponto surgem os riscos, sobretudo os relativos à volatilidade associada aos mecanismos de oferta e procura, à sua desassociação das regras e princípios económicos atuais e reais, bem como ao aumento dos perigos de cibersegurança.
Um novo Euro… mais digital
A emissão de moedas digitais pelos Bancos Centrais é algo que será inevitável a curto ou médio-prazo, podendo representar o início de um sistema mais ágil e seguro na transmissão de liquidez, com um poder de atuação superior ao que existe atualmente.
É o caso do Euro Digital. O Banco Central Europeu (BCE) avança com diversas vantagens desta nova moeda face a outras criptomoedas existentes, posicionando-a como um complemento ao numerário e aos depósitos em Euros, como veículo de sinergias com a indústria de pagamentos e como solução que evita os riscos das soluções de pagamento não reguladas.
No entanto, é o tempo (ou a falta dele!) a surgir como um verdadeiro desafio neste contexto. Após lançar um projeto-piloto para identificar o desenho ideal do Euro Digital e a forma como os intermediários financeiros poderão fornecer serviços front-end sobre esta moeda, o BCE apontou uma meta algures em 2026 para a sua introdução definitiva no mercado.
O que, à primeira vista, poderá ser excessivo quando se espera uma resposta rápida, eficaz e regulada às moedas digitais já em circulação, pode em tese ser escasso para a criação de legislação e para as instituições financeiras adotarem as tecnologias e os processos necessários.
Desafios prementes
Entre os vários desafios associados atualmente o Euro Digital, dois deles assumem especial relevância por envolverem questões de privacidade e questões de cibersegurança.
No primeiro caso, a forma como serão criadas e operacionalizadas as bases de dados que sustentam o funcionamento da nova moeda é a que mais dúvidas levanta, concretamente em relação à utilização de soluções do tipo Distributed Ledger Technology (DLT), usadas na tecnologia Blockchain.
Se por um lado é crucial a existência de bases de dados descentralizadas (elas são o core do próprio conceito de criptomoeda), como forma de garantir a capacidade de fluidez e rapidez das transações, é importante encontrar um modelo que proteja os dados dos utilizadores, sobretudo ao nível do cumprimento do sigilo bancário.
O BCE argumenta que os testes até agora efetuados indicam que poderão ser usadas várias tecnologias baseadas em DLT – incluindo a Blockchain – e que a tecnologia de suporte ao Euro Digital não irá contemplar o arquivo de dados de pagamento dos utilizadores individuais, nem a gravação de padrões comportamentais de pagamento, para posterior fornecimento a outras entidades.
Quanto às questões de segurança, as atenções estão centradas nas vulnerabilidades que já afetam as moedas digitais existentes e na forma como esses riscos podem ser eliminados no Euro Digital. Falamos sobretudo dos ataques com pedidos de levantamentos massivos de fundos, que podem "confundir" os sistemas e permitir o levantamento indevido de verbas; e falamos dos chamados ataques de bridge, que basicamente aproveitam vulnerabilidades nos processos de ligação entre diferentes Blockchains, bloqueando o blockchain original no momento da transação e desviando as verbas para outro destino.
Meta à vista
Quando chegar aos wallets dos consumidores, o Euro Digital terá, pelo menos, cerca de 340 milhões de cidadãos europeus à sua espera, alicerçado por um conjunto de tecnologias, entidades e regras que tornarão o sistema mais resiliente e preparado para o futuro próximo. Desta forma, o ecossistema financeiro terá desde já de se mobilizar para preparar as diferentes vertentes que sustentam a versão digital do Euro.
Do lado das instituições financeiras, é crucial iniciar o processo de criação de infraestruturas de suporte, de aposta em modelos de DevSecOps e serviços de consultoria e estudo de práticas de segurança a utilizar, olhando para algumas tecnologias existentes como apostas seguras – como é o caso das soluções de Blockchain em Cloud.
Ao antecipar-se à inevitabilidade do Euro Digital, as instituições poderão tornar mais ágil a curva de adoção e garantir uma antecipação comercial, capitalizando todo o percurso de preparação para este novo paradigma de pagamentos.
¹ Dados CoinMarketCap
Nuno Sousa, Head of Business Development Financial Services da Claranet Portugal